19 de fevereiro de 2016

O Menino e o Mundo

O Mundo da Ilusão

Dir: Alê Abreu, Brasil, 2013, 1h20min
IMDB                 Trailer             


- O Brasil tem filme disputando o Oscar 2016? 
- Tem!
- Em qual categoria?
- Longa de animação! Disputando com filme da Pixar! Acredita?
- E o filme é bom?
- Huuuuum, então...

O Menino e o Mundo é o representante brasileiro no Oscar 2016 na categoria longa de animação, disputando o prêmio, dentre outros, com o peso-pesado da Disney/Pixar Divertida Mente e com o ótimo Anomalisa. Sua indicação ao prêmio pegou a todos de surpresa, inclusive seu diretor, que teve que interromper suas férias para fazer a campanha.

O filme narra a jornada de um menino qualquer, que vivia na zona rural de maneira simples mas feliz, e que parte em busca de seu pai que havia deixado o local. Em seu caminho o menino irá conhecer a opressora vida na cidade.

Pois é, de cara o filme já estabelece essa distinção binária, de idealizar a felicidade da vida de subsistência no interior enquanto a cidade atua somente no sentido de oprimir a todos, sobretudo aos mais pobres. Um eco das ideias de Rousseau, que imaginava que a vida antes da existência da sociedade era feliz. O filme inteiro será construído em torno desse maniqueísmo ideologizado. 

Como disse um amigo em sua ótima análise, o filme é como um manual do pequeno marxista. Para não deixar dúvida, o roteiro explica os conceitos econômicos - como a forma de produção, a apropriação do lucro gerado pelo trabalhador (a célebre mais valia) e a divisão internacional do trabalho - por meio do ciclo de produção do algodão, o produto da Revolução Industrial, época em que Marx escreveu sua obra. 

Nada contra Marx e sua teoria, mas a maneira simplificada e falaciosa como o filme a apresenta são um insulto à inteligência dos que sabem que o mundo é bem mais complexo que o simples binômio da luta de classes entre opressores x oprimidos. Essa postura maniqueísta, preto no branco, é nociva tanto quando proveniente dos antigos soviéticos que queriam impor o conceito do "homem novo" quanto conforme a ideia que os americanos insistem impor de que as guerras que promovem pelo mundo são justas e que seus personagens são heróis - coisa que Spielberg fez no fraco Ponte dos Espiões.

Assim, de início, o filme já se mostra incômodo por essa posição política simplista característica de estudantes de humanas ou de políticos que simplificam os conflitos sociais a um bordão do tipo "contra burguês, vote dezesseis". Tomar uma posição polarizada assim é burrice ou má fé, tanto neste sentido como no sentido oposto, dos que acham que a solução para acabar com a violência é sair matar os bandidos ou que basta que um só partido deixe o poder para que a corrupção, como que por mágica, desapareça. O mundo é um lugar bem mais complexo e com diferentes tons, e não são essas posições polarizadas que melhoram o convívio entre as pessoas.

O filme tem uma maneira peculiar de narrativa. Seus traços lembram os de desenhos infantis feitos com lápis de cor ou giz de cera. Essa linguagem infantil e a bela trilha sonora são muito bonitas e saem da mesmice das animações tridimensionais atuais. Também não há limites claros no filme.  Fora os elementos minimalista que nos permitem notar que o menino está no interior, como galinhas, enxada e riacho, não dá pra dizer em que lugar do mundo está esta zona rural. Também não há qualquer diálogo compreensível, apenas umas poucas frases em linguagem inexistente. A cronologia tampouco é precisa, com vais e vens oníricos, em que o menino por vezes parece voar de um ponto a outro, de forma surrealista. E a estrutura lógica também é entrecortada, pois durante sua jornada o menino subitamente está convivendo com diferentes personagens adultos. Só ao final ficará claro que estes personagens eram o próprio menino em diferentes fases de sua vida. Esse tom metafórico faz com que o filme não seja fácil de entender, tanto para adultos quanto para crianças. 

Há críticas pertinentes a problemas relevantes do mundo contemporâneo, como a alienação promovida pela mídia e pelo consumismo, a repressão a movimentos sociais, a desestruturação familiar, a exploração do trabalho, o desemprego, a degradação do espaço urbano e a questão ambiental. Mas a mão pesada do diretor, em vez de somente identificar o problema, quer rapidamente apontar o dedo na direção dos culpados: os ricos e poderosos. A comparação é até um pouco injusta por envolver um dos maiores gênios do cinema, mas Chaplin sempre lidou com a questão social em seus filmes de forma bem mais sutil, com a mensagem de que mesmo em meio a todos às adversidades do mundo moderno a vida é bela e as pessoas devem lutar pela felicidade.

O Menino e o Mundo poderia ser uma bela obra, por sua poética linguagem. Mas a pesada ideologia explícita, infelizmente, contamina todo o filme. Aponta problemas relevantes, mas seu maniqueísmo esconde a complexidade da realidade. Não vai levar o Oscar, e também não merece.

Nota: 5

18 de fevereiro de 2016

Carol

Amor Proibido 

Dir: Todd Haynes, EUA/Reino Unido, 2015, 1h58min
IMDB                 Trailer                 Roteiro


Como explicar a atração que sentimos por outra pessoa? Essa é a questão que Carol mais busca responder. O filme recebeu 6 indicações ao Oscar 2016: atriz principal, roteiro adaptado, trilha sonora, fotografia, figurino e atriz coadjuvante. Tem alguma chance de ganhar nestas duas últimas, mas é mais provável que não receba nenhum prêmio.

Na trama vemos o amor entre duas mulheres no início dos anos 50 nos EUA: a dondoca Carol, rica, segura e experiente, com histórico de romances homoafetivos anteriores e a vendedora Therese, seu extremo oposto. O lento desenvolvimento da relação entre estas duas personagens, com a busca pelos pequenos gestos que faz com que uma pessoa sinta atração - tanto física quanto afetiva - por outra, é o ponto alto da produção.

A segunda parte envolve a batalha judicial de Carol para mostrar que é uma mãe digna e que sua conduta pessoal não irá prejudicar o desenvolvimento de sua filha. Para tanto, ela se vê obrigada a se afastar de Therese. Nessa parte, ao contrário da primeira, verifica-se um ativismo em prol da causa GLBTT que gera anacronismo e reduz o impacto da obra. Em parte isso se explica pelo engajamento do diretor Todd Haynes à causa gay - ele é considerado um dos maiores expoentes do new queer cinema. Prova do anacronismo é um discurso engajado de Carol assumindo sua homossexualidade em um encontro com seu marido e seus advogados e dizendo que isso é problema dela e que não afeta ninguém, e os homens ficam surpresos, mas reflexivos. Bonito mas artificial, já que é anacrônico. Conforme a mentalidade da época, os homens iriam é ter nojo de tal declaração. Há produções com o tema que não sofrem com esse problema como O Segredo de Brokebak Mountain (que deveria ter ganhado o Oscar em 2006) e Azul é a Cor Mais Quente.

