21 de dezembro de 2017

Star Wars: Os Últimos Jedi

Mickey Skywalker 

Star Wars: The Last Jedi, Dir: Rian Johnson, EUA, 2017, 2h32min
IMDB 


Star Wars retornou às telas de forma brilhante em O Despertar da Força. Uma nova geração de personagens foi apresentada sem descuidar do respeito aos heróis clássicos, muitos mistérios foram introduzidos e cenas belíssimas foram apresentadas. Seu sucesso entre o público e a crítica foram extraordinários. E agora vem sua continuação, Os Últimos Jedi.

Na trama, a Primeira Ordem de Snoke e Kylo Ren persegue os últimos remanescentes da Resistência liderados pela General Leia e pelo intrépido Poe Dameron, enquanto a jovem Rey irá iniciar seu treinamento Jedi com o lendário Mestre Luke Skywalker e tentará convencê-lo a se unir aos rebeldes no conflito galático.

A primeira coisa a se destacar no filme é sua estrutura bem diferente dos anteriores. Para o bem, e para o mal. Se por um lado optou-se, como em Rogue One, por adotar um tom mais realista, em que heróis e vilões são apenas duas faces da mesma moeda que podem facilmente transitar de um lado para outro e em mostrar personagens comuns na galáxia, por outro lado buscou-se dar uma leveza no filme com muitas cenas engraçadinhas à la filmes da Marvel, coirmã da Lucasfilm. Algumas são divertidas, outras são desnecessárias e parte delas quebram de maneira tosca um momento solene.

O roteiro tem bastante coisa interessante, especialmente na interação entre os personagens, e quebra várias expectativas, mas tem falhas em alguns desenvolvimentos de tramas menores. E a edição não ajuda. Nem um pouco. 

O filme é o mais longo da saga (2h32min) e dá muito espaço para sequências sem grande interesse, como todo o arco do Finn, e tem cortes muito apressados na muito mais interessante interação entre Luke e Rey. Lembra assim O Retorno de Jedi, o pior filme da sequência original, que se alonga mais contando a historinhas dos ewoks do que no confronto final entre Vader e Luke, mostrada em ritmo de videoclipe. Em alguns momentos há também uma quase falta de continuidade, de se perguntar como tal personagem foi parar em tal local.

Os personagens principais do filme anterior estão em destaque, especialmente Poe e Finn. Contudo, seu desenvolvimento é bem pobre. Eles têm muito tempo em tela mas menor importância que na aventura anterior. O destaque entre os personagens fica com os gêmeos Luke e Leia, aqui mais bem aproveitados do que em qualquer filme da saga. Rey e Kylo tem um arco interessante, mas faltou a camada de mistérios que os deixava enigmáticos em O Despertar da Força. Aqui há até sequências um tanto sobrenaturais, mas nada tão provocador quanto o sonho (ou pesadelo) de Rey no primeiro filme. Os novos personagens são completamente desnecessários e mal desenvolvidos.

Ao contrário do que se esperava, este filme adota um tom muito mais leve que seu antecessor (ainda que tenha sequências bem pesadas). Talvez seja um indício de que a Disney quer padronizar seus filmes para acertar em formas seguras para atrair o maior público possível, vender mais bonecos, criar mais áreas temáticas em seus parques e obter lucros astronômicos. Claro que Star Wars é um produto e o lucro é a parte mais importante no negócio, mas poderiam pegar mais leve nessa parte comercial.

Apesar desses vários problemas o filme tem ótimas partes. Há cenas com forte apelo nostálgico, até servindo de motivo de piada metalinguística. Ainda que sejam um truque barato, funcionam. Há cenas de muita beleza, tanto visual quanto emocional. E os minutos finais deixam até mesmo os mais críticos arrepiados.

Star Wars: Os Últimos Jedi é um filme diferente da saga, em que o tom solene foi deixado de lado em prol do entretenimento fácil, com uma edição que errou em não dar destaque a seus pontos mais fortes. Ainda assim, há sequências memoráveis e um desenvolvimento de trama surpreendente com um final arrebatador.

Nota: 7


P.S: Normalmente não leio críticas antes de postar o meu pitaco. Dessa vez li algumas e vou deixar aqui destacadas as que mais gostei, uma negativa, da Juliana Varella do blog Fala, Cinéfilo!, e outra positiva, do Tiago Belotti do canal Meus 2 Centavos.

23 de novembro de 2017

Corra!

Bem Vindo. Só que não.

Get Out, Dir: Jordan Peele, EUA, 2017, 1h44min
IMDB                 Trailer 


Sabe como é aquele primeiro encontro com os sogros? Um certo constrangimento, você se sentindo examinado a todo momento e tentando não fazer feio? Pois é. Em Corra! o protagonista também se vê nessa situação, mas terá desafios bem maiores que esses.

Na trama, Chris, um jovem fotógrafo vai passar o final de semana na casa dos pais de sua namorada. Desde o início fica tenso pelo fato de ser um negro sendo introduzido num núcleo familiar de brancos ricos. Para piorar, no segundo dia de visita haverá um evento social no local em que só irão comparecer mais brancos ricos.

O filme trata de maneira sutil e inteligente o racismo nos EUA. Sutil não por ser de leve, pois a questão racial está sempre presente, mas por não ter escolhido o caminho fácil de levar o protagonista para uma comunidade caipira seguidora do Ku Klux Klan no interior do Mississipi. Ao contrário, leva o protagonista para um ambiente de pessoas esclarecidas, tolerantes, progressistas e que votariam no Obama pela terceira vez se pudessem. Lembra o discurso de Chris Rock no Oscar 2016 (o famoso #OscarSoWhite), em que ele diz que convive com os brancos mais legais que existem, mas mesmo assim ainda é tratado de maneira diferente nesse meio.

As diferenças de tratamento são curiosas. Aqui, em uma versão de racismo 2.0, os brancos não conversam com Chris tratando-o como inferior, mas tentando fazer elogios sobre suas qualidades, o que é uma forma sutil de dizer que ele é um inferior com alguns atributos positivos.  Assim, elogiam seu físico, perguntam sobre seu desempenho sexual, etc, demonstrando um imensa dificuldade em tratá-lo naquele ambiente simplesmente como mais um convidado, e não como um alienígena.

O tom do filme é de contante perturbação e confusão. Sabe-se que por trás das boas maneiras dos brancos e no comportamento anormal dos negros do local que há segredos importantes escondidos, mas não se sabe o quê. O diretor nos coloca no mesmo ponto de Chris, que está perplexo, sem entender o que é aquele ambiente tão estranho em que se encontra. 

O filme foi distribuído como uma produção do gênero terror. Há, de fato, alguns elementos do gênero, mas ele está mais bem encaixado na caixa do suspense. Segundo o diretor, seria um thriller racial. E no prêmio mais sem seriedade do cinema, o Globo de Ouro, o filme recebeu a classificação de comédia! Até tem umas boas piadas na trama, mas classificá-lo como comédia, com o perdão da ironia, é uma piada.

