23 de agosto de 2013

Hannah Arendt

Banalidade do Mal

Idem, Dir: Margarethe von Trotta, Alemanha/França/Luxemburgo, 2012, 113 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1674773/?ref_=sr_1


Hannah Arendt é considerada uma das maiores filósofas do século XX, sendo seu livro mais conhecido Origens do Totalitarismo, no qual causou grande polêmica ao comparar o nazismo ao stalinismo, vistos como duas faces da mesma moeda do totalitarismo.
O filme trata de um período posterior a este livro, quando ela vai, a serviço da revista The New Yorker, fazer a cobertura do julgamento do líder nazista Adolf Eichmann pelos israelenses. Eichmann era responsável pela logística de embarcar prisioneiros nos trens que seguiam para os campos de concentração, sendo que a morte destes prisioneiros, em sua maioria judeus, era quase uma certeza. Após a guerra, Eichmann conseguiu escapar da Alemanha e, anos depois, foi capturado pelo Mossad, o serviço secreto israelense em Buenos Aires, e levado a Jerusalém.

Todos esperavam então ver um monstro no tribunal, um nazista cruel sem o menor respeito à vida. Alguns viram o que esperavam, até porque o ódio despertado pelo genocídio ainda era muito recente. Mas Hannah Arendt tentou ver o homem, sem preconceitos, e ficou chocada ao perceber que ele não era nenhum monstro, mas um homem comum, um simples burocrata, que tinha a convicção de que apenas seguia ordens e que não tinha responsabilidade alguma pelas mortes das pessoas, pois, afinal, "somente as colocava dentro do trem".

Com isso, Arendt notou que diferentemente do que diz o senso comum, o Mal não é algo inato, um defeito de caráter ou algo do gênero. O Mal pode ser banal, como ela entendeu ao criar o conceito de "banalidade do mal". Eichmann era uma pessoa medíocre, não era nenhum gênio do mal ou um pervertido. Apenas abidicara de sua capacidade de discernir entre o que é certo e o que é errado, o que, para Arendt, é a característica masi marcante no pensamento humano.
Como toda ideia que fere o senso comum, esta causou polêmica, da mesma maneira que há poucos anos causou o excelente filme A Queda: As Últimas Horas de Hitler ao humanizar a figura do fuhrer. É muito mais fácil para o senso comum entender que Hitler era simplesmente um monstro sádico do que entender que ele era um homem comum que cometeu uma série de atrocidades, e que nós também podemos fazer o mesmo, pois, afinal, o "monstro" reside em nós.

Mas a maior revolta foi causada pela sua coragem em querer analisar o papel de alguns líderes judeus que colaboraram com os nazistas na organização do sistema. Esse foi o fator para que muitos até jurassem Arendt de morte e a considerassem uma traidora, pois ela era judia e até mesmo passara por um campo de concentração. Há muito de interesse político aí, pois a própria existência do Estado de Israel se deve em grande parte ao genocídio nazista e a ideia de martirização do povo judeu. Se se ataca tal martirização fica difícil justificar o sionismo, ou seja, a necessidade da existência de um Estado próprio em que o povo judeu possa viver sob suas leis.

O filme é um pouco "quadrado". Há uma certa repetição de "cenas reflexivas" de Arendt, com ela pensando com expressão séria ao lado de seus inseparáveis cigarros enquanto ouvimos uma música dramática tocada bem alto. Tecnicamente o que há de mais interessante é o fato de que Eichmann é interpretado por ele mesmo, ou seja, são usadas imagens reais de seu julgamento e de suas frases, o que nos permite julgar diretamente sobre o réu.

Mas o que sustenta o filme são as ideias de Arendt e sua coragem em expor suas polêmicas ideias. Como certeza muita conversa será gerada após a sessão.
 
Aliás, seguem duas ótimas colunas sobre Eichmann e Arendt, dos psicanalistas Contardo Calligaris e Francisco Daudt: 

Nota: 7

20 de agosto de 2013

Flores Raras

Amor e ciúmes


Idem, Dir: Bruno Barreto, Brasil, 2013, 118 min





Flores Raras pode causar polêmica por tratar de um tema ainda tabu que é o relacionamento homossexual. Já adianto que o filme não tem nenhuma cena muito explícita, apenas tem o tão temido "beijo gay", que a TV teme em mostrar.

Feita essa introdução, o filme baseia-se na história real do relacionamento amoroso entre a arquiteta Lota de Macedo Soares, criadora do Parque do Aterro do Flamengo e a poeta Elizabeth Bishop, ganhadora do Prêmio Pulitzer. Completando e complicando o relacionamento está Mary Morse, companheira de Lota.

Elizabeth deixa Nova York para fazer uma viagem pelo mundo e espairecer. Sua primeira escala é no Rio de Janeiro, de onde não sairá mais. Como era antiga colega de faculdade de Mary, esta a convida a ficar em sua casa. Lota fica irritada e cheia de ciúmes, temendo que esta antiga colega "roube" sua companheira. Mas o que ocorre é o contrário disso, sendo Lota quem se apaixona por Elizabeth.

