22 de fevereiro de 2017

Lion: Uma Jornada para Casa

A Origem

Lion, Dir: Garth Davis, Austrália/EUA/Reino Unido, 2016, 1h58min
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De onde viemos? Essa é a questão mais importante feita pela humanidade ao longo dos tempos. Todas as culturas tem sua tentativa de resposta, ainda que não tenhamos até hoje uma resposta definitiva. Normalmente a pergunta é feita num sentido mais amplo, na tentativa de entender como e porquê existimos. Mas, num sentimo mais restrito, e se você não sabe exatamente sua origem, quem é você e quem é sua família? Essa é a história real contada em Lion: Uma Jornada para Casa.

Na trama conhecemos Saroo, um pobre menino indiano de 5 anos que se perde de seu irmão mais velho em uma estação de trem na Índia e vai parar em Calcutá, a 1600 quilômetros de sua casa, cidade em que até mesmo o idioma mais comum, bengali, é diferente do que ele fala, hindi. Após uma difícil jornada pelas ruas, ele é adotado por uma família australiana. 

Vinte anos depois, o jovem Saroo está perfeitamente assimilado na cultura australiana. Porém, pouco sabe de sua origem. E acaba por se sentir um estrangeiro em qualquer lugar. É um indiano na Austrália sem quase qualquer conexão com sua Índia natal e é um australiano na Índia que apenas lhe traz sensações de uma passado distante e quase esquecido. Atormentado por resgatar suas origens passa obsessivamente a tentar recuperar seus fragmentos de memória aliado a tecnologias modernas, em especial o então revolucionário Google Earth, para conseguir descobrir a cidade em que vivia.

Um spoiler óbvio: ele vai encontrar sua família. Claro! Se assim não fosse, essa história não teria sido escrita no livro Uma Longa Jornada para Casa e nem ganhado as telas dos cinemas. E aí, com um final mais do que previsível baseado em um livro em que na maior parte do tempo relata a investigação de Saroo, como fazer uma história que funcione nas telas? Primeiro, metade do filme será usada para mostrar as desventuras do pequeno Saroo no cenário pobre da Índia. E na segunda parte o filme focará bastante na questão da redescoberta da identidade e em quanto sua busca afetou sua relações com seu entorno. É um roteiro bem feito que não precisa depender de grandes revelações e que emociona.

O elenco trabalha bem. Dev Patel é o Saroo adulto e faz um bom trabalho, indicado a melhor coadjuvante no Oscar, claramente por dividir o protagonista com o encantador menino Sunny Pawar. A questão de indicar alguém a protagonista ou coadjuvante sempre gera polêmica (no ano passado Alicia Vikander venceu como coadjuvante sendo que era claramente coprotagonista de A Garota Dinamarquesa), e aqui seria melhor se Patel disputasse o prêmio principal. Nicole Kidman interpreta sua mãe adotiva em um trabalho muito delicado, dando voz aos adotantes. Também no elenco está Rooney Mara como a namorada de Saroo.

A direção é bem feita. Muito do filme, especialmente na fase em que o pequeno Saroo está perdido é feito sem diálogos, o que exige que a história seja bem contada. A fotografia é bonita, explorando tanto a paisagem vasta da Índia quanto sua multidões multi coloridas. Também destaca-se um contraponto entre as cores quentes usadas nas sequências da Índia com as cores mais frias usadas para a Austrália.

Suas 6 indicações ao Oscar (filme, ator coadjuvante, atriz coadjuvante, roteiro adaptado, fotografia e trilha sonora) são todas merecidas. O diretor estreante no cinema Garth Davis e a boa edição também poderiam ter sido incluídos na lista. 

Lion é um filme comovente, que não precisa de usar muitos dos clichês do gênero de dramas pessoais, e que toca no nosso desejo de saber quem somos. Um filme bonito que agrada a diversos públicos.

Nota: 7


P.S: Eu havia dito que não usaria mais os subtítulos bobos nos títulos das postagens. Pois bem, aqui o subtítulo não é uma invenção do distribuidor brasileiro para explicar a história. O subtítulo é praticamente o mesmo do título da biografia de Saroo e foi utilizado também em diversos outros países. Portanto, justificado.

21 de fevereiro de 2017

Moonlight

Quem é você?

Dir: Barry Jenkins, EUA, 2016, 1h51min
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O que nos define, nossa personalidade ou nosso entorno e nossos relacionamentos? Essa é a questão que acompanha Moonlight

A trama mostra uma jornada de autodescoberta de Chiron, mostrando três momentos de sua vida: infância, adolescência e idade adulta. Ao longo desse processo iremos acompanhar como sua personalidade extremamente introvertida e tímida foi se moldando com sua realidade dura dos guetos negros de Miami.

O filme é um estudo de personagem que escolhe alguns temas principais, como confiança, sexualidade, carinho e afeto. As relações de Chiron com as pessoas ao seu redor, como sua mãe drogada, seu melhor amigo e com um traficante que acaba por assumir uma figura paterna são o eixo que conduz o filme.

O roteiro, tal qual o personagem principal é bastante econômico em palavras. Muito mais do que as palavras é dito na linguagem corporal dos atores. A ambiguidade de sentimentos e de ações sempre está presente. Assim como em O Lagosta, o personagem principal é muito fechado em si mas demonstra um desejo profundo de encontrar alguém para se conectar.

O elenco faz um trabalho excepcional e mereceria um prêmio caso o Oscar premiasse um elenco reunido, como o faz o SAG Awards (prêmio do sindicato dos atores que inexplicavelmente neste ano foi para o fraquíssimo Estrelas Além do Tempo). Tanto Mahershala Ali quanto Naomie Harris fazem jus às suas indicações ao Oscar de coadjuvante, criando personagens moralmente ambíguos. Também merecem destaque os garotos que interpretam Chiron e especialmente Trevante Rhodes como Chiron adulto.

