28 de fevereiro de 2014

Oscar 2014

And the Oscar goes to...

Todos os indicados no IMDB: http://www.imdb.com/oscars/nominations/


Após a análise de cada um dos filmes indicados (caso queira ver algum, procure na barra ao lado direito), vamos as apostas de com quem ficarão os prêmios. 

Em todas as categorias analisadas irei indicar quem acho que será premiado, para quem eu votaria se fosse membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e uma breve análise.

Faltou a análise de algumas categorias, mas as principais estão abaixo:


Melhor filme

Vencedor: 12 Anos de Escravidão
Meu voto: Ela

Um filme sobre o passado, outro sobre o futuro, que nos dizem muito sobre nosso presente. Acho que Ela nos fala muito sobre nosso cotidiano, além de permitir mais análises sobre seus aspectos, como a contraposição dos relacionamentos reais e virtuais. Gravidade e Trapaça também são fortes e dignos concorrentes.


Melhor diretor

Vencedor: Steve McQueen (12 Anos de Escravidão)
Meu voto: Alfonso Cuarón (Gravidade)

McQueen deve ser contemplado em conjunto com seu filme, e, especialmente, em razão da questão política, por ser negro, e a Academia (composta quase que somente por pessoas brancas) poder buscar sinalizar que é aberta e que não discrimina ninguém por critérios étnicos. Mas votaria em Cuarón por ele ter abalado a forma de se fazer cinema com Gravidade.


Melhor ator

Vencedor: Matthew McConaughey (Clube de Compras Dallas)
Meu voto: Leonardo DiCaprio (O Lobo de Wall Street)


Categoria em que todos desempenharam bem seus papéis e na qual o que considero o menos bom (pois seria maldade dizer pior) é o favorito, McConaughey. Leonardo DiCaprio é um monstro e merece o prêmio por ser o grande destaque de O Lobo. 


Melhor atriz

Vencedor: Cate Blanchett (Blue Jasmine)
Meu voto: Cate Blanchett


Indiscutível. Atuação sublime em Blue Jasmine. Apesar do mérito das demais, não há dúvida que Blanchett levará mais uma estatueta, depois da de coadjuvante em 2005 por O Aviador.


Melhor ator coadjuvante

Vencedor: Jared Leto (Clube de Compras Dallas)
Meu voto: Michael Fassbender (12 Anos de Escravidão)

Como a academia gosta de transformações físicas, Leto vai levar. Mas Michael Fassbender também merece. Barkhad Abdi (Capitão Philips) foi uma excelente revelação. Jonah Hill (O Lobo de Wall Street) e Bradley Cooper (Trapaça) nem deveriam disputar. Muito melhor seria terem incluído Daniel Bruhl, ótimo como Nick Lauda em Rush, ou Will Forte, o filho do velho em Nebraska.


Melhor atriz coadjuvante

Vencedor: Lupita Nyong´o (12 Anos de Escravidão)
Meu voto: 
Lupita Nyong´o

Aqui tudo indica que a disputa será entre Jennifer Lawrence (Trapaça), que está na fase de queridinha de Hollywood e que fez seu papel ser aumentado no filme para caber seu talento e a estreante em longas Lupita Nyong´o, que teve de encarar cenas pesadas. Scarlett Johansson merecia estar nesta lista pela voz do sistema operacional em Ela.  


Melhor roteiro original

Vencedor: Ela
Meu voto: Ela


Ela traz uma estória original e atual e deve levar. Trapaça tem um divertido roteiro de picaretagens e tem chances. Também são boas estórias Blue Jasmine, que trata de ilusão e queda, e Nebraska, com  a esperança vã de achar o pote de ouro ao fim do arco-íris. Clube de Compras Dallas está atrás dos concorrentes.


Melhor roteiro adaptado

Vencedor: 12 Anos de Escravidão
Meu voto: 
12 Anos de Escravidão

12 Anos está muito acima dos demais e dificilmente não ganha. Gosto muito dos ótimos diálogos de toda a trilogia de Antes da Meia Noite, mas é mais do mesmo, e não deve chances. O Lobo de Wall Street é melhor na direção do que no roteiro, além de ser muito longo. Capitão Philips e Philomena nem deveriam ter sido indicados.


Melhor filme estrangeiro

Vencedor: A Caça
Meu voto: só vi esse, então não vale


A Caça é um ótimo filme, tratando de um tema do momento, a pedofilia (ou, mais precisamente, a injustiça de se acusar alguém por este crime) e tem um grande ator conhecido do grande público (Mads Mikkelsen), sendo forte candidato. A Grande Beleza também tem sido muito elogiado. Acho que a disputa ficará entre eles.