O roteiro e a direção, ambas do humorista Jordan Peele, são perfeitas, especialmente considerando que este é seu primeiro trabalho na condução de um filme. Até mesmo os diálogos que parecem ser simples troca de amenidades revelam algo há mais. Há muitas entrelinhas em todas as frases e as informações sobre o que se esconde vão sendo dadas aos poucos, mas mesmo assim será impossível ao expectador ter ideia do que será revelado ao final.

Os personagens principais apresentam bastante complexidade, pois todos revelam algo na superfície mas são bem diversos na realidade. Os atores podem não ser brilhantes ou conhecidos, mas todos estão perfeitamente escalados para seus papéis e muito bem dirigidos, com pequenos gestos que dão pistas sobre suas intenções, destacando-se o intenso trabalho do protagonista vivido pelo inglês Daniel Kaluuya.

A fotografia do pouco conhecido Toby Oliver não necessita de cenários complexos para criar uma história visualmente surpreendente, fazendo boa alternância de planos abertos e fechados e de movimentos de câmera para deixar o espectador querendo ver mais do que está sendo mostrado, dando um senso de prisão. Também há que se destacar as claras referências ao gênio Stanley Kubrick, além do tom do filme lembrar muito ao de O Iluminado, também há enquadramentos que fazem clara menção à conhecida perspectiva ponto de fuga (clique aqui para ver) do maior diretor de todos os tempos.

A edição é ótima, o filme se passa devagar, mas nunca deixa o espectador relaxado, e sabe o momento ideal de revelar seus segredos assim como utiliza do tempo necessário para seu desfecho, e faz tudo isso em menos de duas horas, coisa que todos os cineastas deveriam fazer nesse cenário atual de filmes de duas horas e meia.

Nas especulações para o Oscar 2018 o filme tem aparecido em diversas listas como melhor filme. Não é indicação certa, especialmente por ser um filme bem pouco convencional e por misturar terror, suspense e comédia, gêneros que dificilmente figuram na lista final de melhores filmes. Ainda assim está no topo da lista do site Rotten Tomatoes como o filme com maior número de avaliações positivas pela crítica. Se o estúdio fizer bem o lobby pode conseguir estar na lista de melhores filmes, assim como receber indicação a melhor roteiro e melhor edição. As chances são pequenas para melhor direção assim como para seu ator principal. Nessa semana saiu a lista de indicados no Spirits Award (a premiação do cinema independente) e o filme recebeu indicação em todas essas categorias.

Corra! é uma pequena obra-prima, com destaque para seu surpreendente roteiro e sua competente edição. E uma prova de que se os negros de Hollywood tiverem mais chances na indústria (e não as sugeridas categorias próprias em premiações) podem apresentar trabalho fantásticos. 

Nota: 10

7 de novembro de 2017

Thor: Ragnarok

Batalha dos Deuses

Dir: Taika Waititi, EUA, 2017, 2h10min
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Thor, O Deus do Trovão, já teve duas aventuras solo no Universo Cinematográfico Marvel. Thor foi um filme de origem no máximo razoável. Sua continuação, Thor: O Mundo Sombrio, é um dos piores filmes da Marvel. Dessa vez, resolveram mudar completamente o tom sombrio e épico dos filmes anteriores em Thor: Ragnarok e acertaram em cheio ao torná-lo uma comédia de aventura sci-fi.

No filme, Thor é confrontado por uma vilã mais poderosa que ele, a Deusa da Morte Hela, e tem de impedir que ela destrua tudo por meio de sua versão particular do apocalipse, o Ragnarok. E no caminho encontra seu parceiro Hulk em um planeta que é um mix de Roma Antiga com Las Vegas e uns toques da Los Angeles decadente de Blade Runner. E isso não significa ser um filme sem comprometimento com seu universo cinematográfico, pois seus eventos serão fundamentais para a continuidade da série (a tradicional cena pós-créditos é obrigatória).

O filme adota um tom de aventuras divertidas dos anos 80, muito em voga hoje na esteria do sucesso de Stranger Things. Há toques de filmes da série Indiana Jones, já que o protagonista tem uma missão importante, mas sempre se envolve em confusões. Também há o visual futurista intergalátcio daquele período com armas de raio laser que remete a filmes pseudo-trash, como Flash Gordon e o lamentável Mestres do Universo. Certas piadas vão divertir muito os moleques de 12 anos, incluindo os que habitam dentro dos homens de mais de 30.

Sua produção é caprichada, como é praxe no universo da Marvel. Destaque para a trilha sonora fortemente influenciada pelo tecno pop dos anos oitenta, com batidas eletrônicas e excessos de sintetizadores, além das cenas de lutas em que toca o clássico Immigrant Song do Led Zeppelin, já tocada no teaser trailer. Os efeitos visuais também seguem o padrão de qualidade do estúdio e uma indicação ao Oscar nessa categoria é possível.

As atuações são boas. Chris HemsworthTom Hiddleston e Mark Ruffalo estão bem à vontade retomando seus papéis. O ótimo Idris Elba ganhou mais espaço aqui por conta de sua ascendente reputação. O canastrão Jeff Goldblum funciona muito bem como alívio cômico. E tem a fenomenal Cate Blanchett.

Thor: Ragnarok é um bom filme no qual todos os elementos se voltam exclusivamente para um fim: divertir e entreter seu público.

Nota: 7

26 de outubro de 2017

Blade Runner 2049

Admirável Mundo Retomado 

Dir: Denis Villeneuve, EUA, 2017, 2h44min
IMDB                 Trailer



Blade Runner foi uma filme revolucionário lançado em 1982. Apesar dos produtores terem criado uma edição cheia de bobeiras, como narrações em off (ou voice over), retirada de violência gráfica e um final "feliz", ainda assim chamou a atenção. Quando esses erros foram corrigidos na versão do diretor em 1992 o filme passou a ser considerado uma obra-prima pela crítica. A história passada em uma Los Angeles futurista distópica no então longínquo 2019 mostrava um mundo de grande avanço tecnológico e de retrocesso ambiental e social, em que humanos criados em laboratório, os replicantes, faziam os trabalhos indesejados, e caso saíssem da linha, eram caçados pelos blade runners. Blade Runner 2049, como indica o texto, irá contar uma história 30 anos à frente da original.

Como disse o diretor, o filme pode ser visto por quem não viu o original. Mas é fortemente recomendado ver o primeiro filme por dois motivos: é um obra-prima e vai ajudar muito na compreensão desse.

Na trama, o blade runner replicante K, após uma missão de "retirada" de outro replicante, descobre um grande mistério do passado envolvendo os replicantes e cuja revelação iria abalar profundamente as bases da sociedade. Como de costume em filmes de Denis Villeneuve, não darei maiores detalhes sobre a trama que vai se revelando aos poucos.

