31 de janeiro de 2017

La La Land

City of Stars 

Dir: Damien Chazelle, EUA, 2016, 2h08min
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Vale à pena sonhar ou devemos "amadurecer" e viver com o pé no chão? Esse é o dilema que move La La Land.

Com 14 indicações ao Oscar (filme, diretor, ator, atriz, roteiro original, fotografia, edição, design de produção, figurino, edição de som, mixagem de som, trilha sonora e duas indicações a melhor música) La La Land iguala o recorde de indicações de Titanic e A Malvada. E é forte candidato a igualar ou até superar os campeões de prêmios (TitanicBen-Hur e O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei) com 11 vitórias.

Na trama, Mia, uma garota que sonha ser estrela de cinema, e Sebastian, um pianista que sonha abrir um clube de jazz, passam por encontros e desencontros em Los Angeles em sua busca pelo sucesso.

Este é o segundo trabalho do jovem diretor e roteirista Damien Chazelle, que foi ovacionada pelo seu ótimo Whiplash. Curiosamente, o tema principal de Whiplash e deste La La Land é o mesmo: a busca pelo sucesso. Mas enquanto aquele focava no esforço físico e na determinação, este se concentra nos sonhos que temos e as forças que nos levam a querer desistir deles.

O filme combina fantasia com realidade de forma perfeita. E nos faz lembrar o quanto o cinema pode dar asas a nossa imaginação, tornando tudo possível. Há dois tipos de sonhos, os que são pura fantasia, como dançar no espaço (lindamente encenado no filme) e os concretos, como os sonhos do que "queremos ser quando crescer". 

A narrativa lida com os dois tipos mas fica focado no segundo. Mia e Sebastian têm sonhos, mas também tem contas a pagar. E daí surge a pressão social para aceitar uma vida comum seguido pela maioria da sociedade, que massacra aqueles que se permitem sonhar depois de adultos.

La La Land também representa uma homenagem ao gênero dos musicais, que teve seu auge na década de 1950. Há várias referências a muitos filmes do gênero, especialmente a Cantando na Chuva, mas há cenas de referência a filmes mais recentes, como Moulin Rouge!. É interessante notar que a história de Mia, de uma garçonete que se torna estrela, é a história da vida de boa parte das estrelas de Hollywood, incluindo aí a protagonista Emma Stone. Já a história de Sebastian, que quer fazer sucesso com jazz, um gênero considerado ultrapassado, é uma metáfora para o próprio La La Land, que quer fazer sucesso com um gênero de cinema que já viveu seus dias de sucesso.

Los Angeles tem um papel importante na trama. A cidade, no imaginário popular, é o local do glamour e do sucesso. Justamente por isso também é o lugar do fracasso. E é esse o maior medo de Mia e Sebastian. E Damien Chazelle consegue mostrar só o lado mais bonito de uma cidade que na vida real é um local famoso por não ter uma identidade bem definida e não ser conhecida por sua beleza.

Emma Stone e Ryan Gosling conseguem uma ótima química, essencial ao filme. Gosling tem alguns momentos sutis de humor físico, que já demostrara no recente Dois Caras Legais. E Stone tem muita expressão em seus grandes olhos e uma voz apaixonante.

Tecnicamente o filme é um fantástico. As cores primárias saltam aos olhos. A câmera parece pairar no ar. Seus diversos planos sequência, como o da abertura, fazem com que o filme seja um encontro entre Birdman e Grease, como dito por uma produtora. E a trilha sonora gruda em nossos ouvidos. Muitos vão se pegar assoviando o tema City of Stars (aliás, Oscar garantido aqui).

Voltando a discutir o Oscar, a única indicação que pode ser questionada é a de roteiro, pois é uma estória de amor um tanto básica, até previsível. Mas seu desfecho é tão bom que o qualifica para a categoria. Nas demais indicações, todas tem seus méritos. Certamente será o campeão de prêmios da noite. 

La La Land é uma volta ao tempo em que o cinema era o veículo que tornava nossos sonhos possíveis. E mesmo assim consegue ser bastante atual e não cair no puro escapismo. Cinema feito para o coração, sem descuidar do intelecto.  Um filmaço!

Nota: 9


P.S: O filme no Brasil ganhou o subtítulo Cantando Estações. Pitacos Cinematográficos a partir de agora vai abandonar esses subtítulos inúteis da versões nacionais. Portanto La La Land é só La La Land e Moonlight será só Moonlight.