Melhor fotografia

Vencedor: Gravidade
Meu voto: Nebraska

Somente vi esses dois, e como estão indicados a melhor filme a disputa deve ficar entre eles. Ambos são ótimos, Gravidade se destaca pela dificuldade em recriar o ambiente espacial, mas gostei mais do preto e branco de Nebraska.


Melhor figurino

Vencedor: Trapaça
Meu voto: Trapaça


As roupas dos anos 70, com seus decotes, golas largas e cores fortes são sensacionais. O Grande Gatsby também se destaca no quesito com o visual anos 20.


Melhor maquiagem

Vencedor: Clube de Compras Dallas
Meu voto: 
Clube de Compras Dallas

Sem disputa. A maquiagem ajudou a transformar dois galãs sarados em magricelas doentes. Os outros indicados, Jackass e O Cavaleiro Solitário não devem ter a menor chance. 


Melhores efeitos visuais

Vencedor: Gravidade
Meu voto: Gravidade



Se não ganhar, fechem a Academia! Seria o mesmo que não dar o prêmio para Jurassic Park em 1994.


Melhor direção de arte

Vencedor: Trapaça
Meu voto: O Grande Gatsby


Categoria disputada. Considero os dois mencionados os melhores, preferindo O Grande Gatsby pelo deslumbre dos cenários e das festas. Mas 12 Anos e Gravidade também não serão surpresa se vencerem. Ela, com seu futurismo com cara de presente, fica atrás na disputa.




E aí, concordam?

Deixem seus pitacos e deem seus palpites.

27 de fevereiro de 2014

Nebraska

O pote de ouro no final do arco-íris

Idem, Dir: Alexander Paine, EUA, 2013, 115 min
IMDB: clique aqui



Último dos indicados ao Oscar 2014 a ser analisado neste espaço, Nebraska trata da estória que pode até soar bobinha, a de um velho que recebe uma carta de uma editora de revistas dizendo que ganhou 1 milhão de dólares. Desde o princípio, é nítido que isso é só uma brincadeira de peça publicitária. No entanto, Woody (Bruce Dern), acredita que tal dinheiro está à sua espera no escritório da empresa no Estado de Nebraska, fazendo com que ele tenha como missão sair de sua casa em Montana e ir resgatar seu prêmio a centenas de quilômetros, nem que precise ir a pé.

Como dito, a estória parece bobinha porque é muito claro, no caso, que o prêmio não existe. Mas, pergunto, quantos de nós não gastamos muito tempo indo atrás de seu pote de ouro no final do arco-íris? Sonhamos que se conseguirmos determinado emprego, se ganharmos certa quantia de dinheiro ou se nos relacionarmos com as pessoas que desejamos nossas vidas mudarão para sempre, e todos os nosso problemas irão se acabar.

Woody é mais um dos que acreditam nisso. Desde o começo ele revela que quer ganhar um milhão para comprar uma caminhonete, que sempre sonhou ter, e um compressor de ar, que diz ter sido roubado por seu ex-sócio. Ou seja, já em seus últimos dias, o protagonista quer compensar suas frustrações do passado, algo que ocorre com a maioria de nós. Lembrei-me de Cidadão Kane, no qual o protagonista após ter conquistado quase tudo na vida, morre com saudades de seu brinquedo de infância.

Nesta jornada, um de seus filhos, David (Will Forte) decide acompanhá-lo para tentar fazer com que ele desista de sua obstinação com o prêmio. No caminho, que passa pelos estados menos importantes e mais rurais dos EUA, que incluem Montana, Wyoming, Dakota do Sul e Nebraka, Woody irá passar pela sua cidade natal, onde terá algumas contas a ajustar com seu passado.

O diretor Alexander Paine tem um excelente currículo que inclui As Confissões de Schimidt (em que conseguiu uma das melhores atuações da carreira de Jack Nicholson) e, Sideways: Entre umas e Outras, filme que eu adoro, sendo indicado ao Oscar de diretor por este e também pelo mais recente Os Descendentes, indicação que vem novamente com Nebraska.

Bruce Dern e June Squibb (como Kate, a esposa de Woody) também estão indicados aos prêmios por suas atuações. Ambos conduzem bem seus papéis, ele como o velho quase gagá, alcoólatra, rude e que pouco fala (ou pouco quer falar) e ela como a velha desbocada e moralista que fala mal de todo mundo, incluindo seu marido e seus filhos. Dois personagens comuns na classe média baixa dos EUA.

A fotografia deste filme em preto e branco é belíssima, com o diretor explorando bem os contrastes, criando muitos cenas com claridade e escuridão. Aliás, não me recordo de ver um filme recente que utilizasse a técnica do preto e branco para contar uma estória atual, pois filmes como O Artista, A Lista de Schindler e O Homem que Não Estava Lá contam estórias do passado. Não acho que a escolha pelo monocromático se deva somente para o diretor se gabar de fazer bons filmes de qualquer forma, pois a falta de cores combina com a falta de emoção na vida simplória de Woody na das pessoas ao seu redor. Também serve para nos lembrar que, com o tempo, tudo vai ficando mais opaco.