A direção é bem focada em seus personagens, com muitas tomadas fechadas e poucas tomadas abertas. O que vale aqui é acompanhar as figuras retratadas, e não destacar o ambiente físico. A fotografia tem um brilho intenso, dando resplendor às peles negras dos atores, e é bastante saturada, fazendo um bom uso da luz natural abundante do sul da Flórida. 

Recebeu 8 indicações ao Oscar 2017 (filme, diretor, ator coadjuvante, atriz coadjuvante, roteiro adaptado, fotografia, edição e trilha sonora), todas com seus méritos. Deve ficar com as estatuetas de ator coadjuvante e de roteiro adaptado.

Moonlight é um filme sobre autodescoberta e identidade. Um bom filme em que se destaca a qualidade do elenco e um roteiro que preza mais pelos silêncios do que pelos discursos.

Nota: 7

16 de fevereiro de 2017

O Lagosta

Casa quando?

The Lobster, Dir: Yorgos Lanthimos, Grécia/Irlanda/Reino Unido/Países Baixos/FRA, 2015, 1h59min
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"Nossa, e quando que você vai arrumar um namorado? E casar? E ter filhos?"

Muitos e muitas já devem ter ouvido essas perguntas. E se além da tia inconveniente toda a sociedade começasse a se preocupar com isso. E mais, não somente se preocupasse, como tornasse crime o fato de uma pessoa ser solteira? Esse é o futuro próximo distópico apresentado em O Lagosta.

A trama é ainda mais louca. Aqueles que estão solteiros são obrigados a irem para um hotel onde devem arrumar um par em 45 dias. E quem não consegue é transformado em um animal (e o título do filme se deve ao fato do protagonista desejar se tornar uma lagosta). Sim, o filme trata de um exemplo absurdo.

Mas em meio a esse absurdo alegórico temas sérios são discutidos. Fica claro que o controle social é o tema mais destacado. E um desdobramento dele é o totalitarismo desta sociedade antisolteirice. E mais, depois seremos apresentados ao grupo marginal que vive na floresta de solteiros convictos, para os quais qualquer relacionamento afetivo é punido com penas corporais. Pois é, numa análise sociológica de boteco, seria o que Hannah Arendt definiria como dois grupos totalitários, faces da mesma moeda, tal como os liderados Hitler e Stálin.

O roteiro é muito inteligente. A estranha sociedade futurista não é explicada com títulos iniciais ou diálogos expositivos, formas bem comuns porém bem preguiçosas de inserir o espectador em um novo universo. Aqui, aos poucos vão sendo dados elementos que permitem que o espectador entenda como funciona essa maluquice - para muitas mulheres talvez a maior maluquice (e pesadelo) seria o fato de que no hotel todas tem de usar na festa para se aproximar de pretendentes o mesmo vestido.

O filme pode ser considerado uma comédia, mas não esperem sessões de muitas risadas. Seu humor é bem britânico, carregado de sarcasmo. E há momento em que ele força ainda mais a estranheza presente ao longo de todo o filme, como em conversas em tom bastante frio e formal as pessoas passam a falar de sexo. Lembra um pouco a quebra de tom que Wes Anderson empregou em O Grande Hotel Budapeste. Muitas reviravoltas irão acontecer constantemente na história. Apesar de sua qualidade, a história começa a ficar cansativa na segunda metade, e faltou um final coeso.

As atuações todas são ótimas. Liderando o elenco está Colin Farrell, interpretando um homem tímido e introspectivo. Ao mesmo tempo em que ele tem dificuldades em lidar com outros seres humanos devido a uma certa antissociabilidade e que se sente oprimido pelo ambiente controlador ele também tem um desejo muito intenso de se conectar afetivamente. Sua interpretação é fria e distante com um tom de voz maquinal, e ele tem de passar muito de seus sentimentos somente com sua expressão facial. Merecia ter sido lembrado pelo Oscar. No elenco também estão Rachel Weisz, Léa Seydoux, John C. Reilly e Ben Winshaw.

O filme claramente não tem um orçamento muito grande e o futurismo fica só nas situações, pois os objetos de cena e o figurino são os mesmos dos dias atuais. Mas essa ótima história não precisava de shows pirotécnicos hollywoodianos. A fotografia é discreta, bastante acinzentada, combinando com o formalismo distante da sociedade retratada. A direção do grego Yorgos Lanthimos (que também é corroteirista do filme), especialmente em seu trabalho com o elenco, é ótima. Sua trilha sonora com um toque de violino repetitivo soa ao mesmo tempo formal, dramática e ridícula, bem ao estilo de todo o filme.

O Lagosta é um bom filme, seria ótimo se tivesse mantido o ritmo em seu final e se tivesse se encerrado de forma mais coesa. Não é pra todos os públicos já que seu humor é bem peculiar, cínico, violento e negro. Recebeu somente indicação a melhor roteiro original no Oscar mas poderia ser lembrado em outras categorias, especialmente de ator principal.

Nota: 7

10 de fevereiro de 2017

Até o Último Homem

O Salvador

Hacksaw Ridge, Dir: Mel Gibson, EUA, 2016, 2h19min
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Muitas pessoas tremem de medo (com razão) só de pensarem na possibilidade de ir para uma guerra. E se fosse para uma unidade de combate? E além de ir você fosse desarmado? E voluntariamente? Essa foi a proeza do herói de guerra americano Desmond Doss, em que se baseia o filme Até o Último Homem.