Apesar dessa artificialidade, o filme tem grandes méritos. O melhor é a sutileza com que conduz a relação das duas. Carol nunca coloca Therese contra a parede. Apenas vai lentamente se aproximando, sem ser também uma estrategista maquiavélica. Apenas se aproxima pela atração que se estabelece desde o primeiro encontro entre elas. 

Essa sutileza também se revela na fotografia do filme, indicada ao Oscar. Há muitos closes em pequenos detalhes do cenários, algumas cenas através de vidros e foi utilizado o antigo filme de 16mm para dar uma aspecto que a obra teria se tivesse sido rodada na época retratada.

As atrizes são e estão ótimas. Cate Blanchett confirma ser uma das melhores atrizes do cinema atual após sua premiação na cerimônia retrasada por Blue Jasmine. Rooney Mara é uma estrela em ascensão e passa toda a delicadeza de sua personagem. Dificilmente irão levar o prêmio por conta das fortes concorrentes [o pitaco com as apostas ao Oscar será publicado às vésperas da premiação], mas merecem aplausos.

Carol é um filme delicado e sutil. Só erra um pouco por conta do anacronismo de querer levar aos anos 50 a luta pela causa gay. Mas é um fato menor, que não tira a beleza da obra.

Nota: 7

16 de fevereiro de 2016

O Quarto de Jack

O Universo Numa Casca de Noz

Room, Dir: Lenny Abrahamson, Canadá/Irlanda, 2015, 1h58min
IMDB                 Trailer                 Roteiro


[ALERTA DE SPOILERS. Sem muitos detalhes sobre a trama, mas com algumas descrições das situações e aspectos comportamentais dos personagens.]

Você não gosta de filmes que fazem chorar? Então passe longe de O Quarto de Jack, já que esse é um dos filmes mais tristes já feitos na história da sétima arte. Foi indicado a 4 prêmios no Oscar 2016: filme, direção, roteiro adaptado e atriz principal. Certamente vai levar este último, o que será comentado abaixo.

O filme conta a estória de Jack e sua mãe, Joy, que vivem em um pequeno quarto. Como o menino nunca saiu de lá, a mãe o ensinou que o Quarto é o mundo e tudo mais que ele vê pela TV é o espaço e os aliens. Nos primeiros minutos não se explica o porquê eles estão lá, apenas é mostrada a rotina de um dia na vida de ambos. Mas em pouco tempo descobrimos que Joy foi sequestrada e que Jack nasceu no cativeiro.

Há uma clara divisão em duas metades iguais. Na primeira, a trama toda ocorre no quarto e na segunda fora de lá. No quarto, vemos a relação particular que Jack estabeleceu com o local e o desafio da mãe em criar um filho em um ambiente tão singular. Especialmente nesta parte, há ecos de filmes como A Vida É Bela e O Menino do Pijama Listrado, em que um cenário adverso é mostrado sob a perspectiva de uma criança.

Na segunda parte é retratada a dificuldade de Jack em viver o mundo real, tendo em vista que em muitos aspectos ele é um bebê, pois teve experiência limitada com os objetos da realidade e a única relação pessoal que havia desenvolvido até então havia sido com sua mãe. Isso funciona como uma metáfora de toda a adaptação das pessoas ao mundo. Os pais verão desafios que enfrentam no dia a dia ao ensinar seus pequenos a lidar com os problemas cotidianos, como subir uma escada, e a ter de desapegar de suas crias (isso vale principalmente para as mães).

Para Joy, assim como para qualquer um que tenha sido sequestrado, a experiência do sequestro é dolorosa e inesquecível. Mas um adulto consegue ao menos tentar evitar pensar no infortúnio. Já para Jack o Quarto não era somente seu cativeiro, mas seu mundo. Ele não vê problemas em contar aos outros o que viveu lá e até mesmo dizer que sente saudades do local. Lá ele aprendeu tudo o que sabe e desenvolveu laços de afeto com aquele ambiente e aquelas circunstâncias, especialmente o fato de ter sua mãe sempre ao seu lado em todos os segundos de sua existência.

O roteiro de Emma Donoghue, baseado no livro de sua autoria, poderia se perder, e criar um drama exagerado. Mas ela escapa dessas armadilhas pois exageros são desnecessários, as circunstâncias dos personagens é dura o suficiente e dispensa truques baratos. A direção de Lenny Abrahamson respeita o texto e não recorre a elementos do melodrama, como câmeras lentas, músicas emocionantes e discursos grandiosos. Nenhum deles deve ser premiado com o Oscar, mas as indicações foram merecidas (e o roteiro até mereceria o prêmio).

Brie Larson interpreta a Mãe com uma inspiração assustadora, sem deixar sua personagem assumir qualquer estereótipo, como a compreensiva, a amorosa, a corajosa, a inabalável etc. A confusão de sentimentos da personagem em sua relação com o filho é demonstrada de maneira magistral. A Mãe é uma personagem real, pessoa que vive alegrias e tristezas, sem idealizações. Com todos os méritos ela está limpando as premiações e a não ser que um meteoro caia na Terra até o dia 28 irá ganhar o Oscar de melhor atriz por uma das maiores interpretações dos últimos anos.

O pequeno Jacob Tremblay encanta no papel de Jack, com sua ternura e inocência. Poucos atores mirins conseguem ser convincentes. Ele é um deles. Merecia a indicação ao Oscar mais do que muita gente (incluindo o favorito Sylvester Stallone). No elenco também estão Joan Allen e William H. Macy, no papel dos pais de Joy.

O Quarto de Jack é um filme muito doloroso e quem for vê-lo tem de estar disposto a vivenciar a dureza retratada. Mas levanta diversos questionamentos e é feito com muita humanidade, ainda que deixe o espectador com lágrimas nos olhos durante toda sua duração.

Nota: 8

12 de fevereiro de 2016

Anomalisa

Vida Vazia

Dir: Duke Johnson/Charlie Kaufman, EUA, 2015, 1h30min
IMDB                 Trailer


Indicado ao Oscar de Melhor Animação Anomalisa, ao contrário do que muitos imaginam quando pensam em animações, não é uma obra para crianças. Nada remete à infância, nem a forma nem o tema. 

Na trama, um homem em viagem de trabalho, Michael Stone, passa pelos pequenas irritações que todos enfrentamos no dia a dia do mundo urbano contemporâneo: a conversa com o taxista chato que fica tentando convencer o passageiro a fazer passeios que não quer, o mensageiro falsamente simpático que apresenta um quarto comum de hotel como se este fosse especial, a falta de assunto com a esposa, a lembrança de uma amor do passado que acabou etc. O filme é construído sobretudo a partir dessas pequenas coisas que mostram o vazio existencial da vida em meio à interminável repetição do cotidiano. 