Nebraska é um belo filme, bem lento e sem grandes emoções, que nos faz refletir sobre nossas buscas inglórias e nossa necessidade de procurar sentido em tudo.

Nota: 8

25 de fevereiro de 2014

Philomena

Uma velhinha do barulho

IMDB: clique aqui
Idem, Dir: Stephen Frears, EUA/Reino Unido/França, 2013, 98 min


Philomena é um destes filmes que receberam uma indicação ao Oscar em razão de terem ampliado a lista para mais de 5 filmes nos últimos anos. Há pouco tempo com certeza teria ficado de fora, razão pela qual quase ninguém acredita que possa faturar a estatueta.

O filme não chega a ser ruim. Mas também não chega a ser bom. É razoável. Seu mérito está no próprio enredo, baseado em fatos reais, e na atuação de Judi Dench (a M dos filmes do 007) como a personagem título, uma velhinha que fala pelos cotovelos de vários assuntos desinteressantes que assiste na TV ou lê em romances de 2ª categoria.

Além dessas futilidades, Philomena manteve em segredo por 50 anos o fato de que, quando jovem, teve um filho que lhe foi tomado pelas freiras do convento em que foi morar por ter sido desonrada, ou seja, por ser mãe solteira na Irlanda dos anos 1950. Um jornalista político em baixa (Steeve Coogan) aceita ajudá-la a buscar seu filho em troca da exclusividade na publicação da reportagem deste drama familiar, o que revela-se bem mais do que isso no decorrer do longa.

A trajetória é bem quadrada, faltando clímax. No fim, fica a revolta pelo grau de crueldade que uma instituição religiosa pode ter com uma pessoa que apresente comportamento "inadequado".

Nota: 6

24 de fevereiro de 2014

12 Anos de Escravidão

Lelê Lelê

12 Years a Slave, Dir: Steve McQueen, EUA/Reino Unido, 2013, 134 min
IMDB: clique aqui



Mais forte concorrente ao Oscar de melhor filme, 12 Anos de Escravidão é baseado na história real contada nos diários de Solomon Nothup, um homem livre do Norte dos EUA que é capturado e vendido como escravo para as plantações do sul daquele país.

Ao contrário do Holocausto judeu, a Escravidão moderna foi poucas vezes abordada no cinema. Provavelmente isto se deve ao fato de suas consequências serem marcantes até hoje em qualquer país que tenha um passado escravocrata e, mais ainda, nos Estados Unidos, onde até pouco mais de 50 anos haviam leis de segregação que criminalizavam até mesmo casamentos interraciais. Seria difícil, neste contexto, alguém querer tocar nesta ferida aberta, especialmente se considerarmos que a indústria cinematográfica sempre foi controlada por brancos, muitos deles judeus, o que explica em parte o mencionado interesse pelo Holocausto.

Como já colocado, a história mostra como Solomon (Chiwetel Ejiofor), um violinista do Estado de Nova York, casado e pai de dois filhos, é sequestrado por dois homens que oferecem emprego temporário em um circo e o dopam em um jantar. Quando acorda, ele já se encontra acorrentado em um porão, aguardando para ser enviado para o Sul dos EUA.

Solomon é uma boa personagem na medida em que permite a nós, que nascemos todos livres, nos identificar com sua dor, pois diferente é a situação de escravidão para quem já nasceu escravo e tende a ser conformado com sua condição. Solomon não, ele sabe o valor de não ter de prestar contas a ninguém, e o quanto lhe incomoda ter de ser submisso e não poder tomar praticamente qualquer decisão.

Ao longo do filme, o diretor Steve McQueen (que pode ser o primeiro negro a vencer o Oscar como diretor) nos apresenta vários aspectos da escravidão, como a submissão, a indiferença, a justificação religiosa, a desumanização, dentre outros.

Uma boa cena que mostra como a crueldade pode ser inocente é o da "boa" sinhá, que ao receber uma escrava recém chegada chorando muito por ter se separado dos dois filhos, diz que basta a ela se concentrar em seus afazeres que logo se esquecerá deles. Em um sistema que a todos desumaniza, escravos e patrões, é de se crer que a sinhá não notasse a maldade de sua frase, e realmente achasse que estava sendo gentil com sua serva.

Diversas serão as cenas de violência física ao longo do filme. Pela repercussão, achei que fossem até mais explícitas, mas o diretor, em algumas delas, nos poupa de muitos detalhes, focando diversas vezes na expressão facial dos castigados, e outras vezes deixando a violência em um segundo plano desfocado, demonstrando a banalidade do castigo, que não causava espanto a ninguém.