Aliás, é bom frisar esse ponto de "aos poucos". Para àqueles acostumados ao cinema de aventura atual, com ritmo alucinante, Blade Runner 2049 pode soar como um sonífero. Mas, novamente, isso é para quem está mal acostumado. O filme desenvolve-se lentamente, com um roteiro bem construído, mas está longe de ser enfadonho. Um toque de cinema de arte em um filme comercial, algo que poucos diretores são capazes de fazer e que poucos estúdios estão dispostos a bancar.

A trama retoma o questionamento sobre o que faz de uma pessoa algo diferenciado de outros seres. Se antes a análise era entre uma pessoa e um replicante, agora, que o replicante já passou a ser visto como pessoa, tenta se analisar se figuras digitais também são humanos. Dessa forma, há alguns ecos do excelente Ela. O filme, como o original, trata de temas religiosos, filosóficos, psicanalíticos e metafísicos. Não é nenhum tratado de nenhuma dessas coisas, mas, se tratando de cinema comercial, é um grande feito incluir tais assuntos. Também há fortes críticas sociais ao nosso estilo de vida, como o fato de usarmos produtos produzidos por mão de obra explorada que sabemos que existe mas que preferimos ignorar e ao consumo desenfreado, que em nada elevam a qualidade de vida.

Os atores estão todos bem. Ryan Gosling, muitas vezes criticado por parecer um robô, aqui é de fato um "robô" (muitas e muitas aspas aqui)! O que os que fazem tais críticas talvez não percebam sua sutileza ao interpretar personagens muito introspectivos, como ele fez em Drive. Ele controla bastante suas expressões, mas tem um olhar discreto que demonstra bem seu estado de espírito. Harrison Ford consegue dar sequência ao seu personagem Deckard, mostrando que os anos que se passaram lhe foram muito difíceis. Jared Leto está bem em seu papel de magnata megalomaníaco cruel e sofisticado criador dos replicantes mas tem pouco tempo em cena. A surpresa positiva fica com as belas mulheres em papéis coadjuvantes. Ana de Armas interpreta um sistema operacional visível por meio de projeção holográfica que parece mais real do que muitos personagens físicos. E a replicante interpretada por Sylvia Hoeks tem uma maldosa presença marcante.

A parte técnica é toda bem executada. A trilha sonora de Hans Zimmer é boa, mas não se compara a outros de seus trabalhos marcantes, como Batman: O Cavaleiro das Trevas e Dunkirk e muito menos à marcante trilha do filme original de Vangelis. A fotografia bem esfumaçada, sombria e com muito uso de cores vivas de Roger Deakins é ótima, mas faltou o impacto que a originalidade do primeiro filme oferecia. Aqui há maior presença de cenas diurnas, ao contrário do quase que exclusivamente noturno filme original. A edição apresenta o filme lentamente, permitindo ao espectador ir absorvendo completamente todas as informações passadas muitas vezes somente de maneira visual.

A impressão que fica é que os principais envolvidos como Villeneuve, Deakins e Zimmer ficaram presos demais ao filme original, faltando um pouco de criatividade que eles poderiam ter adicionado. Isso de maneira alguma representa que eles tenham feito um mal trabalho, mas que eles já fizeram coisas melhor e poderiam aqui também ter feito.

Na disputa do Oscar 2018 o filme deve receber indicações a melhor filme e melhor diretor e diversas indicações técnicas: trilha sonora, fotografia, efeitos visuais, design de produção, edição de som, mixagem de som e figurino. Pode, assim como Mad Max: Estrada da Fúria, ser o filme com maior número de prêmios ainda que não leve os prêmios mais nobres. Dificilmente terá seus atores indicados, mas pode ser que algum lobby forte tente dar uma indicação ao carismático Harrison Ford.

Blade Runner 2049 é um ótimo filme que traz elementos do cinema de arte para um filme de apelo comercial. Poderia ter se desprendido um pouco mais do filme original, mas ainda assim oferece um produto de ótima qualidade.

Nota: 8


P.S: Recentemente fiz uma análise de todos os filmes mais comerciais de Denis Villeneuve. Clique nos títulos para ler sobre Incêndios, O Homem Duplicado, Os Suspeitos, Sicario e A Chegada.

3 de outubro de 2017

Os Suspeitos

Justiça?

Prisoners, Dir: Denis Villeneuve, EUA, 2013, 2h33min
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Para salvar um filho, vale tudo? E se valer, vai funcionar? 

Após Sicario, O Homem Duplicado, A Chegada e Incêndios concluo a análise da filmografia mais conhecida (ficaram de fora curtas e filmes independentes bem pouco divulgados) de Denis Villeneuve com sua primeira produção hollywoodiana, Os Suspeitos, na preparação para a estréia nesta semana da continuação de um dos maiores cults dos anos 80, Blade Runner 2049

Na trama, duas meninas vizinhas desaparecem misteriosamente no Dia de Ação de Graças quando dão uma rápida saída de casa. Seus pais começam a busca, e um deles, achando que a polícia fica presa demais a normas processuais e não pressiona suficientemente o principal suspeito, decide resolver as coisas a seu modo. Assim, o filme funciona como uma discussão do conceito de justiça, direitos humanos e eficácia dos métodos.

Como sempre ocorre no cinema de Villeneuve, não se pode dar muitos detalhes do que ocorrerá, pois o mistério é sua argamassa.

Tudo no filme é muito ordinário, não no sentido atribuído pelo Cumpadi Washington, mas no sentido de dentro do comum. É uma história de pessoas comuns defrontadas com um grande e inusitado desafio, que pode acontecer em qualquer lugar. O roteiro capricha em tornar única uma história de gente como a gente.

Mais uma vez, Villeneuve dá aula de como manter a tensão e o mistério ao longo de todo um filme, dando pequenas indicações para o espectador montar o enigma final. 

A fotografia de Roger Deakins é fantástica. Ele tira leite de pedra em meio a esse ambiente ordinário, pois não há locações ou cenários deslumbrantes. O que se destaca são seus enquadramentos pouco convencionais, muito criativos, comprovando a máxima de que um bom fotógrafo faz fotos boas até mesmo dentro de seu banheiro. Suas credenciais são as melhores possíveis. Ele recebeu 13 indicações ao Oscar, nos últimos 22 anos e não levou nenhuma, o que pode mudar com Blade Runner 2049.

A dupla de protagonistas Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal vai muito bem, como homens rudes mas corretos. Nisso o personagem de Jackman traz ecos de Wolverine. Destaque também para Melissa Leo e o sempre competente Paul Dano dando vida a mais um personagem exótico.

Os Suspeitos, fechando a análise da cinematografia mais conhecida de Villeneuve, comprova que o diretor só fez filmes bons. Razão pela qual se deve dar muita atenção a tudo que ele faz.

Nota: 8


P.S: Em breve, sai o pitaco de Blade Runner 2049.

