20 de outubro de 2015

Que Horas Ela Volta?

Quase da Família

Dir: Anna Muylaert, Brasil, 2015, 112min
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Muito elogiado pela crítica e pelo público e indicado brasileiro para entrar na lista dos concorrentes ao Oscar 2016, Que Horas Ela Volta? conta a estória de Val (Regina Cazé), uma migrante nordestina que trabalha como empregada doméstica em uma mansão paulistana.

Após 10 anos sem se encontrar com sua filha adolescente que deixou no Nordeste, Jéssica (Camila Márdila), a garota decide ir a São Paulo para prestar o concorrido vestibular para arquitetura na USP. Sua chegada irá perturbar todo o ambiente da casa onde Val trabalha,  conduzindo a trama.

O filme trata sutilmente de problemas da sociedade brasileira, como a desigualdade social e a desintegração familiar, focando na complicada relação entre patrões e empregados. Ao mesmo tempo em que há submissão há um estranho afeto, o popular "ela é quase da família". A análise não se restringe só aos problemas criados pelos patrões, mas tambem nos criados pelos empregados que, como Val, defendem fielmente sua condição de subalternos. E surgem problemas como a substituição do afeto: o carinho que Val não pôde dar à sua filha deu em doses cavalares ao filho da patroa, o mimado e infantilizado Fabinho (Michael Joelsas).

Mas o filme não é uma chatice sociológica, como o badalado pela crítica O Som ao Redor. Há humor na medida certa no filme, mas nada que se assemelhe a comédias nacionais grotescas, como S.O.S. Mulheres ao Mar 2, que me embrulhou o estômago só de ver o trailer. Como dito, as críticas são sutis, mas estão bem presentes e bem construídas. A delicadeza com que Anna Muylaert conduz seu filme lembra muito a forma adotada pelos ótimos cineastas argentinos. Ela não quer dar um soco no espectador, mas um tapa com luva de pelica.

Responsável tanto por roteiro como por direção, Muylaert não cria nenhuma cena desnecessária. Todas elas são relevantes e bem pensadas, como na apresentação de Jéssica aos patrões, em que a menina chega segurando uma pilha de pratos para servir a sobremesa, denotando sua posição social naquele ambiente. Também é muito bem feito o sutil contraponto de Val em pé no ônibus enquanto em suas janelas está refletido um outdoor com a imagem de Neymar, comparando os sonhos dos pobres com sua dura realidade.

Os diálogos são bem escritos, soando como atuais e reais. A edição garante um ritmo perfeito ao filme, sem ser enrolado e sem querer contar a estória de forma apressada. A fotografia é discreta, mas inteligente, com destaque para o enquadramento que frequentemente mostra Val na cozinha com uma pequena fresta na porta para ver a sala de jantar.

No elenco, a única conhecida é Regina Cazé, sendo que seu trabalho como atriz não é o mais conhecido de sua carreira. Sua atuação é ótima, sabendo alternar entre drama e humor de forma magistral. Os demais atores também defendem bem suas personagens, com destaque para a já citada Camila Márdila. Ambas foram merecidamente contempladas com o prêmio do júri para filmes dramáticos estrangeiros no badalado festival americano de Sundance. Prova de que um bom filme não necessita de atores renomados. Aliás, o tal S.O.S. Mulheres ao Mar 2 tá cheio de globais toscos, como Giovanna Antonelli, que me horroriza com sua interpretação exagerada com caras e bocas só de ver propaganda da novela.

Que Horas Ela Volta? é um ótimo filme, um dos melhores brasileiros nos últimos anos, e prova de que os cineastas brasileiros podem fazer bons filmes, sem necessitar de recorrer nem aos pastelões globais idiotizantes nem aos chatos filmes exploradores da miséria. Tem minha torcida pro Oscar 2016.

Nota: 9

P.S: Crítica no YouTube do Tiago Belotti: https://www.youtube.com/watch?v=FB4WCTQG7AI

7 de outubro de 2015

Perdido em Marte

Marte Ataca!

