O Mundo da Ilusão
Dir: Alê Abreu, Brasil, 2013, 1h20minIMDB Trailer
- O Brasil tem filme disputando o Oscar 2016?
- Tem!
- Em qual categoria?
- Em qual categoria?
- Longa de animação! Disputando com filme da Pixar! Acredita?
- E o filme é bom?
- Huuuuum, então...
- E o filme é bom?
- Huuuuum, então...
O Menino e o Mundo é o representante brasileiro no Oscar 2016 na categoria longa de animação, disputando o prêmio, dentre outros, com o peso-pesado da Disney/Pixar Divertida Mente e com o ótimo Anomalisa. Sua indicação ao prêmio pegou a todos de surpresa, inclusive seu diretor, que teve que interromper suas férias para fazer a campanha.
O filme narra a jornada de um menino qualquer, que vivia na zona rural de maneira simples mas feliz, e que parte em busca de seu pai que havia deixado o local. Em seu caminho o menino irá conhecer a opressora vida na cidade.
Pois é, de cara o filme já estabelece essa distinção binária, de idealizar a felicidade da vida de subsistência no interior enquanto a cidade atua somente no sentido de oprimir a todos, sobretudo aos mais pobres. Um eco das ideias de Rousseau, que imaginava que a vida antes da existência da sociedade era feliz. O filme inteiro será construído em torno desse maniqueísmo ideologizado.
Como disse um amigo em sua ótima análise, o filme é como um manual do pequeno marxista. Para não deixar dúvida, o roteiro explica os conceitos econômicos - como a forma de produção, a apropriação do lucro gerado pelo trabalhador (a célebre mais valia) e a divisão internacional do trabalho - por meio do ciclo de produção do algodão, o produto da Revolução Industrial, época em que Marx escreveu sua obra.
Nada contra Marx e sua teoria, mas a maneira simplificada e falaciosa como o filme a apresenta são um insulto à inteligência dos que sabem que o mundo é bem mais complexo que o simples binômio da luta de classes entre opressores x oprimidos. Essa postura maniqueísta, preto no branco, é nociva tanto quando proveniente dos antigos soviéticos que queriam impor o conceito do "homem novo" quanto conforme a ideia que os americanos insistem impor de que as guerras que promovem pelo mundo são justas e que seus personagens são heróis - coisa que Spielberg fez no fraco Ponte dos Espiões.
Assim, de início, o filme já se mostra incômodo por essa posição política simplista característica de estudantes de humanas ou de políticos que simplificam os conflitos sociais a um bordão do tipo "contra burguês, vote dezesseis". Tomar uma posição polarizada assim é burrice ou má fé, tanto neste sentido como no sentido oposto, dos que acham que a solução para acabar com a violência é sair matar os bandidos ou que basta que um só partido deixe o poder para que a corrupção, como que por mágica, desapareça. O mundo é um lugar bem mais complexo e com diferentes tons, e não são essas posições polarizadas que melhoram o convívio entre as pessoas.
O filme tem uma maneira peculiar de narrativa. Seus traços lembram os de desenhos infantis feitos com lápis de cor ou giz de cera. Essa linguagem infantil e a bela trilha sonora são muito bonitas e saem da mesmice das animações tridimensionais atuais. Também não há limites claros no filme. Fora os elementos minimalista que nos permitem notar que o menino está no interior, como galinhas, enxada e riacho, não dá pra dizer em que lugar do mundo está esta zona rural. Também não há qualquer diálogo compreensível, apenas umas poucas frases em linguagem inexistente. A cronologia tampouco é precisa, com vais e vens oníricos, em que o menino por vezes parece voar de um ponto a outro, de forma surrealista. E a estrutura lógica também é entrecortada, pois durante sua jornada o menino subitamente está convivendo com diferentes personagens adultos. Só ao final ficará claro que estes personagens eram o próprio menino em diferentes fases de sua vida. Esse tom metafórico faz com que o filme não seja fácil de entender, tanto para adultos quanto para crianças.
Há críticas pertinentes a problemas relevantes do mundo contemporâneo, como a alienação promovida pela mídia e pelo consumismo, a repressão a movimentos sociais, a desestruturação familiar, a exploração do trabalho, o desemprego, a degradação do espaço urbano e a questão ambiental. Mas a mão pesada do diretor, em vez de somente identificar o problema, quer rapidamente apontar o dedo na direção dos culpados: os ricos e poderosos. A comparação é até um pouco injusta por envolver um dos maiores gênios do cinema, mas Chaplin sempre lidou com a questão social em seus filmes de forma bem mais sutil, com a mensagem de que mesmo em meio a todos às adversidades do mundo moderno a vida é bela e as pessoas devem lutar pela felicidade.
O Menino e o Mundo poderia ser uma bela obra, por sua poética linguagem. Mas a pesada ideologia explícita, infelizmente, contamina todo o filme. Aponta problemas relevantes, mas seu maniqueísmo esconde a complexidade da realidade. Não vai levar o Oscar, e também não merece.
Nota: 5