28 de setembro de 2017

Incêndios

Em Busca do Passado 

Incendies, Dir: Denis Villeneuve, Canadá/França, 2010, 2h11min
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Quem somos? Essa é uma das perguntas fundamentais da humanidade, seja como grupo seja como indivíduos. É curioso como tal questão incomoda a qualquer um, ainda que seja um adulto bem resolvido. E para responder tal questão precisamos conhecer nossas origens. Esse é o tema de Incêndios.

A trama mostra a saga de dois irmãos gêmeos canadenses, Simon e Jeanne, que na leitura do testamento de sua mãe recebem duas tarefas: encontrar seu pai que eles achavam já estar morto e também encontrar seu irmão, cuja existência eles desconheciam. Assim eles partem em jornada para o Oriente Médio, terra onde sua mãe viveu a maior parte da vida em busca de reconstruir seu passado e buscar as pistas de seu pai e de seu irmão, enquanto a narrativa deles se intercala com a do passado de sua mãe.

Não há mais muito a contar da trama sob risco de spoilers. O filme é roteirizado e dirigido por Denis Villeneuve, um dos melhores diretores do cinema atual. Aqui no Pitacos já foram analisados 3 filmes dele: A Chegada, Sicario e O Homem Duplicado. Na próxima semana sai a análise de Os Suspeitos,  e logo depois o pitaco sobre seu novo filme Blade Runner 2049, que estréia em 5 de outubro, fechando sua filmografia de maior destaque. 

Como é comum no cinema de Villeneuve, o espectador fica cheio de dúvidas sobre o que está acontecendo. Há algumas poucas peças dadas em um grande quebra-cabeças a ser montado, que no final se revela por inteiro (o que alguns acusam de ser uma forma vulgar de fazer cinema de arte). Essa técnica de ir entregando as peças aos poucos faz com que Villeneuve seja provavelmente o melhor diretor da atualidade na arte de provocar tensão no espectador.

O filme é tenso e misterioso e vai se revelar extremamente pesado. Exige que o espectador esteja preparado para ver o pior da humanidade, como em Sicario.

Também se destaca sua predileção por mulheres como protagonistas e a proximidade que ele coloca entre a câmera e os atores, criando um ambiente intimista, que coloca o espectador bem próximo dos dramas dos personagens centrais. Roteiro e direção se encaixam perfeitamente bem. Não há cena e nem diálogo gratuitos. Às vezes uma cena fica um pouco solta na narrativa, mas será encaixada posteriormente.

Nas atuações destaca-se a intérprete da mãe, interpretada por Lubna Azabal, mostrando várias etapas na vida da protagonista, desde um passado sonhador, passando por uma fase guerreira e um final de ressentimentos.  

Incêndios é um filme instigante e pesado. Não é pra qualquer um ou para qualquer momento, pois deixará seu espectador atordoado ao final. Mas é uma grande obra de um grande diretor.

Nota: 8

1 de agosto de 2017

Dunkirk

Encurralados 

Dir: Christopher Nolan, Reino Unido e outros, 2017, 1h46min
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Adrenalina pura. É isso que entrega um dos principais lançamentos do ano, Dunkirk.

Prova de que o filme está apoiado na tensão é o fato de que se poderia contar todos os spoilers que não estragariam nada (mas relaxem que aqui não terá spoilers). A tensão no espectador não reduziria em saber o que vai acontecer. O foco aqui é a ação.

O filme retrata o desfecho do baile tático que os exércitos alemães impuseram aos aliados na 2ª Guerra Mundial, cercando-os contra o mar próximos à fronteira franco-belga na cidade de Dunquerque (aliás, o título nacional poderia ter usado a grafia em português do nome da cidade, como fizeram os países francófonos e hispanófonos).

A trama é pouco importante, assim como seus personagens que não tem nenhum desenvolvimento significativo. E isso não se deve a desleixo de roteiro, mas é intencional. Importante observar isso, pois critiquei muito Rogue One especialmente pela falta de empatia dos personagens. A diferença é que ao contrário de Dunkirk, o spin-off de Star Wars quis criar personagens que cativassem o público, mas falhou.

O diretor e roteirista Christopher Nolan não quer particularizar nenhuma história, mas mostrar diversos homens (e algumas mulheres fazendo figuração) tentando sobreviver em meio ao caos. Não há espaço para histórias de amor, como o patético Pearl Harbor, ou para sentimentalismos como no ótimo O Resgate do Soldado Ryan. Aqui há a brutalidade da guerra, e, diferentemente de títulos do gênero, sem sanguinolência e sem americanos. Também os vilões não são personificados, nenhum rosto alemão é mostrado. Temos mais medo do que não vemos. Basta lembrar de o quanto Tubarão é assustador, em que o peixe assassino só "dá as caras" ao final do filme. 

O filme é intenso ininterruptamente ao longo de suas quase duas horas. Se a cena inicial de O Resgate do Soldado Ryan ainda hoje impressiona com seus 27 minutos de batalha, aqui, após o primeiro tiro disparado em menos de um minuto de projeção, a batalha prolonga-se por todo o filme. Batalha, aliás, é um nome impróprio, pois é uma fuga sob pesado fogo inimigo, em que quase que um lado só ataca.

O ponto negativo na estrutura é o tempo que é um pouco confuso. Já no início os créditos indicam que em terra o tempo foi de uma semana, no mar foi de um dia e no ar de uma hora. Essas três tramas temporais de compassos completamente diversos correm em paralelo, se encontrando ao final. A costura é até bem feita, mas em alguns momentos cenas já mostradas são exibidas de um ponto de vista diverso, gerando uma dúvida se a cena é nova ou se realmente é aquela já vista.

Os combates aéreos são os melhores já vistos no cinema, superando o clássico Top Gun. As cenas que mostram os ataques dos célebres caças de mergulho Stuka nos fazem entender o porquê esses aviões eram tão temidos pelas tropas inimigas.

Em um filme com personagens sem grande importância, as atuações também não causam impacto, apesar de alguns nomes de destaque no elenco. Curioso notar que o papel que Nolan costuma reservar a Michael Caine, o do tiozão que explicará didaticamente o plano e o cenário, aqui fica para Kenneth Branagh, vivendo o comandante da marinha que conta ao espectador o que o alto comando britânico planeja. E Tom Hardy segue sendo melhor ator de máscara do que de cara limpa.

Nolan, apesar de estar longe de ser o maior diretor de todos os tempos, como querem seus fan-boys, é um dos maiores realizadores do cinema atual. Um diretor pode ser considerado bem sucedido quando consegue fazer com que o espectador sinta o que ele deseja. E isso ele faz com maestria, levando o público para a retirada da Operação Dínamo.

A trilha sonora do mestre alemão Hans Zimmer impressiona. Os sons de um crescendo que nunca se realizam acompanhados por um tique taque incessante provocam profunda angústia no espectador. Não há respiro ou baixa de adrenalina ao longo da projeção. Aliás, não só a trilha sonora é boa, todo o som desse filme é exemplar, uma aula de quanto o som pode mexer com a platéia. 

