A Vingança dos Negros
Django Unchained, Dir: Quentin Tarantino, EUA, 2012, 2h45minNetflix IMDB Trailer Roteiro
Antes do recente Os Oito Odiados, Quentin Tarantino já havia contado uma estória passada no Velho Oeste em Django Livre. E de maneira muito superior ao seu mais novo filme.
No filme, acompanhamos a saga do escravo Django, que é comprado e alforriado pelo caçador de recompensas alemão Dr. Schultz para que o ajude a localizar alguns alvos que antes haviam sido seus feitores. No percurso, Django conta a estória de que foi separado de sua esposa e o assassino profissional decide ajudá-lo a ir buscá-la.
Tarantino aqui está em sua melhor forma tanto como diretor quanto como roteirista (tendo recebido seu segundo Oscar por roteiro original). Seus estilo de diálogos marcantes está muito afiado, com várias frases dignas de citação. A violência escatológica lembra em alguns momentos a de Kill Bill. E o humor é uma constante, especialmente quanto ao estilo culto e refinado do Dr. Schultz. Ao contrário de Os Oito Odiados, Django Livre apresenta uma grande variação de cenários e situações, sendo muito mais dinâmico que aquele.
Tarantino, o cara esquisito que trabalhava na videolocadora e curtia todo tipo de filme B, sempre mostrou forte influência do subgênero western spaguetti (ou bangue bangue à italiana, como ficou conhecido no Brasil dos anos 70), marcado por produções italianas de baixo orçamento, com atores que tinham que ser dublados por não falar inglês, protagonizadas por anti-heróis, com muitos tiros e forte teor cômico e teatral, servindo como sátira ao heroico gênero americano do Western. Em Kill Bill tal influência já era muito nítida, especialmente dos filmes de Sergio Leone (em especial a "Trilogia do Dólar": Por Um Punhado de Dólares, Por Uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito) que estendia ao máximo a adrenalina que antecedia os conflitos, resolvidos de forma bem rápida. Aqui Tarantino vai pro mesmo cenário de seus mestres do subgênero e consegue parear com eles, se não superá-los.
Tarantino foi muito criticado por usar em seus filmes a palavra "nigger" ("crioulo", mas com muito mais peso e que mal pode ser dita nos EUA dos dias atuais). Curiosamente parece que poucos notam que ele sempre colocou negros em papéis de destaque em seus filmes e que neste a vingança do protagonista contra os brancos representa todo o ódio que séculos de escravidão produziram, claramente sendo favorável ao lado dos negros oprimidos (sem que os transforme em coitadinhos), e não dos brancos opressores do Ku Klux Klan (os quais ele ridiculariza neste filme). Acusar Tarantino de racismo, assim, é coisa de quem precisa compreender melhor o contexto.
Ainda que quase todos os personagens sejam caricaturais, as atuações são espetaculares. Não é pra menos com o elenco reunido, que conta com a dupla de protagonistas já oscarizados à época, Jamie Foxx e Christoph Waltz (que conquistou sua segunda estatueta com o trabalho), além dos antagonistas, o recém-premiado Leo DiCaprio e o indicado Samuel L. Jackson. Também no elenco a bela e talentosa Kerry Washington no papel da esposa de Django, e pequenas pontas de atores de renome, como Jonah Hill (que não mereceu mas já contabiliza duas indicações ao Oscar), Bruce Dern, Don Johnson e Franco Nero (protagonista do filme que inspirou o título, Django).
A parte técnica é cheia de caprichos tarantinescos: cenas filmadas por cima, figurinos caricatos, close-ups rápidos e, claro, litros de sangue jorrando pela tela. A fotografia (indicada ao Oscar) é linda, com os belos cenários selvagens da América inexplorada e das plantations de algodão do Sul.
Django Livre é um dos melhores Westerns já produzidos. Violento e divertido sem que por isso seja vulgar. Um prato cheio pra quem gosta de bom cinema e não se incomoda com os exageros tarantinescos.
Nota: 10