27 de janeiro de 2017

A Qualquer Custo

Polícia e bandido

Hell or High Water, Dir: David Mackenzie, EUA, 2016, 1h42min
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Os bancos te sacaneiam? Então sacaneie os bancos. Desta lógica surge a trama de A Qualquer Custo.

Indicado a quatro Oscars (filme, ator coadjuvante, edição e roteiro original), a trama mostra dois irmãos assaltantes de bancos do Oeste do Texas, região já naturalmente isolada e atualmente bastante empobrecida após a crise de 2008, apesar de seus inúmeros poços de petróleo. Para evitar chamar a atenção da polícia, os dois fazem apenas roubos em pequenas agências levando quantias pequenas em notas de baixo valor. No entanto, um policial teimoso em fim de carreira consegue perceber que eles não estão agindo aleatoriamente mas que possuem um plano e um fim para o dinheiro. Mais por teimosia do que por qualquer outra coisa, decide ir atrás.

Tudo no filme é áspero. O cenário, os personagens, o roteiro e a direção. Não há espaço para refinamento em nada. Tudo é bastante direto. Estamos em terras de cowboys que mantém sua tradição, homens rudes magistralmente retratados pelo patrulheiro vivido por Jeff Bridges. Para muitos deles o politicamente correto não chegou, e preconceitos, racismo, belicismo e grosserias são padrão. Neste cenário o filme irá tratar de temas como justiça, lealdade, fraternidade e com a preocupação do futuro dos filhos. 

O roteiro original de Taylor Sheridan (autor do ótimo Sicario) tem uma trama simples, porém seus personagens são repletos de ambiguidade. Os protagonistas são bandidos, mas nunca eles são retratados como heróis ou vilões. São apenas homens que tomaram uma decisão empurrados pela sua condição de vida ruim, e que sabem que terão de pagar por seus atos. Os policiais antagonistas tampouco merecem grandes elogios, já que o principal é um velho branco que se sente no direito de ofender a quem quiser.  Vilão de verdade aqui é somente o sistema bancário que levou à crise que empobreceu as pessoas, o que cria ligações do filme com A Grande ApostaOs diálogos são bem escritos, com palavras próprias às pessoas daquele fim de mundo. 

A direção cuidadosa de David Mackenzie une a tensão nos momentos corretos com uma atmosfera mais suave para momentos de reflexão. Sua opção por muitos planos abertos serve para contrapor a insignificância dos personagens dentro da imensidão do ambiente.

O elenco todo é afiado. Jeff Bridges (indicado ao Oscar pela sétima vez) está ótimo em sua caracterização de caipirão texano, com trejeitos que lembram os de Marlon Brando em O Poderoso Chefão. Chris Pine finalmente tem uma atuação convincente. Talvez tenha achado um papel em que se adequava, pois suas atuações como herói na nova série de Star Trek ou na retomada de Jack Ryan em Operação Sombra foram fracas. 

A Qualquer Custo tem uma trama simples, porém é muito bem executado. Uma estória de homens rudes em um local rústico. Um ótimo filme.

Nota: 8

24 de janeiro de 2017

Oscar 2017: Indicados

And the nominees are...


Saiu a lista de 2017.

 E vamos lá para algumas considerações:
- Amy Adams de fora é absurdo. Ela poderia ser indicada tanto por Animais Noturnos quanto por A Chegada.
- Meryl Streep é ótima mas há uma exagero em suas indicações. Além de ser queridinha, talvez o discurso anti-Trump no Globo de Ouro contou muitos pontos.
- Annette Bening foi outra esnobada, junto com seu filme 20th Century Women que ficou só com indicação para roteiro original.
- Jake Gyllenhaal, como eu previa, foi esnobado por Animais Noturnos. Neste caso, pelo menos aparentemente, a concorrência é forte.
- Tom Hanks também acabou de fora. Quem sabe se fizesse um discurso anti-Trump?!
Deadpool não foi indicado a nada. Ainda bem.
- Silêncio, de Scorsese, ficou só com indicação em cinematografia.
- E Animais Noturnos, como previsto, foi o grande esnobado. Poderia receber indicação em quase tudo e ficou só com a de ator coadjuvante para Michael Shannon. Que merece a indicação e atua bem melhor no filme que Aaron Taylor-Johnson que venceu(?!) o Globo de Ouro.