Também não é deixado de lado a indiferença dos negros livres frente aos escravos, exemplificado no papel de uma ex-escrava que se casa com seu mestre e passa a se comportar como qualquer outra sinhá, exibindo indiferença frente aos cativos, pois considera este um preço baixo a se pagar para viver bem.

Chiwetel Ejiofor tem todos os méritos para ganhar a estatueta de melhor ator. Ao longo do filme notamos a transformação em sua postura física, pois quando livre, andava com altivez e tranquilidade. Logo que é capturado se mostra indignado e furioso. No começo de suas funções com escravo busca mostrar suas aptidões e sua instrução, rivalizando com os rudes agregados de seu mestre (postura pela qual irá se arrepender amargamente). E já no final já apresenta uma postura resignada, andando com os ombros contraídos e falando de forma submissa com os brancos.

Além do protagonista ainda temos excelentes atuações dos outros indicados aos Oscars de coadjuvantes, o ótimo Michael Fassbender (o Magneto de X-Men: Primeira Classe), como o segundo senhor de Solomon, e de Lupita Nyong´o, no papel da escrava eficiente e alvo da luxúria de seu patrão.  Ainda formam o elenco outros atores de renome, como Paul Dano, Paul Giamatti, Benedict Cumberbatch e Brad Pitt, sendo o heroi da história, como de costume (e, sendo ele um dos produtores do filme, não deve ter sido difícil escolher este papel).

12 Anos é um filme extremamente pesado e que leva o público às lágrimas. E como histórias de superação frente as adversidades sempre são apreciadas pela Academia de Cinema, é quase certo que leve a estatueta principal neste ano.

Nota: 9


21 de fevereiro de 2014

Clube de Compras Dallas

Pagando bem, que mal tem

Dallas Buyers Club, Dir: Jean Marc Vallée, EUA, 2013, 117 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0790636/


Candidato aos Oscars de melhor filme, melhor ator (Matthew McConaughey) e melhor ator coadjuvante (Jared Leto), Clube de Compras Dallas retorna à década de 80 e aos primórdios da descoberta da Aids. Ron Woodroof (McConaughey), eletricista por profissão e picareta por diversão, descobre ser HIV positivo e que, segundo o médico que o atende, tem somente 30 dias de vida. Como à época, a Aids ainda estava confinada a grupos de risco, como usuários de drogas injetáveis e homossexuais, o rude e homofóbico Ron reage furiosamente à notícia, como se seu diagnóstico fosse uma afirmação de que ele é gay.

Ao longo do filme, veremos que o prognóstico de 30 dias de vida estava completamente equivocado. Aliás, médicos "videntes" são um fenômeno um tanto quanto recorrente na sociedade. De qualquer forma, Ron, após se informar melhor sobre a doença e aceitar que contraiu o vírus após suas inúmeras relações sexuais desprotegidas com prostitutas e outras mulheres promíscuas, passa a buscar tratamento. À época o AZT ainda era uma droga em fase experimental, de modo que não era possível comprá-la, e seu único caminho legal seria aceitar se submeter aos testes, podendo receber a droga placebo. Como não aceita isso, Ron passa da dar seus pulos.

Trambiqueiro de longa data, o protagonista percebe que pode ganhar dinheiro vendendo o tratamento a diversos infectados, tornando-se sócio da travesti Rayon (Leto), que tem contatos na comunidade infectada. Daí o nome do filme, pois eles obtem enorme sucesso vendendo a associação ao clube de compras que oferece os medicamentos necessários para o tratamento por meio do pagamento de mensalidade. Aliás, os remédios que fornecem são outros que não o AZT, o que provoca a ira da indústria farmacêutica, ansiosa por emplacar a droga mais cara da história como a única viável ao tratamento, apesar de, ao menos em sua fase inicial, ser altamente tóxica.

Os dois atores principais, os galãs Leto e McConaughey (o nomezinho difícil de se soletrar) passaram por incrível transformação física. De homens sarados tornaram-se raquíticos para os papéis. Como essas transformações chamam a atenção da Academia, como nos mostram muitos exemplos, o maior de todos sendo o de Charlize Theron que inacreditavelmente ficou feia para Monster: Desejo Assassino (clique aqui para ver), vieram as indicações aos prêmios. Felizmente as indicações não se devem somente à mudança física, pois ambos estão bem no filme, especialmente o protagonista, que só vinha fazendo papéis bobos em comédias românticas.