Doss era um socorrista militar que se recusava a usar armas em combate por princípios religiosos e mesmo assim salvou dezenas de colegas na Batalha de Okinawa da 2ª Guerra Mundial, recebendo a maior condecoração militar dos EUA, a Medalha de Honra (leia mais sobre ele na Wikipedia).

Filmes de guerra americanos facilmente caem numa patriotada exagerada. Aqui Mel Gibson consegue escapar desse exagero, focando mais no aspecto da camaradagem e solidariedade dos homens da tropa em meio aos horrores da guerra, lembrando a ótima série Band of Brothers. Mas isso não o impede de cair em alguns excessos típicos do cinema holywoodiano, como retratar os soldados japoneses como selvagens, filmando-os correndo desenfreadamete em direção aos inimigos parecendo zumbis. Também consegue não tornar seu filme uma pregação religiosa, pois a fé do personagem não é analisada a fundo, é apenas um traço dele que deve ser respeitada. 

Mel Gibson gosta de sangue, mas aqui está até bem contido, já que não se demora a mostrar o sofrimento causado pelos ferimentos. Apesar de mostrar muita violência, na maioria das cenas os estragos causados por granadas e balas de fuzil são mostrados de forma rápida, não esticando demais o sofrimento visual aos espectadores, ao contrário das cenas agonizantes que produziu em A Paixão de Cristo.

Tecnicamente o filme falha bastante em alguns aspectos. Os efeitos visuais são muito ruins, com um CGI que faz certas sequências parecerem jogo de Playstation 2, estando uns 15 anos atrás em termos tecnológicos. A cenografia e a fotografia são fracas, visivelmente o filme foi feito com baixo orçamento, tendo de repetir constantemente o mesmo cenário e fazer muitas cenas externas em estúdio. Mas há algumas boas cenas de batalha, em que é possível compreender tudo que ocorre e Mel Gibson consegue imprimir o tom dramático correto em quase todo o filme.

Andrew Garfield tem uma atuação irregular. Em muitos momentos vai bem, criando empatia com o público, mas em outros parece não ter achado o tom, alternando entre o homem muito bonzinho ou até meio bobo que não para de sorrir em situações sérias. Hugo Weaving, o eterno agente Smith, interpreta bem o pai de Desmond Doss, um veterano da primeira Guerra, alcóolatra, agressivo e amargurado. Também estão no elenco Sam Worthington, um tanto esquecido após Avatar, e Vince Vaughn, mais conhecido por comédias bobas aqui fazendo um bom trabalho em um papel sério.

Foi indicado em 6 categorias no Oscar: filme, direção, ator principal, edição, edição de som, mixagem de som. É o favorito em edição de som (os efeitos de som criados para o filme, como som de tiros), categoria tradicionalmente vencida por filmes de guerra, e pode ter algum chance em mixagem de som (a combinação de todos os elementos sonoros) mas está praticamente fora do páreo nas demais categorias.

Até o Último Homem é um bom filme de guerra. Não é muito acima da média, como deveriam ser os filmes disputando o Oscar, e nem um clássico do gênero, mas consegue ser mais do que um amontoado de clichês do estilo.

Nota: 6

8 de fevereiro de 2017

Manchester à Beira-Mar

Fria solidão 

Manchester by the Sea, Dir: Kenneth Lonergan, EUA, 2016, 2h16min
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Se você está passando por um momento difícil, triste e deprimido, é melhor passar bem longe de Manchester à Beira Mar. Um suicida então vai levar a cabo seu desejo se vir ao filme. Esta é provavelmente a obra mais melancólica na disputa do Oscar 2017. 

A trama conta a história de Lee, um zelador de Boston que retorna à sua pequena cidade natal de Manchester após a morte de seu irmão e descobre que ele deixou um testamento nomeando-o tutor de seu sobrinho.

Lendo assim parece ser um história não tão interessante. Mas há muito a ser revelado sobre o passado do protagonista e mostrando que ele é bem mais do que parecia ser. Logo de início percebemos que algo de muito errado ocorreu que fez Lee se afastar de Manchester, onde todos o olham com desconfiança, para ser um solitário em meio a multidão de Boston. 

Enquanto se desenrola a narrativa principal, vários flashbacks são inseridos como que peças de um quebra-cabeças a ser montado pelo espectador. Ao final nem todas as peças são fornecidas, mas todas são ao menos mencionadas, permitindo que tudo seja compreendido. As duas narrativas fluem bem, ainda que de forma bem lenta, captando a atenção do espectador ao longo de mais de 2 horas.

Obviamente o filme trata de luto. Mas também é uma grande análise sobre arrependimento e superação. E há um embate constante entre a alegria do sobrinho com vida social agitada e seu tio antissocial, agressivo e melancólico.

Casey Affleck vai muito bem, deixando claro que por baixo de toda a aparência de indiferença e isolamento há muita tristeza escondida. Ele é o favorito ao prêmio de melhor ator e se ganhar será com mérito. Já os coadjuvantes não justificam suas indicações. Michelle Wiliams tem uma atuação forte, mas tem muito pouco tempo no filme, provavelmente menos de 10 minutos. Talvez tenha sido indicada por, em sua 4ª indicação, ter entrado na categoria de queridinhas da Academia (da qual Meryl Streep é a presidente hors-concours). Lucas Hedges não vai mal mas não apresenta uma atuação boa o suficiente para ser premiada. Até mesmo o aqui criticado no pitaco de Animais Noturnos Aaron Taylor-Johnson, vencedor do Globo de Ouro, merecia mais a indicação

A direção é discreta, se concentrando essencialmente nas atuações. Há algo de teatral aqui, uma forma de fazer cenas fortes para seus atores se destacarem. A fotografia casa bem com o tom do filme, optando por cores frias em meio ao rigoroso inverno de Massachussets, realçando a melancolia da história.  