A primeira parte do filme se passa de forma mais lenta para criar esse vazio. Na segunda parte entra em cena Lisa, uma mulher absolutamente comum, que nas palavras da própria não é bonita e nem inteligente, mas que mexe profundamente com Michael e faz renascer nele a esperança da vida. Aliás, aqui há uma linda e melancólica interpretação à capela do hit Girls Just Want to Have Fun de Cyndi Lauper que dá uma nova dimensão à letra.

Um dos pontos mais interessantes do filme e o que justifica a escolha da forma da animação em detrimento do uso de pessoas é o fato de todos os personagens, exceção feita à Michael e Lisa, terem a mesma cara e a mesma voz, sejam homens ou mulheres, adultos ou crianças. Uma bela metáfora da mesmice.

Esse roteiro cheio de questões existenciais é bem escrito e dirigido. Há muitos momentos de silêncio e de "atuação" do personagem, com suas reflexões e seu desgosto com o mundo, à espera de algo que o salve dessa rotina vazia e enfadonha. Há situações inusitadas, como o mencionado fato de todos os demais personagens serem iguais, além de outros momentos de encontros insólitos. Mas nada surpreendente em se tratando do roteirista Charlie Kauffman, conhecido por filmes que lidam com o surreal e o absurdo, como Quero Ser John Malkovich e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (premiado com o Oscar de melhor roteiro original). Foi esnobado ao não receber a indicação de melhor roteiro original nesta edição do prêmio da Academia.

A parte técnica foi feita com um trabalho exaustivo de animação stop-motion, na qual os animadores tem que mudar os bonecos quadro a quadro, o que resulta em mais de 100 mil fotografias diferentes feitas para produzir a animação (veja um pequeno trecho do making of). A fotografia é bem pensada e as tomadas são feitas como se estivessem lidando com atores reais. Os bonecos são bem desenhados e realistas que conseguem passar mais emoção que vários atores reais campeões de bilheterias.

O filme é digno do prêmio a que concorre, mas não deve vencer a força do lobby e da tradição da Disney/Pixar com Divertida Mente, que é um filme com boas ideias, mas com o mesmo roteiro de sempre com personagens em uma jornada de aventuras. Aqui, ao contrário, sobra originalidade, o que rejuvenesce as animações que atualmente só são premiadas quando apresentadas em desenhos 3D e que não devem servir somente como um "Oscar para crianças". Mas como não só de Oscar vive o mundo das premiações, o filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no badalado Festival de Veneza e concorre no respeitado Independent Spirit Award não como animação, mas como melhor filme, e também por roteiro, direção e atriz coadjuvante (Jennifer Jason Leigh, indicada ao Oscar 2016 na mesma categoria por Os Oito Odiados).

Anomalisa é um ótimo filme, com um roteiro triste, mas belo e tocante, que nos faz refletir sobre o vazio da vida pós-moderna.

Nota: 8

11 de fevereiro de 2016

Steve Jobs

iFilm

Dir: Danny Boyle, EUA, 2015, 2h02min
IMDB                Trailer                Roteiro

Indicado no Oscar 2016 aos prêmios de ator principal e atriz coadjuvante, Steve Jobs conta a estória do personagem título de uma maneira bem peculiar, fugindo daquele maçante padrão de cinebiografias em que o personagem é apresentado do nascimento à morte, mostrando todos seus momentos marcantes e com créditos ao final explicando seu legado. Aqui vemos pequenos recortes da vida de Jobs com poucos personagens, cada um com a função de destacar algum traço de sua personalidade.

O roteiro seleciona somente três momentos da vida de Jobs, que antecederam três lançamentos de produtos notáveis: o Macintosh (1984), o NeXT (1988) e o iMac (1998). Esses momentos são mostrados em tempo real, sem nenhuma quebra cronológica, ou seja, se faltava meia hora para iniciar a apresentação veremos essa meia hora da vida de Jobs. 

Um dos pontos interessantes é colocar os mesmos personagens nestes três momentos distintos: sua braço-direito Joanna, a menina que ele não quer reconhecer como filha, Lisa, seu parceiro de fundação da Apple Steve Wozniak, o CEO da empresa John Sculley e um dos desenvolvedores de seu time, Andy. Cada um destes tem importantes questões pessoais com Jobs e foram cuidadosamente escritos para demonstrar traços de sua peculiar personalidadeJobs é mostrado em sua complexidade com sua personalidade megalomaníaca, arrogante, narcisística, inquieta e perfeccionista. Apesar de parecer tão seguro de si e confiante em sua genialidade, a necessidade de reconhecimento parece ser o grande objetivo de sua vida.

O filme anterior sobre o dono da Apple, Jobs, foi desprezado pela crítica e não muito querido pelo público. Além disso, o ator principal daquele, Ashton Kutcher, ainda que elogiado por sua performance e muito semelhante fisicamente ao personagem real, é muito inferior ao protagonista desta obra.

O filme praticamente não tem momentos de silêncio, com os ágeis diálogos de Aaron Sorkin (um dos esnobados pelo Oscar) ocupando toda a projeção. As atuações são muito boas e as indicações de Michael Fassbender e Kate Winslet ao Oscar foram merecidas. Ele é um ótimo ator, que merecia ter levado o prêmio de coadjuvante por 12 Anos de Escravidão (mas foi preterido por Jared Leto sobretudo por sua transformação física em O Clube de Compras Dallas) e ainda vai levar o Oscar, mas não desta vez, já que o prêmio será do Leonardo di Caprio. Ela sempre é uma atriz muito competente, e após ser premiada no Globo de Ouro tem chances na disputa pelo Oscar. Seth Rogen e Jeff Daniels também estão no elenco.

A direção de Danny Boyle (conhecido por Trainspotting e por Quem Quer Ser um Milionário) é ágil como o roteiro, no melhor estilo câmera na mão para acompanhar o vai e vem de Jobs pelos bastidores das apresentações. Também é interessante a distinção dos três momentos pelo visual apresentado em função da técnica de captação utilizada, 16mm em 1984, 35mm em 1988 e digital em 1998.

Steve Jobs é um bom filme, que se destaca pelo roteiro biográfico enxuto e pelas boas atuações. Recomendado para os que tem disposição para filmes verborrágicos mas com diálogos interessantes.

Nota: 7

9 de fevereiro de 2016

O Regresso

Sobrevivência e Vingança

The Revenant, Dir:  Alejandro González Iñárritu, EUA, 2015, 2h36min
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O Regresso é o filme com o maior número de indicações ao Oscar 2016, concorrendo em 12 categorias. É favorito em categorias fortes, como direção, ator e fotografia, e também é um dos favoritos ao prêmio principal, junto a Spotlight e A Grande Aposta.

