26 de outubro de 2017

Blade Runner 2049

Admirável Mundo Retomado 

Dir: Denis Villeneuve, EUA, 2017, 2h44min
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Blade Runner foi uma filme revolucionário lançado em 1982. Apesar dos produtores terem criado uma edição cheia de bobeiras, como narrações em off (ou voice over), retirada de violência gráfica e um final "feliz", ainda assim chamou a atenção. Quando esses erros foram corrigidos na versão do diretor em 1992 o filme passou a ser considerado uma obra-prima pela crítica. A história passada em uma Los Angeles futurista distópica no então longínquo 2019 mostrava um mundo de grande avanço tecnológico e de retrocesso ambiental e social, em que humanos criados em laboratório, os replicantes, faziam os trabalhos indesejados, e caso saíssem da linha, eram caçados pelos blade runners. Blade Runner 2049, como indica o texto, irá contar uma história 30 anos à frente da original.

Como disse o diretor, o filme pode ser visto por quem não viu o original. Mas é fortemente recomendado ver o primeiro filme por dois motivos: é um obra-prima e vai ajudar muito na compreensão desse.

Na trama, o blade runner replicante K, após uma missão de "retirada" de outro replicante, descobre um grande mistério do passado envolvendo os replicantes e cuja revelação iria abalar profundamente as bases da sociedade. Como de costume em filmes de Denis Villeneuve, não darei maiores detalhes sobre a trama que vai se revelando aos poucos.

Aliás, é bom frisar esse ponto de "aos poucos". Para àqueles acostumados ao cinema de aventura atual, com ritmo alucinante, Blade Runner 2049 pode soar como um sonífero. Mas, novamente, isso é para quem está mal acostumado. O filme desenvolve-se lentamente, com um roteiro bem construído, mas está longe de ser enfadonho. Um toque de cinema de arte em um filme comercial, algo que poucos diretores são capazes de fazer e que poucos estúdios estão dispostos a bancar.

A trama retoma o questionamento sobre o que faz de uma pessoa algo diferenciado de outros seres. Se antes a análise era entre uma pessoa e um replicante, agora, que o replicante já passou a ser visto como pessoa, tenta se analisar se figuras digitais também são humanos. Dessa forma, há alguns ecos do excelente Ela. O filme, como o original, trata de temas religiosos, filosóficos, psicanalíticos e metafísicos. Não é nenhum tratado de nenhuma dessas coisas, mas, se tratando de cinema comercial, é um grande feito incluir tais assuntos. Também há fortes críticas sociais ao nosso estilo de vida, como o fato de usarmos produtos produzidos por mão de obra explorada que sabemos que existe mas que preferimos ignorar e ao consumo desenfreado, que em nada elevam a qualidade de vida.

Os atores estão todos bem. Ryan Gosling, muitas vezes criticado por parecer um robô, aqui é de fato um "robô" (muitas e muitas aspas aqui)! O que os que fazem tais críticas talvez não percebam sua sutileza ao interpretar personagens muito introspectivos, como ele fez em Drive. Ele controla bastante suas expressões, mas tem um olhar discreto que demonstra bem seu estado de espírito. Harrison Ford consegue dar sequência ao seu personagem Deckard, mostrando que os anos que se passaram lhe foram muito difíceis. Jared Leto está bem em seu papel de magnata megalomaníaco cruel e sofisticado criador dos replicantes mas tem pouco tempo em cena. A surpresa positiva fica com as belas mulheres em papéis coadjuvantes. Ana de Armas interpreta um sistema operacional visível por meio de projeção holográfica que parece mais real do que muitos personagens físicos. E a replicante interpretada por Sylvia Hoeks tem uma maldosa presença marcante.

A parte técnica é toda bem executada. A trilha sonora de Hans Zimmer é boa, mas não se compara a outros de seus trabalhos marcantes, como Batman: O Cavaleiro das Trevas e Dunkirk e muito menos à marcante trilha do filme original de Vangelis. A fotografia bem esfumaçada, sombria e com muito uso de cores vivas de Roger Deakins é ótima, mas faltou o impacto que a originalidade do primeiro filme oferecia. Aqui há maior presença de cenas diurnas, ao contrário do quase que exclusivamente noturno filme original. A edição apresenta o filme lentamente, permitindo ao espectador ir absorvendo completamente todas as informações passadas muitas vezes somente de maneira visual.