A cinematografia é arrebatadora. Isso em um cenário um tanto monótono, em que só há uma praia comum, céu, mar e alguns barcos e aviões. Pontos para o ótimo diretor de fotografia suíço Hoyte Van Hoytema, que tem vários belos filmes no currículo e deve receber sua primeira indicação ao Oscar com esse trabalho.

Falando no prêmio da Academia, o filme está largando na frente na corrida para ser o campeão em prêmios da próxima edição, resta saber se não perderá força até março. Certamente receberá diversas indicações nas categorias técnicas (e vencerá várias), assim como também deve receber indicações de direção e melhor filme. Conta a favor o fato da Academia estar querendo dar o prêmio principal para uma produção grande e assim agradar público e estúdios, e não só a crítica, coisa que não ocorre desde a vitória de O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei em 2004.

Dunkirk é uma experiência cinematográfica única, apoiado por sua excelência visual e sonora e por sua narrativa pouco convencional em filmes do gênero. Um raro filme que consegue ser tanto um blockbuster de verão recheado de explosões quanto um filme de arte. Um tipo de filme que se perdeu ao longo dos anos.

Nota: 9

27 de julho de 2017

Homem-Aranha: De Volta ao Lar

O amigo da vizinhança 

Spider-Man: Homecoming, Dir: Jon Watts, EUA, 2017, 2h13min
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Sabe aquela sensação de passar duas horas no cinema e sair pensando: "Que filme legal!"? Pois é, um dos melhores exemplos de filmes assim é essa nova aventura do amigo da vizinhança Homem-Aranha: De Volta ao Lar.

Alguns podem pensar: "Mas de novo? Esses dias mesmo teve um monte de filme do Homem-Aranha". Pois é... Eu também estava desconfiado, pois na trilogia protagonizada por Tobey Maguire houve uma queda brusca no último filme Homem Aranha 3 (após 2 filmes excelentes). Posteriormente fizeram mais dois filmes retomando a história de origem do personagem com Andrew Garfield. Só vi o começo do primeiro e desisti ao ver que era a mesma história contada poucos anos antes (Peter Parker descobrindo seus poderes, Tio Ben morrendo, etc...).

Agora é diferente. Esse novo Homem-Aranha já foi rapidamente apresentado em Capitão América: Guerra Civil e irá ser mostrada sua rotina quase comum de estudante adolescente.

Para isso, optou-se por praticamente fazer um filme adolescente, com forte inspiração nas produções do gênero dos anos 1980, especialmente nas de John Hughes (há um trecho mostrando Curtindo a Vida Adoidado na TV assim como há uma cena de detenção escolar que lembra Clube dos Cinco).

Peter Parker não é um adolescente seguro e confiante, quase um adulto. É um moleque inseguro e atrapalhado, ainda tentando achar o seu lugar no mundo, que passa muito tempo pensando em que roupa vestir para chamar a atenção da menina por quem é apaixonado e que não sabe se impor quando precisa.

E desse despreparo juvenil brota quase todo humor do filme. As trapalhadas de Peter/Aranha são um misto de imaturidade com inabilidade. O filme é muito engraçado, com um humor leve, nada como as piadas pesadas e forçadas de Deadpool.

E mesmo sendo adolescente, ele ainda é o Homem-Aranha. Só que não um super-herói preparado, seguro e que enfrenta grandes desafios, mas um garoto que resolve os pequenos crimes do seu bairro, como impedir roubos de bicicleta.

Há a ligação com o Universo Cinematográfico Marvel, com menção a vários episódios ocorridos em filmes anteriores. No entanto, a história é bem independente. Quem não viu nenhum filme da Marvel não terá problema algum em entender a trama. Quem viu os outros tem mais elementos, especialmente para entender os personagens secundários na história, como Tony Stark/Homem de Ferro, que cada vez mais vai deixando seu lado playboy irresponsável e se tornando uma figura paterna.

A linha de história de homens comuns se mantém também com o vilão Abutre. Apesar de poderoso, não é um maníaco prestes a destruir o mundo. É um homem ordinário que se sentiu vítima do sistema e quer resolver seus problemas por conta própria.

Os atores principais dominam seus personagens. Tom Holland dá vida ao melhor Peter Parker das telas. E o grande Michael Keaton faz um vilão com traços bastante humanos, que em certos momentos leva ao questionamento de se ele é o vilão ou o herói.

A direção e a produção são caprichadas, como é praxe na Marvel. A fotografia é colorida ajudando a dar leveza e juventude ao filme. As sequências de ação são boas, apesar de em alguns momentos o CGI do personagem do Homem-Aranha ser um pouco nítido demais, perdendo o realismo, que era mais presente na primeira trilogia do herói, na qual usaram mais filmagem de dublês do que personagens criados por computador. Ainda assim, tais falhas não estragam o filme.

Homem-Aranha: De Volta ao Lar é certamente um filme feito para dar dinheiro, não para ser uma obra de arte. Mas é desses em que os produtores ganham dinheiro fazendo um produto de ótima qualidade (ganhando ainda mais dinheiro). Entretenimento de primeira. Um filme necessário.

Nota: 8

30 de junho de 2017

Mulher-Maravilha

Super Mulher 

Wonder Woman, Dir: Pat Jenkins, EUA, 2017


A DC Comics segue tentando fazer com que seu universo cinematográfico rivalize com o da arquirrival Marvel. Após 3 tentativas de médias pra baixo (O Homem de Aço, Batman vs Superman e Esquadrão  Suicida) finalmente o estúdio achou o tom com a mais icônica heroina feminina, a Mulher-Maravilha.

O filme conta a história de origem da Princesa Diana da Ilha de Temiscira, local existente em uma dimensão paralela e habitado somente por bravas guerreiras. A paz do local é quebrada durante a Primeira Guerra Mundial, quando o piloto americano Capitão Steve tem seu avião abatido e acaba atravessando o portal dimensional que leva a Ilha, levando em seu encalço vários marinheiros alemães que o perseguiam.

Após esse encontro Diana fica convencida de que o conflito é causado pelo Deus da Guerra Áries e que somente ela pode impedi-lo e encerrar sangrento conflito. 

Pois bem, lendo assim, a trama, apesar de fantasiosa, é simples. Pois não só parece, mas de fato não há nada de enrolado no desenvolvimento da narrativa, e esse é o maior acerto do filme. Uma história simples, envolvente e bem desenvolvida. 

Isso não isenta o filme de problemas. Um dos mais destacados é a falta de recursos interpretativos da protagonista, Gal Gadot. Não chega a ser um grave problema, pois o filme não precisa de muito mais do que uma protagonista bonita e simpática, mas em alguns momentos percebe-se, em meio a suas caras e bocas para fotos, que ela é uma miss tentando ser atriz.