O filme está baseado na história real de um explorador de peles americano no início do século XIX, Hugh Glass, que é atacado por uma ursa. Após ser ferido gravemente, Glass tem que ser carregado pelos seus companheiros, que estão ameaçados pelo ambiente selvagem, pela aproximação do inverno e pelos índios nativos Arikara que os consideram inimigos. Ao carregar um homem quase morto, o grupo abandona Glass à própria sorte e vê seu filho mestiço sendo morto por um dos seus companheiros, Fitzgerald.

Ainda sem condições físicas, Glass passará por uma série de provações para deixar a área selvagem e regressar a um acampamento americano. E sempre obstinado em vingar o assassinato de seu filho. Assim, o filme combina filmes de superação frente a um ambiente hostil, como Gravidade e Náufrago, com filmes de vingança, como Kill Bill e Rastros de Ódio

O roteiro tem mais ação do que diálogos. Mas não o tipo de ação com atores malhados e explosões. A ação aqui foca no homem lutando para sobreviver em um ambiente hostil, com muitas cenas viscerais. Há também muita violência nos embates humanos, especialmente nos provocados pelo sempre tenso convívio entre indígenas e ocidentais. Apesar de ser um filme sobre a sobrevivência, aqui não se recorre ao recurso barato de discursos eloquentes carregados de lições de moral. O filme tem grande preocupação com o realismo.

Leonardo DiCaprio certamente leva o Oscar desta vez. Apesar das piadas, ele nunca foi favorito nos prêmios anteriores. E como a Academia ADORA filmes em que os atores tem de passar por sacrifícios e transformações físicas, o prêmio é certo. E com méritos, apesar de ele ter se mostrado um ator mais completo em filmes anteriores, como Diamante de Sangue e Os Infiltrados.

Tom Hardy é o antagonista e foi indicado a coadjuvante. Ele é um ator muito forçado e duro, cujo constante balançar de cabeça indicando concordância é incômodo, tanto aqui quanto em Mad Max: Estrada da Fúria. E sua voz rouca é reprise da entonação que utilizou como Bane em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Outros atores mereciam bem mais a indicação, como Idris Elba (Beasts of No Nation) e Oscar Isaac (Ex Machina) (em breve sairá um pitaco sobre quem deveria ter sido indicado). No elenco também está Domhnall Gleeson, em boa interpretação, ator presente em outros três dos filmes que disputam os prêmios (Ex Machina, Star Wars: O Despertar da Força e Brooklin).
  
A direção do mexicano Alejandro G. Iñárritu é espetacular. Como o maior dos mestres do cinema, Stanley Kubrick, em Barry Lyndon, o diretor utiliza somente luz natural neste filme. Poucas também são as cenas em ambientes fechados e o diretor nos leva à natureza selvagem do oeste americano pré-colonização. Como todo diretor competente, consegue fazer com que o público sinta o que ele quer e, no caso, coloca o espectador no corpo ferido de Glass. Iñárritu é um nome em destaque na Hollywood atual, que após ganhar 3 prêmios em 2015 (filme, roteiro e direção) pelo espetacular Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), segue em alta rumo ao bicampeonato como diretor e forte concorrente à dobradinha de melhor filme.

Também notável é a fotografia de seu compatriota Emmanuel Lubezki. Com seu foco em paisagens, ele utiliza-se de imagens subexpostas (escuras), com pouca saturação e com uma paleta predominantemente azul. Também utiliza-se de movimentos de câmera muito interessantes, ótimos planos-sequência e tomadas que levam o espectador a ter a mesma visão que os personagens. Ganhou os dois últimos prêmios de fotografia pelos mencionados Gravidade e Birdman, e caminha para o tricampeonato.

O filme também se destaca nas demais categorias técnicas a que concorre (edição, design de produção, maquiagem, figurino, edição de som, mixagem de som e efeitos visuais), mas não deve ganhar em nenhuma dessas, pois boa parte destes prêmios ficará com Mad Max: Estrada da Fúria.

O Regresso é um filme forte e violento, que conta uma boa história de superação e vingança. Apesar de exigir estômago em algumas cenas mais pesadas, é uma ótima experiência cinematográfica. 

Nota: 9

5 de fevereiro de 2016

Trumbo

Renegado

Dir: Jay Roach, EUA, 2015, 2h04min
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Trumbo baseia-se em fatos reais da vida do roteirista Dalton Trumbo que por conta de sua filiação ao partido comunista foi incluído na lista negra de Hollywood, acordo entre os grandes estúdios para não empregar os "vermelhos", subproduto da era de caça às bruxas do macartismo. No Oscar 2016 recebeu indicação de melhor ator.

O recorte histórico é feito desde o momento em que Trumbo está no ápice de sua carreira e entra na lista negra e vai até sua redenção, com o prêmio da associação dos roteiristas. Isso já demonstra que o roteiro é um tanto quanto previsível, típico de filmes biográficos hollywoodianas. Muitos desafios serão colocados para o escritor neste ínterim, como o massacre de sua reputação na imprensa com reflexos na sociedade, a prisão por não colaborar com o Congresso, a tarefa de ter de trabalhar sem poder assinar roteiros e o impacto de tudo isso em sua família.

Apesar de haver um discurso ao final em que o protagonista diz que no período de perseguição aos comunistas não houveram nem heróis e nem vilões, apenas vítimas, o roteiro do filme não trata exatamente assim a situação. Trumbo é mostrado com um certo heroísmo, enquanto os que o perseguiram, como o presidente do aliança dos atores, o renomado John Wayne, são os vilões.

Interessante notar que no Brasil os comunistas tiveram tratamento ainda pior, pois aqui não havia só manchas na reputação, mas mortes dos membros do partido pela ditadura militar. As piores foram de cidadãos influentes que somente tinham ligações políticas com o movimento sem nunca terem cometido qualquer crime, como do jornalista Vladimir Herzog e do ex-deputado Rubens Paiva, que até hoje não foram bem explicadas.

O elenco é muito bom. Bryan Cranston nunca deixará de ser Walter White para os fãs de Breaking Bad, mas neste filme ele mostra que é ator de mais de um papel, sendo merecida sua indicação ao Oscar. Diane Lane interpreta sua esposa de forma carinhosa e corajosa e a sempre competente Helen Mirren é a influente jornalista de fofocas engajada na luta anticomunista disposta a acabar com Trumbo.

O diretor Jay Roach fez seu nome nas séries de comédias Austin Powers e Entrando numa Fria. Aqui faz um drama razoável, mas sem grande destaque na condução, especialmente pelo roteiro previsível.

Trumbo é uma cinebiografia bem quadrada. No entanto, os bons diálogos e o bom elenco, capitaneado por Cranston, fazem com que uma trama previsível seja bem contada.