A impressão que fica é que os principais envolvidos como Villeneuve, Deakins e Zimmer ficaram presos demais ao filme original, faltando um pouco de criatividade que eles poderiam ter adicionado. Isso de maneira alguma representa que eles tenham feito um mal trabalho, mas que eles já fizeram coisas melhor e poderiam aqui também ter feito.

Na disputa do Oscar 2018 o filme deve receber indicações a melhor filme e melhor diretor e diversas indicações técnicas: trilha sonora, fotografia, efeitos visuais, design de produção, edição de som, mixagem de som e figurino. Pode, assim como Mad Max: Estrada da Fúria, ser o filme com maior número de prêmios ainda que não leve os prêmios mais nobres. Dificilmente terá seus atores indicados, mas pode ser que algum lobby forte tente dar uma indicação ao carismático Harrison Ford.

Blade Runner 2049 é um ótimo filme que traz elementos do cinema de arte para um filme de apelo comercial. Poderia ter se desprendido um pouco mais do filme original, mas ainda assim oferece um produto de ótima qualidade.

Nota: 8


P.S: Recentemente fiz uma análise de todos os filmes mais comerciais de Denis Villeneuve. Clique nos títulos para ler sobre Incêndios, O Homem Duplicado, Os Suspeitos, Sicario e A Chegada.

3 de outubro de 2017

Os Suspeitos

Justiça?

Prisoners, Dir: Denis Villeneuve, EUA, 2013, 2h33min
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Para salvar um filho, vale tudo? E se valer, vai funcionar? 

Após Sicario, O Homem Duplicado, A Chegada e Incêndios concluo a análise da filmografia mais conhecida (ficaram de fora curtas e filmes independentes bem pouco divulgados) de Denis Villeneuve com sua primeira produção hollywoodiana, Os Suspeitos, na preparação para a estréia nesta semana da continuação de um dos maiores cults dos anos 80, Blade Runner 2049

Na trama, duas meninas vizinhas desaparecem misteriosamente no Dia de Ação de Graças quando dão uma rápida saída de casa. Seus pais começam a busca, e um deles, achando que a polícia fica presa demais a normas processuais e não pressiona suficientemente o principal suspeito, decide resolver as coisas a seu modo. Assim, o filme funciona como uma discussão do conceito de justiça, direitos humanos e eficácia dos métodos.

Como sempre ocorre no cinema de Villeneuve, não se pode dar muitos detalhes do que ocorrerá, pois o mistério é sua argamassa.

Tudo no filme é muito ordinário, não no sentido atribuído pelo Cumpadi Washington, mas no sentido de dentro do comum. É uma história de pessoas comuns defrontadas com um grande e inusitado desafio, que pode acontecer em qualquer lugar. O roteiro capricha em tornar única uma história de gente como a gente.

Mais uma vez, Villeneuve dá aula de como manter a tensão e o mistério ao longo de todo um filme, dando pequenas indicações para o espectador montar o enigma final. 

A fotografia de Roger Deakins é fantástica. Ele tira leite de pedra em meio a esse ambiente ordinário, pois não há locações ou cenários deslumbrantes. O que se destaca são seus enquadramentos pouco convencionais, muito criativos, comprovando a máxima de que um bom fotógrafo faz fotos boas até mesmo dentro de seu banheiro. Suas credenciais são as melhores possíveis. Ele recebeu 13 indicações ao Oscar, nos últimos 22 anos e não levou nenhuma, o que pode mudar com Blade Runner 2049.

A dupla de protagonistas Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal vai muito bem, como homens rudes mas corretos. Nisso o personagem de Jackman traz ecos de Wolverine. Destaque também para Melissa Leo e o sempre competente Paul Dano dando vida a mais um personagem exótico.

Os Suspeitos, fechando a análise da cinematografia mais conhecida de Villeneuve, comprova que o diretor só fez filmes bons. Razão pela qual se deve dar muita atenção a tudo que ele faz.

Nota: 8


P.S: Em breve, sai o pitaco de Blade Runner 2049.