Outro ponto que é sempre destaque negativo em produções da DC é o confronto final recheado de CGI com fogo e destruição que gera umas catarse visual que nada acrescenta ao drama e polui visualmente a cena.

Mas em muitos outros pontos a produção acerta. Ao contrário dos últimos Batman e Superman, que questionam seu papel de herói, a Mulher-Maravilha jamais reflete sobre seu papel de salvadora. Ela é uma heroína e enfrentará grandes perigos se colocando em risco por puro altruísmo. Ponto. E essa é a força simbólica de um herói. 

Algumas cenas de ação são muito bem elaboradas, com destaque para o confronto das amazonas e para a travessia de Diana pelas trincheiras do Fronte Ocidental. 

E outro detalhe importantíssimo, as cores. A DC gostou do tom sombrio do Batman e o tornou padrão em todos os seus filmes. Mas a paleta escurecida não combina com heróis solares como Superman e Mulher-Maravilha. As cenas na Ilha tem uma belíssima cinematografia. 

Mulher-Maravilha é o primeiro acerto da DC nesse seu universo cinematográfico compartilhado. Tomara que não seja o único. A conferir com a breve estréia da Liga da Justiça. 

Nota: 7

31 de maio de 2017

Cantando na Chuva

I´m Singin´ in the Rain

Singin´ in the Rain, Dir: Gene Kelly/Stanley Donen, EUA, 1952, 1h43min
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Na temporada que antecedeu o Oscar 2017 tivemos uma grande polêmica envolvendo La La Land. Uma das principais críticas era que o filme seria uma imitação ruim do clássico dos clássicos Cantando na Chuva. Então vamos beber na fonte e saber mais sobre o musical mais famoso do cinema e depois voltamos à essa conversa sobre o filme que ganhou o Oscar 2017 (só que não).

Cantando na Chuva foi rodado no longínquo 1952, época em que nomes como Fred Astaire, Frank Sinatra e Gene Kelly arrastavam multidões aos cinemas para vê-los dançando e cantando. E engana-se quem imagina que um filme com quase 70 anos (contando uma história 20 anos mais velha) deve só uma comediazinha inocente. Desde a primeira cena percebe-se a fortíssima ironia do filme com todo o falso glamour e as notícias inventadas que rondam a indústria de celebridades do cinema. 

O filme acompanha a transição da era do cinema mudo para o cinema falado, sob a perspectiva do maior astro hollywoodiano, Don Lockwood (Gene Kelly). Em seu percurso ele terá de lidar com sua irritante parceira de telas Lina Lamont (Jean Hagen) e com seu novo amor Kathy Selden (Debbie Reynolds), sempre ao lado de seu fiel escudeiro Cosmo Brown (Donald O´Connor).

Apesar de hoje parecer algo trivial, a inclusão de som ambiente ao cinema modificou completamente a indústria. A técnica teve de ser modificada pois alguns equipamentos eram tão barulhentos que tiveram de ser retirados de cena. E, especialmente, os atores, que limitavam-se à pantomima, ou seja, gestos, movimentos e expressões faciais (muitas vezes exageradas) tiveram de aprender a decorar textos e usar sua voz. Muitos, como a antagonista do filme, não conseguiram. Sobre o tema do fracasso da adaptação ao cinema falado há filmes como O Artista e Crepúsculos dos Deuses.

Embora a sonorização dos filmes tenha seu lado melancólico, Cantando na Chuva é totalmente alto-astral. A antagonista que não se adapta não é uma personagem carismática de quem o espectador sentirá pena. Ao contrário. É uma mulherzinha sem talento, chata e mesquinha e que todos querem que se dê mal.

Ao contrário do que se possa imaginar, um musical não é somente um somatório de vários números de música e dança. Claro que há várias sequências assim, mas há uma história bem elaborada sendo contada por meios narrativos convencionais.

O elenco do filme é ótimo. Gene Kelly tem um carisma poucas vezes visto nas telas e mostra porque é considerado um dos melhores dançarinos das telas. Debbie Reynolds (que morreu recentemente dois dias após sua filha Carrie Fisher) dá vida a uma garota comum, simples e cativante. E Donald O´Connor une técnica e humor circense - e a música tema Make ´em Laugh de seu número solo fará com que os mais velhos se lembrem do clássico tema do programa do Bozo, Sempre Rir.

A produção é bastante caprichada, com cenários grandiosos bem construídos e rico figurino. A fotografia abusa das cores vibrantes e tem ótimos movimentos de câmeras para acompanhar as coreografias.

Quanto à comparação com La La Land, o que se deve fazer é analisar cada um a seu tempo. Ambos tem boas histórias, por mais que sejam comuns. E não se pode exigir dos atores do mais recente que sejam referências em canto e dança, pois a formação destes não é a mesma que teve Gene Kelly. E , o principal aqui, La La Land nunca renegou a influência dos musicais clássicos e especialmente de Cantando na Chuva.

Cantando na Chuva é um marco no cinema. Além de sua produção impecável há de se destacar seu ótimo astral e seu humor constante que fazem os espectadores terem um divertimento de excelente qualidade.

Nota: 10

11 de abril de 2017

T2 Trainspotting

Nostalgia careta

Dir: Danny Boyle, Reino Unido, 2017, 1h57min
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Trainspotting é um clássico cult dos anos 90. Filme marcante na vida de muitas pessoas na faixa dos 30 a 40 anos, que viram cenas pesadíssimas de consumo de heroína e das alucinações causadas por ela em sua adolescência - há até quem diga que o impacto do filme as impediu de se aventurarem em drogas pesadas. Se você ainda não viu (tem na Netflix), veja antes de ver este, pois a trama deste é profundamente dependente da primeira parte. Clique aqui para ler o pitaco do primeiro.

T2 Trainspotting continua a história dos quatro personagens principais 20 anos após a traição de Renton ao final do primeiro filme e o reencontro/acerto de contas entre eles.

A trama tomou elementos tanto do livro homônimo em que se baseou o filme original quanto de sua sequência Pornô (que se passa 10 e não 20 anos após os acontecimentos da história original). Isso fica claro na medida em que não há eventos somente ocorridos neste reencontro, mas a origem do relacionamento dos personagens também é mostrada em cenas de suas infâncias e adolescências.

Há primeira coisa que se nota em T2 é  fato de fazer muitas referências ao primeiro filme, seja por meio de flashbacks, cenas passadas nos mesmos lugares e situações semelhantes. Por exemplo, a marcante cena de Renton sendo atropelado da sequência inicial do primeiro filme é mostrada tanto em flashback como reencenada. 

O filme é permeado pelo clima de reencontro de amigos (ou inimigos) que lembrou até mesmo filmes bobos como American Pie: O Reencontro. Por boa parte da narrativa parece até mesmo que o filme não tem uma história própria a contar, o que, felizmente, depois acaba se ajeitando.