No Oscar 2017, além das mencionadas indicações a melhor filme e atuações, também foi indicado a melhor roteiro original e direção. Esta última é questionável, pois Kenneth Lonergan faz um filme forte porém no qual seu trabalho é bem discreto. Provavelmente outros diretores tinham mais méritos aqui. Em breve isso será melhor analisado quando sair a lista de Indicados do Pitacos.

Manchester à Beira Mar traz uma história muito amarga, a qual o espectador tem de estar disposto a consumir. Não é um filme feliz, que ofereça esperança ou nada parecido. É um estudo sobre a dor e como encará-la. Seu mérito é construir inteligentemente seus dramas e somente aos poucos ir revelando o passado do protagonista.

Nota: 7

2 de fevereiro de 2017

Estrelas Além do Tempo

Figuras escondidas

Hidden Figures, Dir: Theodore Melfi, EUA, 2016, 2h06min
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É comum que se diga que histórias reais grandiosas mereçam um filme. O problema é que quase sempre esse filme é bem quadradinho. É o que temos em Estrelas Além do Tempo (ah, esses títulos "poéticos" em "brasileiro").

A trama narra a história de três mulheres negras que fizeram carreiras de sucesso na NASA. O filme delimita-se (corretamente) a mostrar apenas o início de suas trajetórias em 1961, período do início da corrida espacial e também da luta pelos direitos civis.

Como já colocado em diversos outros pitacos (especialmente os que tratam de filmes que tem por tema alvos de preconceito), um tema pode ser ótimo e a história pode ser péssima. A trajetória de sucesso dessas mulheres realmente é admirável. Mas os contadores da história são terríveis.

Tudo em um filme começa no roteiro. E o do filme é apenas um amontoado de clichês e pieguice, que parte da premissa de que o público é burro e que tudo, absolutamente tudo, tem de ser explicado de forma que uma criança entenda (muitos filmes infantis são mais sutis). Tudo é colocado de maneira muito direta, excessivamente didática, com a sutileza de um elefante. Parece que foi escrito por aquela professora chata que levanta a voz e diz "isso é importante". O tempo todo. Há aqueles "discursos inspirados" em que todos param o que estão fazendo para ouvir uma pessoa se queixando da injustiça. Há cenas ilustrativas para os preconceitos, como o fato de uma das protagonistas não poder compartilhar a cafeteira com seus colegas de equipe. E há cenas até repetitivas, como a protagonista correndo toda desequilibrada para ir ao banheiro de negras que ficava longe de sua sala. E o pouco de humor que o filme tenta colocar não funciona. A única coisa louvável no roteiro é mostrar que o racismo era disseminado e que os negros, independentemente de seu talento, eram tidos como cidadãos de segunda classe. Absurdamente, esta narrativa sem qualquer sutileza ou criatividade foi indicada ao Oscar de roteiro adaptado.

Com um roteiro desses não se pode exigir muito do elenco. E realmente o filme consegue fazer com que quase todos os atores atuem de forma dura. A única que consegue mostrar um pouco de talento é a protagonista Taraji P. Henson. Jim Parsons faz apenas uma versão um pouco mais sociável de seu Sheldon de The Big Bang Theory. Até mesmo o bom Mahershala Ali (que é quase certo que vai ganhar o Oscar de coadjuvante por Moonlight) atua em piloto automático aqui. O mesmo vale para Kevin Costner e Kirsten Dunst. E Octavia Spencer não justifica de forma alguma sua indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante.

A parte técnica também não foge dos clichês e da falta de sutileza. E isso começa logo no início, na transição da cena inicial da infância da protagonista em cores amareladas mudando para um colorido vivo durante uma panorâmica com movimento de câmera para destacar a mudança de tempo. A cenografia é bem pobre, com cenários da NASA parecendo que foram construídas pelos cenógrafos de novelas brasileiras que fazem com que tudo pareça estar arrumadinho. E há até um anacronismo politicamente correto, pois em salas lotadas da NASA de 1961 não há ninguém fumando. 

É comum que filmes medianos sejam indicados ao Oscar, como Philomena e O Jogo da Imitação. Alguns até ganham o prêmio principal, como O Discurso do Rei. Mas Estrelas Além do Tempo não é mediano, é ruim, fazendo com que suas três indicações (filme, roteiro adaptado e atriz coadjuvante) soem todas como piadas. Assim fica parecendo que as indicações são uma reação ao tão merecidamente criticado #OscarSoWhite do ano passado, e o que é pior, faz parecer um favor condescendente aos negros. E neste ano era completamente desnecessário tal favor, tendo em vista que há outros filmes de temática negra na disputa (Um Limite Entre Nós e Moonlight) e de que negros foram indicados a melhor ator em todas as categorias.

Estrelas Além do Tempo quer contar uma história bonita. Mas o faz de forma bobinha, parecendo ser contado para criancinhas. Talvez agrade aos fãs de filminhos água com açúcar da Sessão da Tarde. Um dos piores filmes já indicados ao Oscar. Deveria concorrer ao Framboesa de Ouro.

Nota: 3

31 de janeiro de 2017

La La Land

City of Stars 

Dir: Damien Chazelle, EUA, 2016, 2h08min
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Vale à pena sonhar ou devemos "amadurecer" e viver com o pé no chão? Esse é o dilema que move La La Land.