Nota: 6

4 de fevereiro de 2016

Creed

De Volta ao Ringue

Dir: Ryan Coogler, EUA, 2015, 2h13min
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Já fiz muitas críticas à indústria de continuações, remakes, reboots e spin-offs que se tornou Hollywood. Esse era mais um filme que quando soube que estava em produção eu disse "De novo?". Mas as boas críticas, o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante para Sylvester Stallone e um par de ingressos grátis que ganhei em promoção (e de graça é muito mais barato!) me fizeram ir ver o longa. Na corrida do Oscar o filme concorre somente a melhor coadjuvante, sendo Sly o favorito ao prêmio, mas poderia ter sido indicado também a melhor ator principal e melhor diretor.

O filme nos apresenta Adonis "Donnie" Johnson, filho bastardo do ex-campeão Apollo Creed, nascido após a morte do pai e que ficou órfão de mãe ainda criança, tendo uma dura infância passada entre famílias adotivas e reformatórios. Na primeira cena a viúva de Apollo encontra-o adolescente e o adota. Passados alguns anos, Donnie, por conta de sua privilegiada criação, tornou-se um jovem bem educado e com um bom emprego, mas ainda sente uma necessidade inata em boxear, o que faz em bares de Tijuana. Em busca de seu sonho de lutar ele deixa para trás sua vida de privilégios na ensolarada Los Angeles e parte para a cinzenta Filadélfia, onde irá buscar a ajuda do antigo rival e melhor amigo de seu pai, Rocky Balboa.

Há um interessante paralelo geracional entre as trajetórias de Rocky e Donnie. Ambos querem vencer, mas Rocky sempre teve uma vida dura e lutou pela sobrevivência. Donnie, apesar da infância conturbada, estava com a vida ganha. Isto reflete um pouco de sua geração, crescida em um período de prosperidade que busca a autorrealização. Não vou me alongar no tema porque quem estabeleceu o paralelo foi uma amigo que escreveu um ótimo texto sobre isso (clique aqui para ler).

Como em todos os filmes da série Rocky, a estória envolve superação. No entanto, se em alguns filmes da série as dificuldades caíram para o melodrama e a pieguice, neste o roteiro e a direção deixam as emoções mais contidas. Também há as conhecidas lições de vida do simplório Rocky, mas dessa vez os discursos não são monólogos grandiloquentes, são conselhos dados ao pé do ouvido.

Grande destaque tem de ser dado à competente e criativa direção do jovem Ryan Coogler, ainda em seu segundo filme. Há ótimos planos sequências e a câmera sempre acompanha Donnie de perto, inclusive nas lutas. Os socos nunca pareceram tão doloridos na série. Seu bom trabalho lhe rendeu a escalação para a direção de um blockbuster da Marvel, Pantera Negra.

Os atores vão bem. Michael B. Jordan (Donnie) pode ter um futuro promissor pela frente. E Stallone, mostrando um Rocky cansado e solitário, em fim de carreira, consegue uma atuação dramática digna,  o que só havia feito nos filme de estréia das séries Rocky e Rambo. Não acho merecedora da indicação ao Oscar e menos ainda do Globo de Ouro onde bateu Idris Elba, que está fantástico em Beasts of No Nation e foi o maior esnobado do Oscar 2016. Stallone apresenta o melhor trabalho de sua carreira, mas, apesar do favoritismo pro Oscar, apoia-se mais no seu carisma e por ser bem quisto entre os colegas do que por seu talento.

O filme obviamente tem seus clichês que se repetem ao longo da série, como as montagens de treinamento, as lições de vida tendendo pra autoajuda e as lutas de boxe irreais, nas quais os lutadores acertam quase todos os golpes, apanham muito mais do que o normal, levantam no último segundo e ainda chegam firmes para o último round. Mas isso tem de ser relativizado, pois é um filme com uma tendência para contos de fada.

Creed é um bom spin-off da série Rocky, muito melhor que qualquer uma de suas muitas (e sofríveis) continuações e deve, como é regra pro que faz sucesso atualmente, gerar sequências.

Nota: 7

2 de fevereiro de 2016

Mad Max: Estrada da Fúria

Adrenalina Pura

Mad Max: Fury Road, Dir: George Miller, Austrália/EUA, 2015, 2h00min
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Mad Max: Estrada da Fúria é o filme-pipoca da premiação do Oscar 2016. É o segundo filme com mais indicações, com 10, perdendo somente para as 12 de O Regresso. A maioria dessas são prêmios técnicos, como fotografia, efeitos visuais e categorias de som, mas também está indicado a melhor filme e direção.

O filme é uma retomada da cultuada série anteriormente estrelada por Mel Gibson. Não fica claro se este filme funciona é um reboot incompleto que desprezou as duas continuações do filme ou se é uma continuação dessas. Aqui temos o mesmo cenário pós-apocalíptico visto nos filmes 2 e 3, mas o evento principal do primeiro filme, o assassinato da esposa e do filho do protagonista, seguem presentes. 

De início é interessante notar que o filme abriu mão de usar o recurso dos créditos iniciais contando o que ocorreu antes ou de um narrador explicando. Há uma edição interessante com relatos jornalísticos dos fatos que levaram à crise que gerou o mundo apresentado na tela e o protagonista contando sua angústia e seu objetivo: a sobrevivência. 

Nos filmes anteriores, baseado no espírito da época de anos 70 e 80, o grande produto de valor no mundo era o petróleo. Neste o petróleo ainda se faz presente e importante, mas, numa atualização com ares ecológicos, o vilão principal tem o controle da água. A propósito, sua figura é bem interessante, pois ele é um líder onipresente, sendo tanto comandante militar, dono dos recursos materiais e líder espiritual, com ele mesmo assumindo o papel de divindade.

O filme inteiro envolve basicamente uma longa perseguição automobilística. Max é capturado pela gangue do vilão na primeira cena e depois é envolvido em uma busca por uma das capitãs do vilão Imortan Joe, a traidora Imperatriz Furiosa.

O roteiro do filme é bem básico, com poucas falas, mas bem colocadas. E há um interessante contraponto em crenças entre Max e a Imperatriz Furiosa. Enquanto ele é o cético que busca somente sobreviver, ela é guiada por uma forte esperança e busca redenção. E há também um dos capangas de Imortan Joe que se junta ao grupo totalmente crente em seu chefe, e muda ao longo do tempo.

A parte técnica do filme é espetacular, sendo merecedora de todos os prêmios a que concorre. A fotografia saturada com predomínio de laranja combina bastante com o cenário desértico. Os efeitos visuais combinam perfeitamente efeitos práticos com computação gráfica, gerando as perseguições de carro que são provavelmente as mais bem realizadas e mais espetaculares da história da sétima arte, sem parecerem exageros irreais como é típico na série Velozes e Furiosos. O som é um espetáculo à parte, com destaque para a mixagem de som que combina a trilha sonora com a ação dos músicos do carro de som que se junta à perseguição. Os oscars de edição de som e de mixagem de som serão uma barbada.