Clube trata de um tema ao mesmo tempo pesado e interessante. Como mostra a luta de uma pessoa contra o sistema, tem sido comparado a Erin Brockovich. Mas a direção e roteiro são um tanto quanto quadrados, faltando algo que qualifique Clube como um grande filme.

A mensagem que o filme deixa é que mesmo um caipira machista como Ron pode perceber que o preconceito contra o diferente somente existe pela ignorância, fazendo com que possamos acreditar que o entendimento e o carinho entre as pessoas é algo viável.

Nota: 6

20 de fevereiro de 2014

Ela

Amor real?

Her, Dir: Spike Jonze, EUA, 2013, 126 min
IMDB: clique aqui


Mais um concorrente ao Oscar 2014, Ela se passa em um futuro próximo, no qual a no qual o sistema operacional dos smartphones, mais do que simplesmente obedecer comandos por voz, passa a interagir com seus usuários, conversando como se fosse uma pessoa normal, o que inclui contar piadas, ter voz ofegante, querer saber fofocas, dentre outros atributos humanos. 

O protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) é um solitário escritor de cartas pessoais que está em processo de divórcio e adquire o novo sistema operacional OS¹ (clara referência ao iOS dos iPhones). Em seu contato inicial com o sistema (na voz de Scarlett Johanson, que merecia estar concorrendo ao Oscar pela vida que injeta na personagem virtual), este pergunta seu nome e ela diz que é Samantha, pois o escolheu entre todos os milhares de nomes possíveis em milésimos de segundo, demonstrando desde logo a assimetria que existirá entre eles quanto ao tempo de aprendizado.

O filme passa a abordar então a maneira como Theodore se relaciona com Samantha, numa metáfora sobre como é que nos relacionarmos uns com os outros. 

Quando eu conto a sinopse do filme, ou seja, um cara que se apaixona pelo sistema operacional, as pessoas riem em tom de deboche e estranhamento. Mas, curiosamente, o filme transforma essa estranha relação em algo bastante concreto em poucos minutos. Afinal, o que são os nosso relacionamentos reais? Amamos o que, afinal? O corpo da pessoa ou sua personalidade? Se é uma questão de personalidade, Samantha não fica devendo nada a ninguém, dada sua capacidade de interagir, evoluir e se adaptar.

Com base nesse relacionamento, o filme vai colocar situações sobre como nos portaríamos frente a esta possibilidade de sermos amigos de nossos computadores. Na estória, em pouco tempo, torna-se muito comum e socialmente aceitável que as pessoas namorem seus sistemas operacionais. Mas persiste o problema de que a relação se dá com um ente incorpóreo, que não compartilha de nossa limitação física de somente poder estar em um local em dado momento, assim como não tem nossa única certeza, de que iremos morrer.

O tema não é fácil de ser trabalhado, poderia facilmente cair num estranhamento de apresentar o protagonista como um doido varrido ou, por outro lado, ir pro sentimentalismo de mostrar uma linda estória de amor entre Theodore e Samantha. Mas o diretor e roteirista Spike Jonze (da comédia cult e maluca Quero Ser John Malkovich) conduz sua obra de maneira magistral, mostrando, enfim, a miséria humana em sua busca por afeto.

Aproveito para traçar um paralelo entre este filme e outro sensacional sobre como se dão nossos relacionamentos em meio a revolução digital, que é Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual. Aos que gostarem de Ela, recomendo este, mais adaptado ao nosso presente e a realidade de metrópoles caóticas.

Ela se insere no renascimento do gênero da ficção científica. Digo renascimento porque a revolução digital foi mais surpreendente do que a ficção, fazendo com que poucos se aventurassem, entre 1990 e 2010, a imaginar o futuro.

Agora, que temos mais claro para onde tal revolução caminha, surgem filmes como Ela e o novo Robocop, nos quais o temor anterior de que os computadores tornariam-se inteligentes e iriam nos matar, como em 2001 - Uma Odisséia no Espaço ou O Exterminador do Futuro, cede lugar a um casamento já consolidado entre seres humanos e máquinas e aos limites éticos nessa relação quase simbiótica.

Finalizando, deixo novamente o link de uma coluna de Contardo Calligaris abordando o assunto do relacionamento com uma máquina: Amor de Máquina.

Nota: 9

18 de fevereiro de 2014

Capitão Phillips

Piratas sem glamour

Captain Phillips, Dir: Paul Greengrass, EUA, 2013, 134 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1535109/



Baseado na história real de um sequestro do cargueiro Maersk Alabama na costa da Somália em 2009, Capitão Phillips reconstrói os momentos de tensão vividos pela tripulação americana e por seu protagonista, interpretado pelo sempre competente Tom Hanks. 