Com 14 indicações ao Oscar (filme, diretor, ator, atriz, roteiro original, fotografia, edição, design de produção, figurino, edição de som, mixagem de som, trilha sonora e duas indicações a melhor música) La La Land iguala o recorde de indicações de Titanic e A Malvada. E é forte candidato a igualar ou até superar os campeões de prêmios (TitanicBen-Hur e O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei) com 11 vitórias.

Na trama, Mia, uma garota que sonha ser estrela de cinema, e Sebastian, um pianista que sonha abrir um clube de jazz, passam por encontros e desencontros em Los Angeles em sua busca pelo sucesso.

Este é o segundo trabalho do jovem diretor e roteirista Damien Chazelle, que foi ovacionada pelo seu ótimo Whiplash. Curiosamente, o tema principal de Whiplash e deste La La Land é o mesmo: a busca pelo sucesso. Mas enquanto aquele focava no esforço físico e na determinação, este se concentra nos sonhos que temos e as forças que nos levam a querer desistir deles.

O filme combina fantasia com realidade de forma perfeita. E nos faz lembrar o quanto o cinema pode dar asas a nossa imaginação, tornando tudo possível. Há dois tipos de sonhos, os que são pura fantasia, como dançar no espaço (lindamente encenado no filme) e os concretos, como os sonhos do que "queremos ser quando crescer". 

A narrativa lida com os dois tipos mas fica focado no segundo. Mia e Sebastian têm sonhos, mas também tem contas a pagar. E daí surge a pressão social para aceitar uma vida comum seguido pela maioria da sociedade, que massacra aqueles que se permitem sonhar depois de adultos.

La La Land também representa uma homenagem ao gênero dos musicais, que teve seu auge na década de 1950. Há várias referências a muitos filmes do gênero, especialmente a Cantando na Chuva, mas há cenas de referência a filmes mais recentes, como Moulin Rouge!. É interessante notar que a história de Mia, de uma garçonete que se torna estrela, é a história da vida de boa parte das estrelas de Hollywood, incluindo aí a protagonista Emma Stone. Já a história de Sebastian, que quer fazer sucesso com jazz, um gênero considerado ultrapassado, é uma metáfora para o próprio La La Land, que quer fazer sucesso com um gênero de cinema que já viveu seus dias de sucesso.

Los Angeles tem um papel importante na trama. A cidade, no imaginário popular, é o local do glamour e do sucesso. Justamente por isso também é o lugar do fracasso. E é esse o maior medo de Mia e Sebastian. E Damien Chazelle consegue mostrar só o lado mais bonito de uma cidade que na vida real é um local famoso por não ter uma identidade bem definida e não ser conhecida por sua beleza.

Emma Stone e Ryan Gosling conseguem uma ótima química, essencial ao filme. Gosling tem alguns momentos sutis de humor físico, que já demostrara no recente Dois Caras Legais. E Stone tem muita expressão em seus grandes olhos e uma voz apaixonante.

Tecnicamente o filme é um fantástico. As cores primárias saltam aos olhos. A câmera parece pairar no ar. Seus diversos planos sequência, como o da abertura, fazem com que o filme seja um encontro entre Birdman e Grease, como dito por uma produtora. E a trilha sonora gruda em nossos ouvidos. Muitos vão se pegar assoviando o tema City of Stars (aliás, Oscar garantido aqui).

Voltando a discutir o Oscar, a única indicação que pode ser questionada é a de roteiro, pois é uma estória de amor um tanto básica, até previsível. Mas seu desfecho é tão bom que o qualifica para a categoria. Nas demais indicações, todas tem seus méritos. Certamente será o campeão de prêmios da noite. 

La La Land é uma volta ao tempo em que o cinema era o veículo que tornava nossos sonhos possíveis. E mesmo assim consegue ser bastante atual e não cair no puro escapismo. Cinema feito para o coração, sem descuidar do intelecto.  Um filmaço!

Nota: 9


P.S: O filme no Brasil ganhou o subtítulo Cantando Estações. Pitacos Cinematográficos a partir de agora vai abandonar esses subtítulos inúteis da versões nacionais. Portanto La La Land é só La La Land e Moonlight será só Moonlight.

27 de janeiro de 2017

A Qualquer Custo

Polícia e bandido

Hell or High Water, Dir: David Mackenzie, EUA, 2016, 1h42min
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Os bancos te sacaneiam? Então sacaneie os bancos. Desta lógica surge a trama de A Qualquer Custo.

Indicado a quatro Oscars (filme, ator coadjuvante, edição e roteiro original), a trama mostra dois irmãos assaltantes de bancos do Oeste do Texas, região já naturalmente isolada e atualmente bastante empobrecida após a crise de 2008, apesar de seus inúmeros poços de petróleo. Para evitar chamar a atenção da polícia, os dois fazem apenas roubos em pequenas agências levando quantias pequenas em notas de baixo valor. No entanto, um policial teimoso em fim de carreira consegue perceber que eles não estão agindo aleatoriamente mas que possuem um plano e um fim para o dinheiro. Mais por teimosia do que por qualquer outra coisa, decide ir atrás.

Tudo no filme é áspero. O cenário, os personagens, o roteiro e a direção. Não há espaço para refinamento em nada. Tudo é bastante direto. Estamos em terras de cowboys que mantém sua tradição, homens rudes magistralmente retratados pelo patrulheiro vivido por Jeff Bridges. Para muitos deles o politicamente correto não chegou, e preconceitos, racismo, belicismo e grosserias são padrão. Neste cenário o filme irá tratar de temas como justiça, lealdade, fraternidade e com a preocupação do futuro dos filhos. 