Todos os indicados a melhor filme serão analisados no Pitacos, na Maratona do Oscar. Os indicados de todas as categorias que já foram analisados estão em destaque. A lista completa:

Melhor filme
Diretor
Ator
Atriz
  • Emma Stone - La La Land
  • Natalie Portman - Jackie 
  • Isabelle Huppert - Elle 
  • Ruth Negga - Loving 
  • Meryl Streep - Florence: Quem é Essa Mulher?
Ator Coadjuvante
Atriz Coadjuvante
Roteiro Original 
Roteiro Adaptado
Fotografia
Design de Produção
Figurino
  • Aliados
  • Animais Fantásticos e onde Habitam
  • Florence: Quem é Essa Mulher?
  • Jackie
  • La La Land
Maquiagem e Cabelo
  • Um Homem Chamado Ove
  • Star Trek: Sem Fronteiras
  • Esquadrão Suicida
Edição
Efeitos Visuais
Trilha Sonora
Canção Original
  • Audition (The Fools Who Dream) - La La Land
  • Can't Stop the Feeling - Trolls
  • City of Stars - La La Land
  • The Empty Chair - Jim: The James Foley Story
  • How Far I'll Go - Moana
Edição de Som
Mixagem de Som
Animação
  • Kubo e a Espada Mágica 
  • Moana 
  • My Life as a Zucchini 
  • A Tartaruga Vermelha 
  • Zootopia 
Curta de Animação 
  • Pearl
  • Piper: Descobrindo o Mundo
  • Blind Vaysha
  • Pear Cider and Cigarettes
  • Borrowed Time
Curta-metragem
  • Ennemis Intérieurs, de Sélim Azzazi
  • La Femme et le TGV, de Timo von Gunten
  • Silent Nights, de Aske Bang
  • Sing (Mindenki), de Kristof Deák
  • Timecode, de Juanjo Giménez
Documentário
  • Fire at Sea
  • Eu não Sou seu Negro
  • Life Animated
  • O.J.: Made in America
  • 13th
Documentário em curta-metragem
  • Extremis
  • 4.1 Miles
  • Joe's Violin
  • Watani: My Homeland
  • The White Helmets
Filme estrangeiro
  • Land of Mine (Dinamarca)
  • Um Homem Chamado Ove (Suécia)
  • O Apartamento (Irã)
  • Tanna (Australia)
  • Toni Erdmann (Alemanha)

19 de janeiro de 2017

O Apartamento

Misoginia velada universal

Forushande, Dir: Asghar Farhadi, Irã, 2016, 2h05min
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No último ano, quase nenhum filme "estrangeiro", leia-se, que não é filme nacional e nem de países de língua inglesa (especialmente EUA) foi analisado neste blog. Neste ano haverá maior diversidade neste blog, que sempre tratou de filmes sem ser em língua inglesa ou em português. A importância disto é o de ver uma realidade diferente da nossa e também diferente daquela sempre vista nos filmes dos EUA.

O Apartamento acompanha a estória de um casal de atores que se muda de seu prédio ameaçado de desabar para um apartamento cuja histórico da antiga moradora vai causar sérios problemas a eles. Um drama de gente comum.

O principal defeito do filme é que ele demora bastante a engrenar. Todo o primeiro ato da apresentação dos personagens e seu cotidiano, é maçante, e em determinado momento eu estava me perguntando para onde iria aquela estória. Passado isso chega-se ao acontecimento que irá quebrar a rotina dos personagens e conduzir a estória, quando a mulher é agredida em casa por um desconhecido.

O filme de um país tão marcado por seu fundamentalismo político-religioso, curiosamente é muito crítico de sua sociedade. De forma muito sutil. A questão religiosa nunca toma o primeiro plano no retrato das vidas dos personagens. Há lá um homem que tem de lidar com seus dilemas de macho, sua reputação e o controle de sua esposa. É uma estória sobre a misoginia que existe em todos os lugares, não a explícita e brutal do cidadão que mata mulheres, mas a velada, do marido que se acha o senhor de sua esposa e nem se dá conta de seu comportamento desrespeitoso, ainda que possa ser atencioso, culto, educado e afetuoso.  Também há análises sobre a justiça e sobre o que deve ser feito para reparar um ilícito. 

Por mais que O apartamento conte uma estória típica de Teerã, com suas particularidades, as estórias poderiam ser vividas na China, na França ou no Brasil. Os temas são universais e atuais, talvez até mesmo atemporais. Aliás, é interessante notar que Teerã, uma grande metrópole de terceiro mundo, em alguns pontos, como na decoração dos ambientes, lembra o Brasil. 

O roteiro apesar de às vezes se demorar no desenvolvimento da estória, como no primeiro ato, é inteligente e foi premiado em Cannes. Há uma interessante mistura da estória com momentos da peça de teatro que os protagonistas estão apresentando, sempre mostrando um trecho que de alguma maneira se casa com o momento da estória pessoal deles. E o ponto que mais se destaca é a eficiente criação de personagens complexos. Ninguém é bom ou mau. Todos são seres humanos, passíveis de bondade ou de maldade. 

