23 de novembro de 2017

Corra!

Bem Vindo. Só que não.

Get Out, Dir: Jordan Peele, EUA, 2017, 1h44min
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Sabe como é aquele primeiro encontro com os sogros? Um certo constrangimento, você se sentindo examinado a todo momento e tentando não fazer feio? Pois é. Em Corra! o protagonista também se vê nessa situação, mas terá desafios bem maiores que esses.

Na trama, Chris, um jovem fotógrafo vai passar o final de semana na casa dos pais de sua namorada. Desde o início fica tenso pelo fato de ser um negro sendo introduzido num núcleo familiar de brancos ricos. Para piorar, no segundo dia de visita haverá um evento social no local em que só irão comparecer mais brancos ricos.

O filme trata de maneira sutil e inteligente o racismo nos EUA. Sutil não por ser de leve, pois a questão racial está sempre presente, mas por não ter escolhido o caminho fácil de levar o protagonista para uma comunidade caipira seguidora do Ku Klux Klan no interior do Mississipi. Ao contrário, leva o protagonista para um ambiente de pessoas esclarecidas, tolerantes, progressistas e que votariam no Obama pela terceira vez se pudessem. Lembra o discurso de Chris Rock no Oscar 2016 (o famoso #OscarSoWhite), em que ele diz que convive com os brancos mais legais que existem, mas mesmo assim ainda é tratado de maneira diferente nesse meio.

As diferenças de tratamento são curiosas. Aqui, em uma versão de racismo 2.0, os brancos não conversam com Chris tratando-o como inferior, mas tentando fazer elogios sobre suas qualidades, o que é uma forma sutil de dizer que ele é um inferior com alguns atributos positivos.  Assim, elogiam seu físico, perguntam sobre seu desempenho sexual, etc, demonstrando um imensa dificuldade em tratá-lo naquele ambiente simplesmente como mais um convidado, e não como um alienígena.

O tom do filme é de contante perturbação e confusão. Sabe-se que por trás das boas maneiras dos brancos e no comportamento anormal dos negros do local que há segredos importantes escondidos, mas não se sabe o quê. O diretor nos coloca no mesmo ponto de Chris, que está perplexo, sem entender o que é aquele ambiente tão estranho em que se encontra. 

O filme foi distribuído como uma produção do gênero terror. Há, de fato, alguns elementos do gênero, mas ele está mais bem encaixado na caixa do suspense. Segundo o diretor, seria um thriller racial. E no prêmio mais sem seriedade do cinema, o Globo de Ouro, o filme recebeu a classificação de comédia! Até tem umas boas piadas na trama, mas classificá-lo como comédia, com o perdão da ironia, é uma piada.

O roteiro e a direção, ambas do humorista Jordan Peele, são perfeitas, especialmente considerando que este é seu primeiro trabalho na condução de um filme. Até mesmo os diálogos que parecem ser simples troca de amenidades revelam algo há mais. Há muitas entrelinhas em todas as frases e as informações sobre o que se esconde vão sendo dadas aos poucos, mas mesmo assim será impossível ao expectador ter ideia do que será revelado ao final.

Os personagens principais apresentam bastante complexidade, pois todos revelam algo na superfície mas são bem diversos na realidade. Os atores podem não ser brilhantes ou conhecidos, mas todos estão perfeitamente escalados para seus papéis e muito bem dirigidos, com pequenos gestos que dão pistas sobre suas intenções, destacando-se o intenso trabalho do protagonista vivido pelo inglês Daniel Kaluuya.

A fotografia do pouco conhecido Toby Oliver não necessita de cenários complexos para criar uma história visualmente surpreendente, fazendo boa alternância de planos abertos e fechados e de movimentos de câmera para deixar o espectador querendo ver mais do que está sendo mostrado, dando um senso de prisão. Também há que se destacar as claras referências ao gênio Stanley Kubrick, além do tom do filme lembrar muito ao de O Iluminado, também há enquadramentos que fazem clara menção à conhecida perspectiva ponto de fuga (clique aqui para ver) do maior diretor de todos os tempos.