Dir: Ridley Scott, EUA, 2015, 141min
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Como diz a piada que está correndo a internet, depois de O Resgate do Soldado Ryan, Interestelar e com este Perdido em Marte, Matt Damon comprova que ele dá muito trabalho pra ser resgatado! Neste filme [atualização: que concorre ao Oscar de melhor filme, ator, roteiro adaptado, design de produção, efeitos visuais, edição de som e mixagem de som, sendo diversas dessas indicações sem motivo, como analisado a seguir], Damon é Mark Watney, um astronauta que é dado como morto após um procedimento de abortamento de missão em meio a uma tempestade de areia no Planeta Vermelho e deixado para trás.

Como diria o protagonista em seu vídeo, obviamente, ele não morreu. Ele acorda no sol seguinte (dia marciano, com quase a mesma duração do terrestre) ferido e tem de dar um jeito de sobreviver. E desde o início ele sabe que não será fácil, pois seus suprimentos não irão durar muito e uma missão de resgate levará anos para chegar.

Este é o primeiro ato do filme, com Watney diante de uma morte quase certa tendo de se preparar para evitá-la, através de seus conhecimentos. Uma série de problemas vai surgindo e ele tem de buscar uma solução para cada um deles. No segundo ato, a estória começa a mostrar o que ocorre aqui na Terra, mais especificamente na NASA, quando percebem mudanças nas imagens no local da missão e concluem que Watney está vivo. A parte final é o resgate propriamente dito.

O filme tem como premissa o engrandecimento do ser humano que busca sobreviver frente a dificuldades extremas, usando para isso seu conhecimento e engenhosidade. Seria assim uma mistura de Náufrago, em um ambiente ainda mais hostil e com um protagonista com mais conhecimento da natureza, com Gravidade, mas com mais tempo e recursos para o protagonista sobreviver, e Apollo 13, com seus improvisos com objetos de missão espacial.

A edição é extremamente bem feita, com alternância entre lindas panorâmicas marcianas (vale à pena ver em 3D), com pitadas de humor e os desafios de sobrevivência e planejamento do resgate, e não deixa o espectador cansado em suas 2h20 de projeção. A produção é impecável, com um visual incrível. Assim, ainda é cedo, mas o filme tem chances de figurar entre os indicados ao Oscar em categorias técnicas, como de edição e de design de produção [atualização, o filme ficou de fora em edição mas concorre a design de produção e em efeitos visuais].

Matt Damon faz um bom trabalho em segurar sozinho o filme por um longo tempo [atualização: mas não merecia a recebida indicação ao Oscar]. Jessica Chastain interpreta a comandante da missão em um trabalho ok, mas longe de outras atuações dela, como em A Hora Mais Escura. E o bom Chiwetel Ejiofor está um pouco exagerado como o chefe da missão de Marte.

O roteiro mantém o interesse na estória, mas tem uns buracos e umas soluções um pouco preguiçosas [atualização: e não mereceu a indicação ao Oscar]. O maior buraco é o fato da personagem central nunca ter um momento de loucura, só umas irritações, que certamente seria uma consequência do isolamento. E com relação às soluções simples vemos Watney narrando ao seu diário de bordo todas as suas experiências em detalhes básicos para não iniciados em ciência É interessante para divulgar ciência e explicar ao espectador o que está acontecendo, mas pouco crível que um cientista iria narrar o óbvio para si mesmo.

A parte científica pode não ser a mais acurada possível mas está sendo elogiada pela crítica. Dizem que a futura missão tripulada à Marte terá características muito próximas do retratado no filme.

O problema do filme está em seus clichês típicos do gênero de superproduções. O maior deles é o efeito bomba-relógio. Sempre as coisas tem de ser arranjadas de última hora. Tem cena em que chega a perturbar, pois os arranjos deveriam ter sido feitas quando decidido como seria o resgate, e não quando a missão já estava a caminho. Também tem um certo exagero em como é mostrada a comoção na Terra pelo retorno de Watney, pois parece que o mundo se resume a Nova York e Londres. Mas, enfim, dá pra não levar isso muito a sério.

O veterano diretor Ridley Scott, de clássicos como Blade Runner, Alien e Gladiador recupera parte de sua credibilidade com esta produção, após os fiascos que foram O Conselheiro do Crime (apesar dos ótimos atores) e o horroroso Êxodo: Deuses e Reis.

Perdido em Marte é um bom filme de ficção-científica/sobrevivência, mesmo com seus incômodos clichês de superprodução. Bom para aqueles que gostam de estórias de superação e celebração do ser humano.

Nota: 7