Por conta disso, T2 em alguns momentos parece ser somente uma homenagem ao primeiro filme. E esse é seu maior erro. Há ali uma história própria surgida no reencontro entre os personagens. Mas a necessidade de reviver a história anterior parece falar mais alto. Pelo menos há uma autocrítica no próprio filme quando Sick Boy diz a Renton que ele foi fazer turismo em seu passado.

T2 segue seu antecessor ao manter o questionamento à sociedade capitalista ocidental contemporânea e seu consumismo. Aqui atualizado para a era digital, já que o reconhecimento social das redes sociais se tornou mais relevante até do que o conforto material. Mas perde a originalidade parecendo apenas requentar aquela ideia e o famoso discurso do Choose Life.

Um dos pontos altos do filme é a sensação de envelhecimento sentida pelos personagens. Aos 20 e poucos tinham a vida pra viver (ainda que só quisessem se dopar). Aos 40 e muitos mais se ressentem pelos erros do que tem expectativas no futuro. Os personagens também ganharam mais peso dramático. Sick Boy (Johnny Lee Miller) ainda que seguindo com seu cinismo e exibicionismo tornou-se mais ressentido. A violência psicopata de Begbie (Robert Carlyle) subiu de nível motivada pelo ódio vingativo dirigido a Renton (Ewan McGregor), que segue sendo o cara mais normal do grupo e o condutor da trama, agora mais careta. Spud (Ewen Bremner) foi quem mais ganhou na trama, deixando de ser só um coitadinho meio atrapalhado e revelando ser um cara profundamente atento aos acontecimentos que se passam à sua volta e que sofre muito pelos efeitos sociais de seus muitos anos de dependência química.

O diretor Danny Boyle, que na época do lançamento do primeiro filme era visto com um dos mais promissores cineastas britânicos e que veio a ganhar o Oscar por Quem Quer Ser um Milionário?,parece ter perdido sua originalidade com o envelhecimento, apenas reciclando algumas de suas idéias do filme anterior, faltando até mesmo o ritmo frenético da edição que caracterizou o primeiro filme.

Na comparação com o original o filme fica muito distante em qualidade. Trainspotting foi um filme revolucionário, um divisor de águas entre anos 1990 e 2000, era em que a internet era uma novidade que ainda causava pouco impacto à vida cotidiana. Seu tema, sua trama, sua cenas fortes, seus momentos surreais, seus personagens cheios de defeitos, sua edição e sua estética fugiam completamente ao padrão. Desde então é considerado um dos 10 maiores filmes britânicos. T2 é um bom filme, mas assim como O Poderoso Chefão 3, há um abismo de qualidade entre ele e seu original, pois bons filmes não se comparam à obras primas.

T2 Trainspotting é nostálgico, saudosista e autorreferencial além do que deveria ser e não se compara ao original. Um filme para velhos lembrarem seus tempos gloriosos e perceberem que o tempo passou. Mas ainda assim é uma boa experiência cinematográfica aos fãs da velha turma de junkies. 

Nota: 7

28 de março de 2017

Logan

O peso dos anos 

Dir: James Mangold, EUA, 2017, 2h17min
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Após duas história muito abaixo do que o personagem merece, Wolverine está de volta na história que leva o nome que ele adotou pela vida Logan.

Na trama, passada em 2029, os mutantes foram praticamente exterminados e os poucos remanescentes vivem no anonimato, dentre eles Wolverine e o Professor Xavier, sofrendo de doenças mentais. Logan tenta viver uma vida ordinária como motorista de limusine na fronteira do México com os EUA, quando uma mulher chega até ele pedindo para ele salvar uma criança mutante, Laura (X-23), que tem os mesmos poderes de Wolverine e está sendo perseguida por um exército de mercenários.

No filme vemos um Wolverine envelhecido, cansado e amargurado por seus anos de violência e amores frustrados. Por conta disso está relutante em se envolver em qualquer jornada heroica ou desenvolver qualquer relação afetiva. Mas vários fatos vão mudando suas ideias e vão despertando o herói adormecido.

O roteiro é bom e foge do padrão de filmes de super-heróis de primeiro se pensar em várias cenas de ação e depois se colocar um roteiro para dar coesão. Aqui o roteiro e o desenvolvimento dos personagens são mais importantes. É uma história bastante introspectiva, incomum para o gênero. E a tristeza, a dor e o sofrimento darão o tom em toda a projeção.

Hugh Jackman tem um grande filme para se despedir do personagem que defendeu por 17 anos. O trabalho de ator aqui é de longe o mais exigente já enfrentado por ele como Logan. Wolverine sempre sofreu, mas aqui a intensidade é ainda maior e o peso dos anos fez com que ele estivesse conformado e tentando se manter alheio ao sofrimento. Patrick Stewart também tem um novo relacionamento com o Professor Xavier, pois aqui ele deixou de ser o líder super centrado de sempre, se tornando um velho gagá resmungão. E a menina Dafne Keen encanta com seu olhar expressivo ainda que quase não fale no filme.

A produção é caprichada, imprimindo um tom sujo ao filme. Não é um típico filme de herói colorido, mas um filme meio western meio road movie, áspero e seco, especialmente considerando o cenário do Oeste dos Estados Unidos, de El Paso até a fronteira norte com o Canadá. As cenas de ação são bem conduzidas e finalmente um personagem que tem 6 garras afiadas como espadas tira sangue de seus inimigos. Muito sangue.

Logan é um bom filme de herói e uma merecida despedida de Hugh Jackman do papel. Os fãs agradecem.

Nota: 8

14 de março de 2017

Silêncio

Homens de Fé

Silence, Dir: Martin Scorsese, EUA/Taiwan/Mexico, 2016, 2h41min
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Até onde uma pessoa pode resistir a castigos físicos e psicológicos em nome de um ideal? Este é o tema central do novo filme de Martin Scorsese, Silêncio.

Na trama, dois padres jesuítas portugueses partem para o Japão feudal do século XVII em busca de seu mentor que há anos está desaparecido no país. Lá irão encontrar uma nação completamente fechada à influência estrangeira e em processo de inquisição budista contra o cristianismo, torturando sistematicamente seus seguidores. Os poucos cristãos tem que professar sua crença no mais absoluto sigilo, lembrando o cristianismo dos primeiros dias das catacumbas romanas. Os padres terão de viver nas sombras para não serem pegos pelo poderoso inquisidor local.

A primeira coisa a se saber antes de assistir ao filme é que se precisa estar bem acordado. O filme é extremamente escuro e lento, com um demorado desenvolvimento da trama, um convite ao sono. Scorsese tem filmes muito dinâmicos, como Os Bons Companheiros e O Lobo de Wall Street, mas também tem filmes desse tipo lento. Infelizmente este não segue o exemplo do ótimo Touro Indomável, mas fica mais para o monótono O Aviador.