Como esperado, as atuações são mais físicas do que dramáticas. Não acho Tom Hardy um ator de grande qualidade, e ainda não assisti a O Regresso pra saber se sua indicação a coadjuvante é merecida, mas ele cumpre o papel sem atrapalhar o filme. Charlize Theron, com sua personagem que divide o protagonismo com Max, se destaca no elenco, e poderia ter recebido indicação ao prêmio.

Mad Max: Estrada da Fúria é um espetáculo sonoro e visual, com um roteiro que pode ser interessante até para quem não é fã de filmes de ação (como este pitaqueiro). Mas é um filme de muita ação e poucas palavras, portanto, não é para todos os públicos. As indicações nas categorias técnicas são merecidas e certamente ganhará alguns prêmios, sendo possivelmente o filme que saia com o maior número de estatuetas da cerimônia. Dificilmente leva os dois prêmios top, filme e direção, mas também não será uma surpresa tão grande se levá-los.
  
Nota: 7

29 de janeiro de 2016

Sicario

Tiros na Fronteira

Dir: Denis Villeneuve, EUA, 2015, 2h01min
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Sicario é um dos maiores injustiçados na corrida do Oscar. Foi indicado somente em 3 categorias técnicas (fotografia, edição de som e trilha sonora) nas quais é pouco provável que vença, mas poderia ser facilmente indicado em categorias importantes como roteiro, direção, atriz principal, ator coadjuvante e até melhor filme. Talvez, o fato de ser um filme muito pesado e ambíguo pesou contra. 

O filme conta a estória de uma jovem agente do FBI, líder de divisão anti-sequestros, que em uma de suas missões é confrontada com uma cena bizarra de corpos escondidos em paredes. O caso envolvia a participação de cartéis de drogas mexicanos e ela passa a integrar uma força-tarefa de agências dos EUA para reprimir o tráfico. No entanto, desde o início, não fica claro quais são os objetivos e as pessoas envolvidas na operação. O espectador acompanha a estória com os olhares da protagonista, tão perdido nesse contexto quanto ela, em meio a fronteira mexicano-americana, sobretudo na grande, pobre, suja e perigosa Ciudad Juárez. 

O clima de tensão é uma constante no filme. O diretor Denis Villeneuve consegue magistralmente deixar o espectador ao longo do filme tenso, chocado, enojado e confuso. A trilha sonora de Jóhann Jóhannsson tem um papel relevante nesta construção e foi merecida sua indicação ao Oscar. Também merece destaque a condução das cenas de ação de forma realista, sem pirotecnias. As tomadas acompanham o ponto de vista dos personagens, o que faz com que o espectador tenha uma visão  apenas parcial do cenário e das possíveis ameaças. 

As atuações são muito boas e mereciam ser lembradas nas indicações ao Oscar. Emily Blunt apresenta um trabalho muito intenso tanto fisicamente quanto emocionalmente, materializando todo o desgaste de sua personagem. Benicio Del Toro, que poderia também ter sido indicado a coadjuvante, e Josh Brolin constroem bem seus personagens enigmáticos, que contribuem para o clima de confusão do filme.

A fotografia é belíssima, especialmente nas tomadas panorâmicas do deserto da fronteira entre México e EUA. O diretor de fotografia é Roger Deakins, figurinha carimbada na categoria, mas que nunca levou o prêmio em 12 indicações anteriores (e o povo faz piada com o DiCaprio!), tendo realizado filmes como Um Sonho de Liberdade, Onde os Fracos Não Tem Vez e 007 - Operação Skyfall.

Sicario é um dos melhores filmes de 2015 e também um dos grandes injustiçados do Oscar 2016. Mas é um filme pesado e perturbador, nem um pouco agradável. Indicado para os que gostam de filmes que mostram a realidade nua e crua.

Nota: 8

28 de janeiro de 2016

Os Oito Odiados

Tudo Sangue Ruim

The Hateful Eight, Dir: Quentin Tarantino, EUA, 2015, 2h47min
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Na sequência de Django Livre Quentin Tarantino permanece no período do faroeste em seu novo filme, Os Oito Odiados. Como alerta ao espectador desavisado, este é um filme de Tarantino, então pode se preparar pra muita violência e sangue jorrando pela tela. Como em uma ilustração que está circulando (clique pra ver a imagem), a anatomia humana, na visão tarantinesca, é constituído só por pele e sangue.

Na corrida do Oscar o filme está na disputa pelas categorias de fotografia, trilha sonora e atriz coadjuvante. Poderia ter sido indicado a ator principal, diretor e até mesmo a filme, já que obras menores receberam tal indicação. A única categoria com grandes chances é trilha sonora, do mestre Ennio Morricone que acumula outras 5 indicações sem nunca ter levado o prêmio, ganhou apenas um prêmio pelo conjunto da obra.

O filme, como entrega o título, possui 8 personagens desprezíveis. Ninguém é herói. Todos são pessoas ruins que não irão atrair a simpatia do público. Os oito personagens reúnem-se em um armazém para escapar de uma nevasca. A estória começa mostrando uma diligência em que o caçador de recompensas John Ruth está levando sua prisioneira Daisy para condenação. No caminho encontra o Major Marquis Warren e depois o xerife Chris Mannix e lhes dá carona. Quando chegam na hospedaria, quatro outros dos odiados estão no lugar também se abrigando. 

Quem são todos estes personagens é o que será revelado na primeira parte do filme, sendo que há mentiras em meio a isso. Este ato se desenvolve de maneira lenta e sutil, até mesmo estranho para os padrões de Tarantino, lembrando Era Uma Vez no Oeste, obra de um dos caras que mais o inspirou, o diretor italiano mestre dos western spaghetti Sergio LeoneNa segunda parte o filme muda completamente o tom começa a se revelar uma obra tarantinesca. O sangue começa a aparecer pra valer com os muitos acertos de contas entre os personagens.

O roteiro de Tarantino, com é habitual, tem bons diálogos, muitas vezes discutindo coisas banais. O humor permeia toda a obra, com personagens repetindo o que o outro disse de forma estúpida. Talvez seja o filme mais cômico de Tarantino. Também não faltam outras marcas autorais do diretor, como a quebra da linha cronológica, muito marcante em Pulp Fiction, bem como a distribuição do filme em capítulos, característica de Kill Bill.

No elenco do filme Tarantino usou vários atores presentes em outras de suas produções, o maior destaque é seu ator favorito, Samuel L. Jackson (que merecia a indicação ao Oscar mais do que Matt Damon), mas entram na lista também Kurt Russel, Tim Roth e Michael Madsen. No elenco também está Jennifer Jason Leigh, agraciada com a indicação ao Oscar de coadjuvante, que passa o filme apanhando, mas que também não consegue fazer o público sentir pena, pois ela também é uma odiada.