O roteiro original de Taylor Sheridan (autor do ótimo Sicario) tem uma trama simples, porém seus personagens são repletos de ambiguidade. Os protagonistas são bandidos, mas nunca eles são retratados como heróis ou vilões. São apenas homens que tomaram uma decisão empurrados pela sua condição de vida ruim, e que sabem que terão de pagar por seus atos. Os policiais antagonistas tampouco merecem grandes elogios, já que o principal é um velho branco que se sente no direito de ofender a quem quiser.  Vilão de verdade aqui é somente o sistema bancário que levou à crise que empobreceu as pessoas, o que cria ligações do filme com A Grande ApostaOs diálogos são bem escritos, com palavras próprias às pessoas daquele fim de mundo. 

A direção cuidadosa de David Mackenzie une a tensão nos momentos corretos com uma atmosfera mais suave para momentos de reflexão. Sua opção por muitos planos abertos serve para contrapor a insignificância dos personagens dentro da imensidão do ambiente.

O elenco todo é afiado. Jeff Bridges (indicado ao Oscar pela sétima vez) está ótimo em sua caracterização de caipirão texano, com trejeitos que lembram os de Marlon Brando em O Poderoso Chefão. Chris Pine finalmente tem uma atuação convincente. Talvez tenha achado um papel em que se adequava, pois suas atuações como herói na nova série de Star Trek ou na retomada de Jack Ryan em Operação Sombra foram fracas. 

A Qualquer Custo tem uma trama simples, porém é muito bem executado. Uma estória de homens rudes em um local rústico. Um ótimo filme.

Nota: 8

24 de janeiro de 2017

Oscar 2017: Indicados

And the nominees are...


Saiu a lista de 2017.

 E vamos lá para algumas considerações:
- Amy Adams de fora é absurdo. Ela poderia ser indicada tanto por Animais Noturnos quanto por A Chegada.
- Meryl Streep é ótima mas há uma exagero em suas indicações. Além de ser queridinha, talvez o discurso anti-Trump no Globo de Ouro contou muitos pontos.
- Annette Bening foi outra esnobada, junto com seu filme 20th Century Women que ficou só com indicação para roteiro original.
- Jake Gyllenhaal, como eu previa, foi esnobado por Animais Noturnos. Neste caso, pelo menos aparentemente, a concorrência é forte.
- Tom Hanks também acabou de fora. Quem sabe se fizesse um discurso anti-Trump?!
Deadpool não foi indicado a nada. Ainda bem.
- Silêncio, de Scorsese, ficou só com indicação em cinematografia.
- E Animais Noturnos, como previsto, foi o grande esnobado. Poderia receber indicação em quase tudo e ficou só com a de ator coadjuvante para Michael Shannon. Que merece a indicação e atua bem melhor no filme que Aaron Taylor-Johnson que venceu(?!) o Globo de Ouro.

Todos os indicados a melhor filme serão analisados no Pitacos, na Maratona do Oscar. Os indicados de todas as categorias que já foram analisados estão em destaque. A lista completa:

Melhor filme
Diretor
Ator
Atriz
  • Emma Stone - La La Land
  • Natalie Portman - Jackie 
  • Isabelle Huppert - Elle 
  • Ruth Negga - Loving 
  • Meryl Streep - Florence: Quem é Essa Mulher?
Ator Coadjuvante
Atriz Coadjuvante
Roteiro Original 
Roteiro Adaptado
Fotografia
Design de Produção
Figurino
  • Aliados
  • Animais Fantásticos e onde Habitam
  • Florence: Quem é Essa Mulher?
  • Jackie
  • La La Land
Maquiagem e Cabelo
  • Um Homem Chamado Ove
  • Star Trek: Sem Fronteiras
  • Esquadrão Suicida
Edição
Efeitos Visuais
Trilha Sonora
Canção Original
  • Audition (The Fools Who Dream) - La La Land
  • Can't Stop the Feeling - Trolls
  • City of Stars - La La Land
  • The Empty Chair - Jim: The James Foley Story
  • How Far I'll Go - Moana
Edição de Som
Mixagem de Som
Animação
  • Kubo e a Espada Mágica 
  • Moana 
  • My Life as a Zucchini 
  • A Tartaruga Vermelha 
  • Zootopia 
Curta de Animação 
  • Pearl
  • Piper: Descobrindo o Mundo
  • Blind Vaysha
  • Pear Cider and Cigarettes
  • Borrowed Time
Curta-metragem
  • Ennemis Intérieurs, de Sélim Azzazi
  • La Femme et le TGV, de Timo von Gunten
  • Silent Nights, de Aske Bang
  • Sing (Mindenki), de Kristof Deák
  • Timecode, de Juanjo Giménez
Documentário
  • Fire at Sea
  • Eu não Sou seu Negro
  • Life Animated
  • O.J.: Made in America
  • 13th
Documentário em curta-metragem
  • Extremis
  • 4.1 Miles
  • Joe's Violin
  • Watani: My Homeland
  • The White Helmets
Filme estrangeiro
  • Land of Mine (Dinamarca)
  • Um Homem Chamado Ove (Suécia)
  • O Apartamento (Irã)
  • Tanna (Australia)
  • Toni Erdmann (Alemanha)

19 de janeiro de 2017

O Apartamento

Misoginia velada universal

Forushande, Dir: Asghar Farhadi, Irã, 2016, 2h05min
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No último ano, quase nenhum filme "estrangeiro", leia-se, que não é filme nacional e nem de países de língua inglesa (especialmente EUA) foi analisado neste blog. Neste ano haverá maior diversidade neste blog, que sempre tratou de filmes sem ser em língua inglesa ou em português. A importância disto é o de ver uma realidade diferente da nossa e também diferente daquela sempre vista nos filmes dos EUA.