O diretor e roteirista Asghar Farhadi também roteirizou o excelente A Separação, vencedor do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira de 2012, que trata de um divórcio movido por uma mulher que, mais do que se separar de seu marido, quer romper com o próprio Irã e sua sociedade, e para isso terá de enfrentar o sistema legal fundamentalista. Aqui a obra não tem a mesma força de seu filme mais famoso, mas mantém algumas de suas características, especialmente a crítica sutil à sociedade. Visualmente o filme é simples, mas a trama é boa o bastante para dispensar um visual chamativo.

O elenco é ótimo, com destaque para a dupla de protagonistas. Taraneh Alidoosti consegue passar sua dor de forma muito contida e sutil. E Shahab Hosseini faz seu marido tendo que lidar com seus conflitos entre o intelectual gentil e o macho alfa justiceiro. Atuação que lhe rendeu o prestigiado prêmio em Cannes.

O Apartamento, apesar de seu começo demorado, é um bom filme, que prende o espectador com seus dramas cotidianos e universais.

Nota: 7

17 de janeiro de 2017

Animais Noturnos

Decisões custosas

Nocturnal Animals, Dir: Tom Ford, EUA, 2016, 1h56min
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Refinamento e beleza estética é o mínimo que se poderia esperar de um filme dirigido por um renomado estilista como Tom Ford. Felizmente, não só de estética se alimentam seus Animais Noturnos.

No filme, Susan, uma bem sucedida negociadora de arte, recebe um manuscrito de um romance de seu ex-marido de quem há tempos não tinha notícias. O livro escrito por uma pessoa tão importante do passado de Susan faz com que ela passe a rememorar sua história. Especialmente as decisões cruciais que tomou então e que construíram a pessoa que ela é na atualidade.

O roteiro costura brilhantemente três tramas: a de Susan no presente, a de Susan no passado e a do romance de seu ex-marido, uma estória familiar marcada por um crime. Esta última trama é tensa até dizer chega, e mexe com emoções profundas de Susan enquanto ela devora as páginas. Sentimentos pesados são abordados, como medo, arrependimentos e decisões irreversíveis. Há um certo sentido de futuro inescapável, de destino pré-concebido, do qual a pessoa não conseguirá escapar ainda que se esforce. Há até uma cena em que a mãe da protagonista antevê o que ela irá se tornar, uma burguesa chata, ainda que ela diga que seu sonho seja ser uma artista desprendida.

A direção de Tom Ford consegue manter o espectador tenso e reflexivo ao longo de todo o filme. E, como já dito, esteticamente, o filme é um primor. Mas se engana quem pensa que um estilista da alta costura só vai mostrar cenas de ambientes chiques. Ao contrário. Ele cria três ambientes bem diversos para caracterizar as três tramas. Um ambiente de cor predominantemente branca, caracterizando a assepsia no presente de Susan. Um ambiente árido e amarelado nas cenas do livro, mostrando a brutalidade da trama. E um ambiente mais colorido no passado de Susan, retratando seus tempos de lembranças puras, quando ela se permitia ser sonhadora.

Os atores dão um show. Jake Gyllenhaal novamente vai muito bem, fazendo dois papéis, o do ex-marido da protagonista e o do personagem principal do livro escrito por ele. Um dos melhores atores de sua geração, ele está sendo, como de costume, esnobado nas premiações, sendo sua única indicação ao Oscar por O Segredo de Brokeback Mountain. Amy Adams teve seu melhor ano. Assim como em A Chegada esta interpretação também é bem marcante. É quase certo que será indicada por A Chegada, mas se não fosse facilmente poderia ser indicada por este.

Aaron Taylor-Johnson, premiado como coadjuvante com o popular mas nada sério Globo de Ouro, vai bem, mas nada digno de prêmios. Michael Shannon, que constrói um personagem moralmente ambíguo e enigmático, merecia mais essa indicação, o que recebeu em diversos prêmio menores (e mais sérios).

Falando em indicações ao Oscar, este filme pode até receber alguma indicação. Mas as previsões não são das mais otimistas. Este provavelmente será um dos grandes esnobados da premiação de 2017. Quando sair a lista com os Indicados do Pitacos voltamos a mencionar o filme.

Animais Noturnos é um ótimo filme, um thriller denso, violento e reflexivo. Obra de um estilista que se mostra um artista que quer expressar seu talento de outras formas que não só a costura.

Nota: 8