Alguns tem apontado que o fato da mulher apanhar constantemente no filme é machismo. Isso pode ser falta de interpretação em um contexto geral. Nos filmes de Tarantino negros são sempre chamados de "niggers" (crioulos), palavra que mal pode ser pronunciada na atualidade nos EUA, bem como sempre há muita violência. O que não significa que o diretor seja racista, defensor da brutalidade ou misógino, ele apenas trata desses temas de forma jocosa, afinal, como foras da lei do oeste selvagem poderiam não ser brutos, machões e racistas?

Tarantino promoveu uma grande ação de marketing em cima de seu resgate das "gloriosas" lentes Ultra Panavision 70mm (clique para ver o vídeo). O que elas fazem é ampliar a panorâmica da cena, tornando-a mais alargada. Para comparação, um filme normalmente tem proporção de  1,85 de largura por 1 de altura (1,85:1) quase o mesmo que as TVs atuais. Alguns filmes modernos utilizam 2,35:1 (clique aqui para ver o verbete na Wikipedia). Os Oito Odiados tem proporção 2,76:1, permitindo panorâmicas bem amplas e inserção de mais personagens em uma tomada. A redescoberta das câmeras e lentes, utilizadas em superproduções épicas como Ben-Hur e Lawrence da Arábia, e que há 50 anos não saíam do armário foi muito interessante, mas neste filme não mostraram toda sua capacidade. Ainda assim é um grande contribuição à técnica cinematográfica, e já há uma fila de diretores ansiosos para usá-las.

Os Oito Odiados, alardeado o "oitavo filme de Quentin Tarantino", fica na metade inferior de sua obra. Ainda assim, é um bom filme, que certamente agradará seus muitos fãs. Mesmo não sendo um primor, poderia concorrer ao Oscar em mais categorias, por ser superior a outras produções indicadas.

Nota: 7

26 de janeiro de 2016

A Grande Aposta

Roleta Russa Financeira

The Big Short, Dir: Adam McKay, EUA, 2015, 2h10min
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A Grande Aposta está na disputa do Oscar em 5 categorias: melhor filme, diretor, ator coadjuvante, roteiro adaptado e edição. Não é favorito, mas pode levar melhor filme, especialmente após ter ficado com o prêmio da PGA (o "sindicato" dos produtores), e tem boas chances com roteiro e edição.

O filme conta três estórias paralelas de sujeitos excêntricos que previram o grande colapso financeiro e econômico que se iniciou nos Estados Unidos em 2008, causado pela negociação de títulos baseados em créditos podres. O tema é um pouco árido para se tratar com leigos, especialmente pelo grande número de operações financeiras e termos técnicos. Sabendo disso, o filme, que quebra a "quarta parede" e faz os atores dialogarem com o público, interrompe a narrativa em 3 momentos e traz celebridades para explicar os conceitos de forma simples e bem humorada, no melhor estilo da série de livros Para Leigos (For Dummies).

Não que as explicações torne os espectadores profundos conhecedores de mercado de ações. Mas permite que o público entenda que as operações que levaram ao colapso global tinham como base títulos podres baseados em dívidas de alto risco e impagáveis, com créditos concedidos a pessoas que não tinham a menor possibilidade de honrá-las no longo prazo. Parece assim, que o sistema todo brincava de roleta russa financeira. E os grandes agentes do sistema, leia-se bancos, corretoras, agências de risco, imprensa e até mesmo o governo sabiam disso, mas ignoravam o risco na esperança que a fase de crescimento econômico nunca terminasse. O que confere um tom profundamente crítico do filme ao sistema capitalista.

O filme é um drama com generosas pitadas de humor negro. Parece até uma versão higienizada do ótimo O Lobo de Wall Street (clique aqui para ler o pitaco), sem drogas, orgias e mau-caratismo. E isso não é demérito, pois se naquele esses excessos eram o elemento central, aqui há uma maior preocupação política e social. Exemplo disso é o fato dos personagens que lucraram com a crise não saírem festejando, mas sentirem-se até mesmo envergonhados, pois sabem que seu sucesso financeiro se deu conjuntamente com um aumento espetacular de desemprego e de pessoas perdendo seus lares por dívidas.

Tal qual seu concorrente no Oscar Spotlight (clique aqui para ler o pitaco), A Grande Aposta reúne um bom elenco em que nenhum personagem assume o protagonismo. A direção de atores é eficiente, mas fica abaixo do citado concorrente. Christian Bale e Steve Carell se destacam, e ambos poderiam ter recebido indicações a melhor coadjuvante, o que ficou com o primeiro. Não deve ser contemplado em razão dos fortes concorrentes e por já ter levado o mesmo prêmio em 2011 com O Vencedor.

O ponto de maior destaque do filme é sua edição extremamente ágil, parecendo videoclipe. Esta também exerce função narrativa, pontuando a cronologia com fotos de momentos importantes da história dos EUA. A fotografia trabalha em conjunto com a edição, com mudanças rápidas de enquadramento, foques e desfoques ágeis, dando um tom documental à obra. E o roteiro assinado pelo diretor Adam McKay e por Charles Randolph, que está indicado ao Oscar na categoria adaptado, também garante o ritmo acelerado, com diálogos ágeis e personagens rapidamente apresentados, sem que sejam superficiais.

Um pouco exagerada foi a indicação de McKay na categoria de direção, pois havia concorrentes que apresentaram trabalho melhores, especialmente Ridley Scott e seu Perdido em Marte (clique aqui para ler o pitaco) e Alex Garland e seu minimalista e subestimado Ex-Machina (clique aqui para ler o pitaco). De qualquer forma, dificilmente será premiado.

A Grande Aposta é uma obra interessante, especialmente em razão de um grande estúdio, a Warner, trazer um tema que ataca fortemente o capitalismo. Corre por fora, mas pode surpreender na premiação de melhor filme. 

Nota: 8

21 de janeiro de 2016

Divertida Mente

Coisas da Cabeça

Inside Out, Dir:  Pete Docter/Ronnie Del Carmen, EUA, 2015, 1h35min
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Divertida Mente é a mais forte animação na corrida do Oscar. Também está indicada a melhor roteiro original com chances reais de premiação.

O filme conta a estória de personagens que representam os sentimentos de uma adolescente, Riley. Pensei que a estória fosse ultra-original mas descobri, através do canal do YouTube Meus 2 Centavos, que esse tema já foi trabalhado em outras obras, como o filme Osmosis Jones e a velha série de TV Herman´s Head. Mas, como poucos devem conhecê-los, aparenta originalidade.