A Somália, terra dos piratas retratados, mal é um país, pois somente 10% de seu território é controlado pelo governo. O restante é controlado por chefes locais. Além disso tudo, o país fica em uma rota estratégica para grande parte da navegação internacional, o chifre da África, sendo portanto, quase que uma consequência lógica que a região seja cenário de ataques de piratas, que em nada lembram um Jack Sparrow.

O filme, como dito, é uma reconstituição da tensão da abordagem pelo grupo de piratas ao cargueiro, aproximando-se bastante de um filme de ação, nesse sentido, com criminosos sempre ameaçando a vida da tripulação.

Mas seu maior mérito, reside, em não colocar os piratas como africanos pobres, sujos e malvados inimigos da América. Sim, eles não deixam de ser africanos pobres e sujos, mas não necessariamente são animais sem coração. Todo o duro contexto em que eles vivem praticamente os impulsiona em direção ao cometimento de crimes. O melhor diálogo do filme se dá entre o Capitão e o chefe dos piratas (ótima atuação do novato somaliano Barkhad Abdi), no qual Phillips argumenta que ele poderia fazer algo além de ser um pescador ou um sequestrador, ao que ele responde "Talvez na América, irlandês, talvez na América", demonstrando a falta de opções causada pela miséria.

No final o filme esbarra numa glorificação do bom serviço das forças especias dos militares americanos, que, obviamente, tiveram seus méritos no sucesso do resgate, mas fica aquela mensagem de "Não mexa com a gente".

Nota: 7

17 de fevereiro de 2014

Trapaça

Te peguei

American Hustle, Dir: David O. Russell, EUA, 2013, 138 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1800241/



Um dos campeões de indicação ao Oscar 2014, Trapaça tem a direção de David O. Russell, que em seus últimos dois trabalhos, O Vencedor e O Lado Bom da Vida, foi indicado por ambos aos prêmios de melhor diretor e de melhor filme. 

Para ampliar essa vitrine de indicações, ele trouxe a esta nova produção 4 atores que estiveram envolvidos nessas duas produções anteriores: os já "oscarizados" Christian Bale (o Batman, no look "esconde a careca") e Jennifer Lawrence (de Jogos Vorazes) além de Bradley Cooper (da série Se Beber não Case) e Amy Adams (a Lois Lane de O Homem de Aço). Com esse elenco estelar conseguiram a façanha de ter 4 atores indicados a todas as categorias, algo que já havia sido feito por Russel no ano passado, com O Lado Bom, o que não ocorria há mais de 30 anos (para ver a lista dos filmes que já conseguiram isso, clique aqui).

Mas deixando de lado essa análise curricular, vamos ao filme. Trapaça envolve um pequeno e bem sucedido golpista, Irving Rosenfeld, vivido por Bale. Apesar de seu excelente know-how, Rosenfeld é precavido e não se aventura a grandes golpes e vive enganando gente simples endividada em um cenário de crise econômica do final dos anos 70 nos EUA, prometendo empréstimos que nunca saem. Para melhorar sua "credibilidade", a ele se junta sua amante, Sidney, ou "Lady Edith" (Amy Adams), que se finge de aristocrata britânica para tornar a farsa da linha de crédito com ingleses mais factível.

Suas vidas seguiam seu curso normal de pilantragens quando são pegos pelo agente do FBI Richie di Masio (Bradley Cooper) que os convence a conseguir a liberdade se os ajudar a pegar peixes grandes, como políticos corruptos. 

Mas o destemor de di Masio só é menor que sua ingenuidade. Do alto de sua cabeleira encaracolada moldado com mini bobs, ele acredita ser fácil pegar mafiosos e grandes corruptos com uma armadilha simples e rápida, ignorando que não dá pra cometer erros com gente assim.

Essa será a trama principal da estória, e para isso irão manipular um bem intencionado e ambicioso prefeito de Nova Jersey (Jeremy Renner), a conseguir convencer outros políticos corruptos a permitir investimentos ilícitos para reativar os casinos de Atlantic City.

Trapaça consegue ser, ao mesmo tempo, triste e divertido. Divertido pelas situações inusitadas em que os personagens se colocam. E triste por demonstrar a carência humana e a necessidade de tentar ser o que não se é. Todos criam ilusões para tentar amenizar a dureza de suas vidas, o que se vê em seus onipresentes trajes chamativos.

Como já passei pelos currículos dos atores, vale analisar seus trabalhos. Bale está excelente como o pequeno golpista bonachão que engana as pessoas passando uma credibilidade de "amigão que vai estar lá quando você precisar". Adams conseguiu a maior coleção de decotes já vista no cinema não "adulto" e está excelente no papel de amante ressentida por não ser a titular. Lawrence é a esposa desocupada e manipuladora de Rosenfeld que sempre diz o que não deve. E Cooper, como já mencionado, é o enérgico e não muito esperto agente do FBI.