Além do tema da resiliência (aqui como a resistência ao sofrimento em meio a muitas torturas), há também questionamentos sobre a fé (existe mesmo Deus ou se está rezando para o Silêncio?) e sobre como se deve viver, se aceitando as regras do mundo e traindo seus ideias ou se mantendo-se fiéis a suas crenças e vivendo em conflito com o sistema. Há muito de espiritual aqui mas Scorsese não quis fazer uma ode ao cristianismo, mas sim uma análise da disposição de um homem em defender seus valores frente a gigantes obstáculos.

O elenco é competente, com Andrew Garfield, Liam Neeson e Adam Driver nos papéis principais. Garfield tem um papel cujas linhas mestras lembram muito as de seu outro trabalho recente, Até o Último Homem, o de um sujeito que leva sua defesa da fé até as últimas consequências. E Neeson, após muitos anos fazendo filmes de ação, voltou a ter um papel decente que poderia até ter sido lembrado no Oscar.

A direção de Scorsese é bem cuidada, como sempre. Como dito, o maior problemas técnico é sua edição que abusa de tomadas muito alongadas e monótonas. A fotografia é bem acinzentada, representando tanto a ambiguidade do local como seu lado sombrio. Apesar de sua qualidade, não merecia a indicação ao Oscar recebida, que deveria ter ficado com Animais Noturnos.

Silêncio é um bom filme com seus questionamentos sobre a disposição humana, mas bastante difícil. Violento, espiritual e reflexivo. Não tem valor nenhum como entretenimento pois não agrada nem um pouco a quem quer "se divertir". E seu pior defeito é ser bastante cansativo.

Nota: 7

26 de fevereiro de 2017

Oscar 2017: Apostas

And the Oscar Goes To...

Após finalizada a Maratona do Oscar 2017, vamos às apostas e ao votos do Pitacos nas principais categorias de longas.

Melhor Filme

Vencedor: La La Land
Pitacos escolhe: A Chegada

Desde antes da temporada de premiações La La Land era apontado como o filme a ser batido. E após ganhar todas as premiações já tem um Oscar quase certo. Será merecido, pois é um filmaço, por mais que digam que musical é ruim, que é filme de brancos, que é filme de menina ou que é só uma cópia de grandes musicais do passado. O único filme que parece que teria forças para batê-lo é o elogiado Moonlight.
No entanto, A Chegada é um filme que mexe com nossa própria noção de entendimento do mundo. Um filme que nos deixa atordoado ao final e que é muito bem executado.
Como esta é a categoria principal, segue a lista de preferências (os dois últimos filmes sequer deveriam estar na disputa): 

Diretor

Vencedor: Damien Chazelle - La La Land
Pitacos escolhe: Idem

Chazelle e Vileneuve (A Chegada) são dois monstros. Seria legal se dividissem o prêmio. Mas o jovem Chazelle irá levar e merece pelo virtuosismo que é La La Land.


Atriz Principal

Vencedora: Emma Stone - La La Land
Pitacos escolhe: Isabelle Hupert - Elle

Categoria disputada entre Stone, Huppert e Portman. Apesar de ser fã de Natalie Portman, não gostei muito dela como Jackie. Huppert se sobressai fazendo uma mulher cheia 


Ator Principal

Vencedor: Denzel Washington - Um Limite Entre Nós
Pitacos escolhe: Casey Affleck - Manchester à Beira-Mar

O irmão mais novo do Ben Affleck, que era prêmio quase certo, perdeu força por conta da acusação de assédio sexual de 7 anos atrás. Seria o merecedor, mas Denzel Washington fez um ótimo trabalho ficou muito forte após ganhar o SAG Awards e pode entrar na seleta lista de vencedores do Oscar por 3 vezes.


Atriz Coadjuvante

Vencedora: Viola Davis - Um Limite Entre Nós
Pitacos escolhe: Naomie Harris - Moonlight

Davis está ótima em Fences e vai ganhar o prêmio. Mas Naomie Harris também fez um trabalho cheia de nuances em Moonlight e ganha meu voto.


Ator Coadjuvante

Vencedor: Mahershala Ali - Moonlight
Pitacos escolhe: Michael Shannon - Animais Noturnos

Mesmo com pouco tempo de tela, Ali fez um belo trabalho e é prêmio certo. Shannon foi mais um que deu show no elenco do subestimado Animais Noturnos.


Roteiro Original

Pitacos escolhe: O Lagosta

Manchester disputa o prêmio com La La Land. A originalidade de O Lagosta merecia levar.


Roteiro Adaptado

Vencedor: Moonlight
Pitacos escolhe: A Chegada
O roteiro cheio de drama e instrospecção de Moonlight é franco favorito. Mas o roteiro espetacular de A Chegada merecia. 


Edição

Vencedor: La La Land
Pitacos escolhe: Idem

A edição de La La Land é essencial para dar seu ritmo alegre e deve levar. Mas quem deveria estar nesta lista e ganhar seria a brilhante edição de Animais Noturnos, que mantém a tensão do espectador no filme todo.


Fotografia

Vencedor: La La Land
Pitacos escolhe: Idem

Um show, com seus planos sequência, cores vivas e câmera flutuando pelos cenários. Se não ganhar é zebra. 


Canção Original

Vencedora: "City of Stars" - La La Land
Pitacos escolhe: Idem
Uma canção memorável, que se sai do cinema querendo cantá-la. Prêmio garantido e uma canção que será lembrada por muitos anos.


Figurino

Vencedor: La La Land
Pitacos escolhe: Idem
As roupas de Mia e Sebastian fazem parte da história. O único concorrente com chances é Jackie.


Mixagem de Som

Vencedor: La La Land
Pitacos escolhe: Idem

Impossível um musical bem feito perder aqui.


Edição de Som

Pitacos escolhe: A Chegada

Filmes de guerra necessitam de criação de sons mais do que qualquer tipo. Mas os sons diferentes dos ETs mereciam mais.


Efeitos Visuais

Vencedor: Mogli - O Menino Lobo
Pitacos escolhe: sem voto

A disputa é entre Mogli e Rogue One. Como este é o único indicado que vi, não voto.


Design de Produção

Vencedor: La La Land
Pitacos escolhe: Idem

Uma aula de cenografia. Prêmio certo. 


Trilha Sonora

Vencedor: Justin Hurwitz - La La Land
Pitacos escolhe: Idem

Precisa discutir?


Longa Estrangeiro

Vencedor: O Apartamento
Pitacos escolhe: sem voto
Disputa entre Toni Erdmann e O Apartamento. Se o último ganhar é pelo voto político. Não voto porque só vi este, é um bom filme, mas nada fora do comum.


Animação

Vencedor: Zootopia
Pitacos escolhe: sem voto

Zootopia está com o prêmio quase garantido. Não vi nenhum e não voto.

É isso. Cerimônia ao vivo na TNT, pra quem não for pra farra e nem ficar de vouyeur vendo desfiles de carnaval. Pelo menos dá pra ficar acordado até as 3 e pouco e dormir até mais tarde.

Vou postar uns pitacos ao vivo no Twitter.  https://twitter.com/PitacosCine