Os sentimentos controladores são Alegria, Tristeza, Nojinho, Medo e Raiva. Engenhosamente, todas as pessoas do filme são controlados por outras versões desses mesmos sentimentos. E, apesar de parecer difícil entender o conceito, a Pixar, como é comum em seus filmes, o explica de maneira simples, ao mesmo tempo em que conta uma emocionante estória mesmo antes dos créditos iniciais do filme. Lembram do começo de Up, que dizem que construiu em minutos uma estória de amor melhor do que a de toda a série Crepúsculo? (clique aqui para rever).

Tudo estava normal na vida de Riley, seja com sua família, seus amigos e seu time de hockey em Minessotta. Então seu pai decide que todos devem se mudar para São Francisco, e os problemas surgem de forma repentina. A garota terá de reorganizar tudo em sua vida, ainda mais estando com 11 anos às beiras da entrada da adolescência. Aí todas as suas ilhas de pensamento, que dão sentido à sua vida, tem de ser reorganizadas. Durante o processo Alegria e Tristeza são acidentalmente jogadas para fora da sala de controle, tendo que achar seu caminho de volta em meio a todo o emaranhado de lembranças da menina.

O filme tem seus momentos em que parece um pouco arrastado na jornada de Alegria e Tristeza, com excesso de desafios de ambas para voltar para a sala de controle. Também há um excesso de protagonismo do amigo imaginário, Bing Bong, apesar de ser esse um personagem interessante. Mas isso não atrapalha o filme, que tem um ótimo roteiro, com chances reais de premiação, recheado de boas ideias em explicar a mente humana, como a de dizer que fatos e opiniões são muito parecidos. Em tempos de redes sociais em que as pessoas pouco se importam se uma notícia é verdade ou se somente lhes parece verdade, nada mais real.

Como é padrão nas obras da Pixar, a animação é muito bem feita. No entanto, acho que a qualidade estética de Minions (clique aqui para ler o pitaco) foi superior, indicando que a Disney pode estar ficando um pouco para trás na corrida das animações.

Divertida Mente é um bom filme, com destaque para seu roteiro cheio de boas ideias inovadoras e ousadas, em um tempo em que Hollywood tem sido mais continuísta do que nunca. Por conta de seus méritos e do prestígio de sua produtora, é favorito ao Oscar de melhor animação.

Nota: 8

19 de janeiro de 2016

Spotlight

Horror Oculto

Dir: Tom McCarthy, EUA, 2015, 2h08min
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Spotlight é um dos mais fortes concorrentes ao Oscar de melhor filme, tendo vencido em um dos "termômetros" da premiação, o Critics´ Choice, além de diversos prêmios menores. Também está indicado nas categorias de direção, roteiro original, ator coadjuvante, atriz coadjuvante e edição.

O filme trata da investigação jornalística do jornal The Boston Globe, através de sua equipe de investigações aprofundadas, a Spotlight, de uma série de casos de abusos infantis por padres que revelou ao mundo ser essa não apenas uma prática localizada mas um escândalo global acobertado pelo alto clero.

O ponto alto da estória é não transformar um caso tão sério em uma estória de vilões e de heróis. O filme mostra que o maior problema não era o de haver alguns padres degenerados que abusavam de crianças, mas o fato da igreja católica acobertar seus atos, sempre abafando os casos por meio de transferências para outras paróquias ou por licenças-saúde. E tudo isso em meio a cumplicidade da sociedade bostoniana, que preferia olhar para o outro lado quando sabia que havia algo de podre no ar.

O roteiro de Josh Singer e do também diretor Tom McCarthy é um dos destaques do filme. Um tema, por mais interessante que possa ser, pode ser mal trabalhado. No caso do filme, o tema poderia facilmente ter gerado um dramalhão sobre o sofrimentos das vítimas. Mas não é o que ocorre. O sofrimento é mostrado de maneira crua, sem necessidade de recursos narrativos como câmeras lentas ou músicas dramáticas. Os dramas pessoais são apresentados sem pudor, com descrições claras de como os padres se aproveitavam das crianças mais vulneráveis, normalmente provenientes de lares problemáticos. Mas o filme nunca perde o foco da questão institucional. 

O diferencial do trabalho da Spotlight foi ter descoberto todos os padres suspeitos de crimes sexuais, o que fizeram através da minuciosa leitura dos extensos catálogos de movimentação do clero, onde constavam todos os dados de transferências e licenças dos religiosos, como dito, expedientes utilizados pela igreja para abafar os casos. Esse grande trabalho de formiguinha é bem mostrado no filme, de maneira enxuta.

O filme, como é normal em filmes que envolvem jornalistas (nessa linha temos o clássico Todos os Homens do Presidente), conta com as tradicionais cenas com pessoas conversando enquanto andam apressadas pelas redações de jornais, e com muitos diálogos falados de maneira rápida. Também é interessante que o filme trata de maneira tangencial no tema da sobrevivência dos jornais em um mundo que caminhava para a mídia digital no começo dos anos 2000, assim como que a pauta jornalística pode ser fortemente afetada por um fato bombástico, como o 11 de Setembro, que ocorre durante as investigações e as suspende por um tempo. 

Importante destacar que o filme não vai para o lado simplista de dizer que o problema é a existência da religião, como muitos têm feito quando atribuem a culpa pelo terrorismo fanático de grupos como o Estado Islâmico à existência do Islã (Não é, Donald Trump?). O filme é sério e deixa localizado o problema entre seus responsáveis, sem deixar de apontar a mencionada covardia da sociedade que suspeitava do problema mas fingia ignorar, algo semelhante ao que fez a sociedade alemã da época do nazismo em relação à questão judaica.  

Outro destaque são as excelentes atuações. Não há exatamente um protagonista, mas Michael Keaton e Mark Ruffalo têm um pouco mais de destaque que os demais personagens. Ambos estão excelentes e qualquer deles merecia a indicação ao Oscar, que ficou para Ruffalo, que faz um jornalista determinado mas bastante impulsivo e atrapalhado, servindo até mesmo para um bem colocado alívio cômico. Se o prêmio dependesse somente do mérito, ele seria fortíssimo candidato à vitória. Rachel McAdams também foi indicada e faz um bom trabalho, mas seu papel tem importância um pouco menor na trama, sendo a personagem que mais se envolve, ainda que de forma muito contida, com as dores das vítimas e dos católicos que tentavam ignorar a verdade. Mesmo os personagens pequenos se destacam, sobretudo os atores desconhecidos que interpretaram as vítimas.

Somente por conta da direção de atores Tom McCarthy já faz jus à sua indicação ao Oscar. Mas, além disso, todos os outros elementos do filme estão bem colocados, como a fotografia e a edição, sem que esses roubem o espaço do ótimo roteiro.

Spotlight é um ótimo filme, que prende a atenção do espectador e o leva junto com a equipe na descoberta da verdade ao longo de suas 2 horas de projeção. Todas as peças funcionam bem, sobretudo as mais importantes, roteiro, atuações e direção, merecendo suas indicações ao Oscar.

Nota: 9