A edição é ótima, o filme se passa devagar, mas nunca deixa o espectador relaxado, e sabe o momento ideal de revelar seus segredos assim como utiliza do tempo necessário para seu desfecho, e faz tudo isso em menos de duas horas, coisa que todos os cineastas deveriam fazer nesse cenário atual de filmes de duas horas e meia.

Nas especulações para o Oscar 2018 o filme tem aparecido em diversas listas como melhor filme. Não é indicação certa, especialmente por ser um filme bem pouco convencional e por misturar terror, suspense e comédia, gêneros que dificilmente figuram na lista final de melhores filmes. Ainda assim está no topo da lista do site Rotten Tomatoes como o filme com maior número de avaliações positivas pela crítica. Se o estúdio fizer bem o lobby pode conseguir estar na lista de melhores filmes, assim como receber indicação a melhor roteiro e melhor edição. As chances são pequenas para melhor direção assim como para seu ator principal. Nessa semana saiu a lista de indicados no Spirits Award (a premiação do cinema independente) e o filme recebeu indicação em todas essas categorias.

Corra! é uma pequena obra-prima, com destaque para seu surpreendente roteiro e sua competente edição. E uma prova de que se os negros de Hollywood tiverem mais chances na indústria (e não as sugeridas categorias próprias em premiações) podem apresentar trabalho fantásticos. 

Nota: 10

7 de novembro de 2017

Thor: Ragnarok

Batalha dos Deuses

Dir: Taika Waititi, EUA, 2017, 2h10min
IMDB                 Trailer 


Thor, O Deus do Trovão, já teve duas aventuras solo no Universo Cinematográfico Marvel. Thor foi um filme de origem no máximo razoável. Sua continuação, Thor: O Mundo Sombrio, é um dos piores filmes da Marvel. Dessa vez, resolveram mudar completamente o tom sombrio e épico dos filmes anteriores em Thor: Ragnarok e acertaram em cheio ao torná-lo uma comédia de aventura sci-fi.

No filme, Thor é confrontado por uma vilã mais poderosa que ele, a Deusa da Morte Hela, e tem de impedir que ela destrua tudo por meio de sua versão particular do apocalipse, o Ragnarok. E no caminho encontra seu parceiro Hulk em um planeta que é um mix de Roma Antiga com Las Vegas e uns toques da Los Angeles decadente de Blade Runner. E isso não significa ser um filme sem comprometimento com seu universo cinematográfico, pois seus eventos serão fundamentais para a continuidade da série (a tradicional cena pós-créditos é obrigatória).

O filme adota um tom de aventuras divertidas dos anos 80, muito em voga hoje na esteria do sucesso de Stranger Things. Há toques de filmes da série Indiana Jones, já que o protagonista tem uma missão importante, mas sempre se envolve em confusões. Também há o visual futurista intergalátcio daquele período com armas de raio laser que remete a filmes pseudo-trash, como Flash Gordon e o lamentável Mestres do Universo. Certas piadas vão divertir muito os moleques de 12 anos, incluindo os que habitam dentro dos homens de mais de 30.

Sua produção é caprichada, como é praxe no universo da Marvel. Destaque para a trilha sonora fortemente influenciada pelo tecno pop dos anos oitenta, com batidas eletrônicas e excessos de sintetizadores, além das cenas de lutas em que toca o clássico Immigrant Song do Led Zeppelin, já tocada no teaser trailer. Os efeitos visuais também seguem o padrão de qualidade do estúdio e uma indicação ao Oscar nessa categoria é possível.

As atuações são boas. Chris HemsworthTom Hiddleston e Mark Ruffalo estão bem à vontade retomando seus papéis. O ótimo Idris Elba ganhou mais espaço aqui por conta de sua ascendente reputação. O canastrão Jeff Goldblum funciona muito bem como alívio cômico. E tem a fenomenal Cate Blanchett.

Thor: Ragnarok é um bom filme no qual todos os elementos se voltam exclusivamente para um fim: divertir e entreter seu público.

Nota: 7