Trapaça segue a linha dos filmes de golpes, como Um Golpe de Mestre e Nove Rainhas, em que os espectadores sempre têm de ficar atentos para não serem enganados também. Mas só pela trama, porque a qualidade do filme é uma das poucas coisas genuínas.

Nota: 8

11 de fevereiro de 2014

A Caça

Criança não mente

Jagten, Dir: Thomas Vinterberg, Dinamarca/Suécia, 2012, 115 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2106476/?ref_=nm_knf_i1



Concorrente do Oscar de melhor filme estrangeiro, A Caça retrata a estória de um professor do jardim de infância, que, repentinamente, é acusado por uma de suas alunas de ter cometido abuso sexual.

Desde o princípio, sabemos que o protagonista Lucas (o excelente Mads Mikkelsen, que interpretou o vilão LeChifre em Casino Royale) é inocente, que a menina que o acusa, Klara, simplesmente ficou bravinha por ter tomado uma bronca dele por tê-lo beijado na boca. Como tinha visto um filme pornô mostrado pelo amigo de seu irmão adolescente, fingiu ter usado a imagem que vira, de um pênis ereto, como se tivesse sido Lucas que mostrara para ela.

Curioso é que ninguém contesta o testemunho de uma criança, mesmo com todos sabendo que Klara, tem uma imaginação muito fértil. E a partir daí, a suspeita se torna certeza.

Vivesse Lucas em uma metrópole e suas complicações teriam sido mais simples, pois em cidades assim a impessoalidade permite que nos escondamos na multidão. Mas Lucas vive em uma cidadezinha bem pequena, onde todos se conhecem. Uma acusação dessas leva o fim de sua vida social, sendo hostilizado até mesmo para fazer comprar no supermercado. Passamos o filme inteiro comovidos com o drama pessoal de Lucas, com um sentimento de incômodo e de injustiça.

As consequências: um inocente é seriamente punido em meio a isso ou, trazendo a discussão para nosso cotidiano, um rapaz suspeito de assalto é espancado, desnudado e amarrado a um poste.

A Caça vem em boa hora nesses tempos de polarização de posições políticas, em que as pessoas nem precisam saber direito o que aconteceu para decidir seu lado. Ou seja, se uma menina disse que seu professor lhe molestou, é verdade inquestionável!

Qualquer um que acredite minimamente em Justiça deve saber que Justiça, tal qual a figura estampada em tribunais, é uma senhora cega, que somente usará a espada após ter feito a pesagem dos fatos. Só que em nossos tempos, poucos querem se dar o tempo de pesar os fatos, quase todos já querem sair sacando a espada e ir resolvendo as coisas.

A pedofilia é um tema que está na pauta em todo o mundo, especialmente em meio aos casos vergonhosamente encobertos pelo Vaticano. Mas é claro, qualquer caso deve ser cuidadosamente analisado. Não é porque vários padres foram acusados de pedofilia que todos esses são culpados. E pior ainda, achar que todo e qualquer padre é um pedófilo. Generalizações são sempre perigosas, e quase sempre injustas.

Esses tempos de paranoia com relação a segurança são terríveis. Dá até medo de brincar com crianças, pois seus pais podem interpretar qualquer atitude, especialmente um toque, algo praticamente essencial ao brincar, como abuso. E com isso vamos criando um mundo mais frio e assustado.

E acreditar, como as personagens do filme, que criança não mente, é uma enorme bobagem. Pesquisas científicas e a experiência prática demonstram que desde bebês aprendemos a mentir em benefício próprio.

Triste constatar que vivemos em um mundo tão injusto, em que uma acusação absolutamente infundada pode prejudicar uma vida para sempre.

Nota: 9

10 de fevereiro de 2014

O Lobo de Wall Street

Malandro é malandro, mané é mané


The Wolf of Wall Street, Dir: Martin Scorsese, EUA, 2013, 180 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0993846/



Imagine o que um bando de vagabundos iria fazer se ganhasse muito dinheiro. É isso que você imaginou que é retratado em O Lobo de Wall Street, uma sucessão imensa de exageros, com diversões adolescentes, drogas, sexo e palavrões.

Baseado na história real de Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), um corretor da bolsa que percebe que pode ganhar muito dinheiro vendendo ações de companhias minúsculas para gente da classe trabalhadora que acredita na ilusão de que irá ganhar milhões. E com isso ele consegue taxas de corretagem de 50%, enquanto que corretores de ações convencionais ganham muito pouco, cerca de 1%. Para isso ele monta um time com experiência em vendas, só que todos envolvidos com drogas, crimes e picaretagem. Em suma, pequenos mafiosos que vão encontrar um novo nicho no mercado acionário.