O Apartamento acompanha a estória de um casal de atores que se muda de seu prédio ameaçado de desabar para um apartamento cuja histórico da antiga moradora vai causar sérios problemas a eles. Um drama de gente comum.

O principal defeito do filme é que ele demora bastante a engrenar. Todo o primeiro ato da apresentação dos personagens e seu cotidiano, é maçante, e em determinado momento eu estava me perguntando para onde iria aquela estória. Passado isso chega-se ao acontecimento que irá quebrar a rotina dos personagens e conduzir a estória, quando a mulher é agredida em casa por um desconhecido.

O filme de um país tão marcado por seu fundamentalismo político-religioso, curiosamente é muito crítico de sua sociedade. De forma muito sutil. A questão religiosa nunca toma o primeiro plano no retrato das vidas dos personagens. Há lá um homem que tem de lidar com seus dilemas de macho, sua reputação e o controle de sua esposa. É uma estória sobre a misoginia que existe em todos os lugares, não a explícita e brutal do cidadão que mata mulheres, mas a velada, do marido que se acha o senhor de sua esposa e nem se dá conta de seu comportamento desrespeitoso, ainda que possa ser atencioso, culto, educado e afetuoso.  Também há análises sobre a justiça e sobre o que deve ser feito para reparar um ilícito. 

Por mais que O apartamento conte uma estória típica de Teerã, com suas particularidades, as estórias poderiam ser vividas na China, na França ou no Brasil. Os temas são universais e atuais, talvez até mesmo atemporais. Aliás, é interessante notar que Teerã, uma grande metrópole de terceiro mundo, em alguns pontos, como na decoração dos ambientes, lembra o Brasil. 

O roteiro apesar de às vezes se demorar no desenvolvimento da estória, como no primeiro ato, é inteligente e foi premiado em Cannes. Há uma interessante mistura da estória com momentos da peça de teatro que os protagonistas estão apresentando, sempre mostrando um trecho que de alguma maneira se casa com o momento da estória pessoal deles. E o ponto que mais se destaca é a eficiente criação de personagens complexos. Ninguém é bom ou mau. Todos são seres humanos, passíveis de bondade ou de maldade. 

O diretor e roteirista Asghar Farhadi também roteirizou o excelente A Separação, vencedor do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira de 2012, que trata de um divórcio movido por uma mulher que, mais do que se separar de seu marido, quer romper com o próprio Irã e sua sociedade, e para isso terá de enfrentar o sistema legal fundamentalista. Aqui a obra não tem a mesma força de seu filme mais famoso, mas mantém algumas de suas características, especialmente a crítica sutil à sociedade. Visualmente o filme é simples, mas a trama é boa o bastante para dispensar um visual chamativo.

O elenco é ótimo, com destaque para a dupla de protagonistas. Taraneh Alidoosti consegue passar sua dor de forma muito contida e sutil. E Shahab Hosseini faz seu marido tendo que lidar com seus conflitos entre o intelectual gentil e o macho alfa justiceiro. Atuação que lhe rendeu o prestigiado prêmio em Cannes.

O Apartamento, apesar de seu começo demorado, é um bom filme, que prende o espectador com seus dramas cotidianos e universais.

Nota: 7

17 de janeiro de 2017

Animais Noturnos

Decisões custosas

Nocturnal Animals, Dir: Tom Ford, EUA, 2016, 1h56min
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Refinamento e beleza estética é o mínimo que se poderia esperar de um filme dirigido por um renomado estilista como Tom Ford. Felizmente, não só de estética se alimentam seus Animais Noturnos.

No filme, Susan, uma bem sucedida negociadora de arte, recebe um manuscrito de um romance de seu ex-marido de quem há tempos não tinha notícias. O livro escrito por uma pessoa tão importante do passado de Susan faz com que ela passe a rememorar sua história. Especialmente as decisões cruciais que tomou então e que construíram a pessoa que ela é na atualidade.

O roteiro costura brilhantemente três tramas: a de Susan no presente, a de Susan no passado e a do romance de seu ex-marido, uma estória familiar marcada por um crime. Esta última trama é tensa até dizer chega, e mexe com emoções profundas de Susan enquanto ela devora as páginas. Sentimentos pesados são abordados, como medo, arrependimentos e decisões irreversíveis. Há um certo sentido de futuro inescapável, de destino pré-concebido, do qual a pessoa não conseguirá escapar ainda que se esforce. Há até uma cena em que a mãe da protagonista antevê o que ela irá se tornar, uma burguesa chata, ainda que ela diga que seu sonho seja ser uma artista desprendida.

A direção de Tom Ford consegue manter o espectador tenso e reflexivo ao longo de todo o filme. E, como já dito, esteticamente, o filme é um primor. Mas se engana quem pensa que um estilista da alta costura só vai mostrar cenas de ambientes chiques. Ao contrário. Ele cria três ambientes bem diversos para caracterizar as três tramas. Um ambiente de cor predominantemente branca, caracterizando a assepsia no presente de Susan. Um ambiente árido e amarelado nas cenas do livro, mostrando a brutalidade da trama. E um ambiente mais colorido no passado de Susan, retratando seus tempos de lembranças puras, quando ela se permitia ser sonhadora.

Os atores dão um show. Jake Gyllenhaal novamente vai muito bem, fazendo dois papéis, o do ex-marido da protagonista e o do personagem principal do livro escrito por ele. Um dos melhores atores de sua geração, ele está sendo, como de costume, esnobado nas premiações, sendo sua única indicação ao Oscar por O Segredo de Brokeback Mountain. Amy Adams teve seu melhor ano. Assim como em A Chegada esta interpretação também é bem marcante. É quase certo que será indicada por A Chegada, mas se não fosse facilmente poderia ser indicada por este.