A diferença comportamental entre as personagens centrais é marcante. Lota é firme, decidida e expansiva, com uma imagem masculinizada. Elizabeth é tímida, insegura, introvertida e delicada, tendo até mesmo certa fobia social.

O filme é muito sutil ao abordar o relacionamento. Se o expectador se despir de seus possíveis pudores contra a homossexualidade irá ver tão-somente um filme sobre idas e vindas do amor, ciúmes e outros temas relacionados. Além disso, as atuações são excelentes, com destaque para a sempre ótima (exceto em besteiras do tipo Se Eu Fosse Você), Glória Pires.

E a partir deste pitaco irei indicar outros textos sobre o filme tratado. Começando com um dos meus colunistas favoritos, Contardo Calligaris: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2013/08/1326590-flores-raras.shtml.

Nota: 7

12 de agosto de 2013

Antes da Meia Noite

Discutindo a relação

Before Midnight, Dir: Richard Linklater, EUA, 2013, 109 min


Continuação dos filmes Antes do Amanhecer (1995) e Antes do Pôr-do-Sol (2004). Para quem não os conhece, um breve resumo dessa ótima trilogia.

No primeiro filme os protagonistas são dois jovens, Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy), ele americano e ela francesa, viajando em um trem pela Europa que, após uma troca de olhares, ele a convida a descer em Viena e passarem um tempo juntos. Se apaixonam perdidamente e prometem um encontro para depois de seis meses no mesmo local.

No segundo filme descobrimos que Jesse atravessou o Atlântico para encontrá-la, mas Celine não apareceu. Para tentar remediar sua dor, Jesse escreveu um livro sobre o encontro e o lança nove anos depois. Quando está lançando o livro em Paris ela aparece e eles retomam o diálogo, deixando em aberto a possibilidade de ficarem juntos.

Pois bem, em Antes da Meia Noite Jesse e Celine estão juntos nove anos após o reencontro em Paris, cidade em que moram, têm duas filhas gêmeas e estão encerrando um período de férias na Grécia. E Jesse se esforça para manter o contato com seu filho do relacionamento anterior, que mora nos EUA, de quem se despede após as férias em seu retorno à América.<

Como nos outros filmes, o filme é recheado de diálogos sobre relacionamentos, o sentido da vida, como lidar com o cotidiano, as diferenças entre os sexos, dentre outros, em um período curto de tempo. E, ao contrários dos anteriores, neste há diálogos com outros personagens. Neste ponto destaco o diálogo do almoço com os gregos, no qual estão na mesa um casal bem jovem, outro casal maduro como Jesse e Celine, e dois velhos viúvos, cada um com sua visão sobre como é se relacionar.

Tentando fazer uma síntese sobre o conteúdo do conjunto dos 3 filmes, no primeiro encontramos um amor à primeira vista, com dois jovens à la Romeu e Julieta, como toda a vida para viver e com o sonho de que poderão ser felizes para sempre. No segundo encontramos duas pessoas que passaram por muitas coisas no mundo real, mas que ainda acreditam que aquele amor do passado pode dar certo. Neste último vemos o casal real que se tornaram, afogado pelos problemas do cotidiano e envolto em uma crise de relacionamento.

É improvável que qualquer casal que vive junto não consiga se ver espelhado na tela. O relacionamento real é cheio de problemas e muito distante daquele ideal de contos de fada. Aquela última frase desses livros, "e viveram felizes para sempre", é uma das maiores mentiras já inventadas. O cotidiano é duro conosco.

Assim como no último filme que comentei, O Grande Gatsby, neste também há o problema do passado que não volta. Jesse e Celine tem que aceitar que muita coisa aconteceu nos nove anos que passaram entre quando se conheceram e quando finalmente ficaram juntos. Jesse teve um filho nesse período, e isso será um dos maiores focos de problemas entre eles, apesar de Celine gostar muito do menino. Não há como apagar esse tempo, é necessário que ambos tenham responsabilidade para arcar com as consequências de ficarem juntos. Pra cada caminho que escolhemos seguir há inúmeros que indiretamente decidimos não seguir. Saber viver com essas recusas é essencial em nossas vidas.

Aconselho que quem queira ver o filme não leia este parágrafo para não estragar a surpresa. Um dos momentos mais interessantes é quando Celine, em meio à discussão, subitamente diz que não ama mais Jesse e que esse é o fim do relacionamento. Se analisarmos bem é estranho vivermos à base desse amor romântico, muito ligado em nossas paixões e nossos impulsos. Dificilmente (pra não dizer impossível) um relacionamento pode se basear somente nesse impulso da paixão. Pra suportar o terrível cotidiano, com agendas lotadas, tarefas domésticas, contas a pagar, filhos e outros problemas é necessário haver algo mais, e não  somente o sonho de um amor perfeito. Jesse se encarrega de lembrar isso à Celine na última cena.

Enfim, gostei muito desse último filme, que manteve a qualidade dos demais. Jesse e Celine são um símbolo para os casais, senão de todos, pelo menos daqueles na faixa dos 30 aos 50 anos.<

Nota: 9