Fazia tempos que eu não ria tanto em um filme. Os exageros são hilários, e bem politicamente incorretos, como o arremesso de anões em alvos e o machismo que se faz presente em todo o filme. E coisas absurdas, como os corretores pensando na contratação de anões, e discutindo seriamente que não se pode olhar nos olhos dos baixinhos. Mas nenhuma cena se compara a passagem em que Popeye está passando na TV. Não vou contar pra não estragar a diversão de quem ainda quer ver.

DiCaprio tem em suas mãos um personagem megalomaníaco, que vive tudo com a máxima intensidade. E não decepciona, tem que fazer de tudo um pouco, alguns ataques histéricos, crises de overdose, momentos de convencer trouxas, arroubos de violência e até alguns momentos de seriedade. Não só por esse filme, mas pelo conjunto da obra, acho que ele já merece um Oscar, pois desde Titanic ele sempre está bem em seus papéis.

E no fim, fica aquela sensação de que um estelionatário engana aos outros porque sempre tem algum bobo de boca aberta pronto pra acreditar em qualquer coisa.

Nota: 8

3 de fevereiro de 2014

Azul é a Cor Mais Quente

E eu gosto de meninos e meninas


La vie d`Adèle, Dir: Abdellatif Kechiche, França/Bélgica/Espanha, 2013, 179 min
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Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2013, Azul é a Cor Mais Quente causou muita polêmica por, alem de envolver um amor lésbico, ter cenas de sexo muito pesadas, bem mais fortes que o "polêmico" beijo gay da novela das nove. Obviamente, como sempre, quem é homofóbico e está feliz sendo assim, melhor passar longe, pois vai dizer que é só uma sem-vergonhice, apologia à homossexualidade, "o que vão ser de nossas crianças" e outros argumentos ultraconservadores. Agora, quem acha que tudo isso é besteira, que o desejo é inato e que não será um filme que vai fazer alguém preferir A ou B, pode gostar do que verá.

O filme, em suas 3 horas, vai num ritmo lento, mas não o achei arrastado ou enrolado. Não se vê, contudo, pressa em contar a estória. Muitas cenas são do cotidiano banal de Adele, com a câmera muitas vezes focada em seu rosto, mostrando a sutileza de seu estado de humor enquanto tenta se descobrir no mundo.

A trama acompanha Adele (a naturalmente bela Adele Exarchopoulos) bem de perto, como muitos closes em situações bem íntimas dela, como babando ao dormir, numa busca do diretor em torná-la uma pessoa qualquer, sem nada de especial. A primeira parte do filme mostra Adele na escola descobrindo a vida sexual, com um ficante que não combina nada com ela, mas a trata bem. Após sua primeira relação sexual ela diz que "foi demais", enquanto sua expressão facial mostra um tédio total. Tanto que não demora para encerrar este caso.

Aí surge em sua vida Emma (Léa Seydoux, a assassina de Missão Impossível 4 e a moça do antiquário em Meia Noite em Paris), a garota do cabelo azul, com a qual ela se encanta no primeiro olhar. Ao contrário da tímida e simples colegial Adele, Emma é uma pintora e estudante de artes, intelectualizada, engajada politicamente e já experiente sexualmente. Mas percebe que para conquistar Adele terá de ir aos poucos, pois existe a barreira da homossexualidade, e Adele vive em um ambiente bem conservador, tanto quanto a sua família quanto a seus amigos, bem diferente de Emma, habituada ao mundo de intelectuais e artistas.

A segunda parte do filme já mostra a fase adulta de Adele, após passar a viver junto com Emma e a dificuldade do relacionamento, como qualquer outro, acrescido da dificuldade em ter convívio social normal tentando esconder sua homossexualidade.

O filme não pretende ser uma bandeira para o movimento gay. Adele não está interessada em defender nenhuma causa, como mostra seu desinteresse em uma parada gay e seu esforço para se divertir neste ambiente. Adele somente quer amar.

Não que o filme não trate do preconceito. Uma das melhores cenas é com as "amigas" de escola de Adele, que, ao verem ela caminhando junto a Emma na saída da aula, fazem um interrogatório no dia seguinte, e uma das integrantes da patota questiona se ela não tinha outra intenção quando foi dormir em sua casa. Como se a orientação sexual de alguém impedisse de ter amigos do gênero pelo qual tem desejo.

Muitas coisas não são ditas no filme, o que faz com que seja necessário que se leia as expressões faciais das atrizes, e que se compare situações distintas em diferentes momentos, como a comparação da intensidade de Adele em sua relação sexual com seu ficante da escola e com Emma, ou como se dá a aproximação entre esses e a protagonista.

Azul é a Cor Mais Quente é uma demonstração daquilo que já diziam os Titãs, "todo mundo quer amor".


Nota: 9