Aaron Taylor-Johnson, premiado como coadjuvante com o popular mas nada sério Globo de Ouro, vai bem, mas nada digno de prêmios. Michael Shannon, que constrói um personagem moralmente ambíguo e enigmático, merecia mais essa indicação, o que recebeu em diversos prêmio menores (e mais sérios).

Falando em indicações ao Oscar, este filme pode até receber alguma indicação. Mas as previsões não são das mais otimistas. Este provavelmente será um dos grandes esnobados da premiação de 2017. Quando sair a lista com os Indicados do Pitacos voltamos a mencionar o filme.

Animais Noturnos é um ótimo filme, um thriller denso, violento e reflexivo. Obra de um estilista que se mostra um artista que quer expressar seu talento de outras formas que não só a costura.

Nota: 8

31 de dezembro de 2016

Top 10 2016

Fechando o boteco




Aparentemente, se não rolar aquele Feitiço do Tempo que aprisionou o Bill Murray, daqui a poucas horas 2016 finalmente acaba. Então é hora da retrospectiva do Pitacos Cinematográficos 2016.

Essa lista não é a dos melhores filmes lançados em 2016 mas sim a dos melhores filmes lançados entre 2015 e 2016 e analisados pelo Pitacos em 2016

Lembrando que a lista é extremamente subjetiva, quem não concordar sinta-se à vontade para discordar publicamente. Infelizmente vi poucos filmes não americanos no ano, por isso a lista é quase toda de filmes dos EUA.

E os Top 10 são:
  1. O Regresso
  2. Spotlight
  3. Aquarius
  4. A Chegada
  5. O Quarto de Jack
  6. Anomalisa
  7. Sicario
  8. Mad Max: Estrada da Fúria
  9. A Grande Aposta
  10. X-Men: Apocalipse
2016 apesar de tudo ruim que ocorreu no mundo foi um ano muito produtivo para o blog. 37 filmes foram analisados, além das análises pré e pós Oscar. Infelizmente, fora da temporada de premiações, entre março e novembro não foi um ano tão interessante para o cinema, com poucos títulos interessantes em exibição nos cinemas. Mas está pra começar a enxurrada de bons filmes que são lançados na temporada de premiações.

Agradeço a todos que leram os pitacos. Ter um blog individual é solitário. Ver que tem gente lendo e curtindo o que escrevo me dá ânimo em continuar dando os meus pitacos.

Feliz 2017 com muitos bons filmes para nós!

22 de dezembro de 2016

Sully: O Herói do Rio Hudson

Apertem os Cintos 

Sully, Dir: Clint Eastwood, EUA, 2016, 1h36min
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Como criar expectativa e manter a platéia entretida com um filme baseado em uma história conhecida por todas e amplamente noticiada mundialmente? Esse é o desafio que Sully: O Herói do Rio Hudson tem de enfrentar. E fez o melhor que pôde nas hábeis mãos de Clint Eastwood.

Como todos sabem, em maiores detalhes ou superficialmente, em 2009 houve um pouso de emergência realizado no Rio Hudson, ao lado da cidade de Nova York, no qual todos a bordo sobreviveram e ninguém sofreu ferimentos graves. Foi um feito surpreendente e único na história da aviação. 

A trama, como indica o título, foca em seu protagonista, o veterano Comandante Chesley Sullenberger (Tom Hanks), que optou pelo pouso forçado após perder seus dois motores logo após a decolagem em um choque com aves. O filme foca então em dois aspectos. O histórico e os sentimentos de Sully e a investigação obrigatória que se segue após o incidente. A questão que se coloca é se seria possível que Sully, ao invés de optar pelo perigosíssimo pouso no rio, poderia ter se dirigido a algum aeroporto e ter feito um pouso convencional. E para isso dois mistérios são guardados para o final: se realmente os dois motores não funcionavam, pois leituras de computador indicavam que um deles estava funcionando, e se assim seria possível dirigir-se a um aeroporto após a colisão com as aves. E isso serve muito bem para manter a atenção dos espectadores.

O filme também busca, para além de Sully, elevar os outros personagens envolvidos. Algumas estórias paralelas dos passageiros são mostrados, é dado um pequeno destaque para a tripulação, especialmente para o copiloto Jeffrey Skiles (Aaron Eckhart) e também para as equipes de resgate que prontamente se dirigiram ao local da queda e evitaram que as pessoas a bordo morressem de hipotermia nas frias águas invernais do Hudson.

Tom Hanks, apesar de sempre apresentar atuações ao menos convincentes, ainda que em filmes questionáveis (como O Código da Vinci), mostra o que pode ser sua melhor atuação nos últimos 10 anos. Ele consegue encenar o drama pessoal de Sully de maneira serena, sem grandes arroubos de emoção, construindo um personagem convincente. Aaron Eckhart completa bem a dupla de pilotos, servindo com um contraponto um pouco mais relaxado a Sully.

Clint Eastwood costuma apresentar trabalhos com elevado nível técnico (aqui vamos deixar de lado os bebês bonecos usados em Sniper Americano). As cenas de desastre são bem pontuadas e ele consegue transmitir emoção até mesmo nas apresentações de simulação de alternativas ao acidente. Não há nada na parte técnica que salte aos olhos, mas tudo é relativamente bem executado. A queda do avião é bem encenada, apesar de alguns aspectos da água criada em CGI serem um tanto artificiais.

Sully é um bom filme, especialmente por conseguir tirar o máximo possível de uma história conhecida. E consegue mostrar toda a emoção envolvida no "Milagre do Hudson".

Nota: 6