11 de fevereiro de 2014

A Caça

Criança não mente

Jagten, Dir: Thomas Vinterberg, Dinamarca/Suécia, 2012, 115 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2106476/?ref_=nm_knf_i1



Concorrente do Oscar de melhor filme estrangeiro, A Caça retrata a estória de um professor do jardim de infância, que, repentinamente, é acusado por uma de suas alunas de ter cometido abuso sexual.

Desde o princípio, sabemos que o protagonista Lucas (o excelente Mads Mikkelsen, que interpretou o vilão LeChifre em Casino Royale) é inocente, que a menina que o acusa, Klara, simplesmente ficou bravinha por ter tomado uma bronca dele por tê-lo beijado na boca. Como tinha visto um filme pornô mostrado pelo amigo de seu irmão adolescente, fingiu ter usado a imagem que vira, de um pênis ereto, como se tivesse sido Lucas que mostrara para ela.

Curioso é que ninguém contesta o testemunho de uma criança, mesmo com todos sabendo que Klara, tem uma imaginação muito fértil. E a partir daí, a suspeita se torna certeza.

Vivesse Lucas em uma metrópole e suas complicações teriam sido mais simples, pois em cidades assim a impessoalidade permite que nos escondamos na multidão. Mas Lucas vive em uma cidadezinha bem pequena, onde todos se conhecem. Uma acusação dessas leva o fim de sua vida social, sendo hostilizado até mesmo para fazer comprar no supermercado. Passamos o filme inteiro comovidos com o drama pessoal de Lucas, com um sentimento de incômodo e de injustiça.

As consequências: um inocente é seriamente punido em meio a isso ou, trazendo a discussão para nosso cotidiano, um rapaz suspeito de assalto é espancado, desnudado e amarrado a um poste.

A Caça vem em boa hora nesses tempos de polarização de posições políticas, em que as pessoas nem precisam saber direito o que aconteceu para decidir seu lado. Ou seja, se uma menina disse que seu professor lhe molestou, é verdade inquestionável!

Qualquer um que acredite minimamente em Justiça deve saber que Justiça, tal qual a figura estampada em tribunais, é uma senhora cega, que somente usará a espada após ter feito a pesagem dos fatos. Só que em nossos tempos, poucos querem se dar o tempo de pesar os fatos, quase todos já querem sair sacando a espada e ir resolvendo as coisas.

A pedofilia é um tema que está na pauta em todo o mundo, especialmente em meio aos casos vergonhosamente encobertos pelo Vaticano. Mas é claro, qualquer caso deve ser cuidadosamente analisado. Não é porque vários padres foram acusados de pedofilia que todos esses são culpados. E pior ainda, achar que todo e qualquer padre é um pedófilo. Generalizações são sempre perigosas, e quase sempre injustas.

Esses tempos de paranoia com relação a segurança são terríveis. Dá até medo de brincar com crianças, pois seus pais podem interpretar qualquer atitude, especialmente um toque, algo praticamente essencial ao brincar, como abuso. E com isso vamos criando um mundo mais frio e assustado.

E acreditar, como as personagens do filme, que criança não mente, é uma enorme bobagem. Pesquisas científicas e a experiência prática demonstram que desde bebês aprendemos a mentir em benefício próprio.

Triste constatar que vivemos em um mundo tão injusto, em que uma acusação absolutamente infundada pode prejudicar uma vida para sempre.

Nota: 9

10 de fevereiro de 2014

O Lobo de Wall Street

Malandro é malandro, mané é mané


The Wolf of Wall Street, Dir: Martin Scorsese, EUA, 2013, 180 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0993846/



Imagine o que um bando de vagabundos iria fazer se ganhasse muito dinheiro. É isso que você imaginou que é retratado em O Lobo de Wall Street, uma sucessão imensa de exageros, com diversões adolescentes, drogas, sexo e palavrões.

Baseado na história real de Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), um corretor da bolsa que percebe que pode ganhar muito dinheiro vendendo ações de companhias minúsculas para gente da classe trabalhadora que acredita na ilusão de que irá ganhar milhões. E com isso ele consegue taxas de corretagem de 50%, enquanto que corretores de ações convencionais ganham muito pouco, cerca de 1%. Para isso ele monta um time com experiência em vendas, só que todos envolvidos com drogas, crimes e picaretagem. Em suma, pequenos mafiosos que vão encontrar um novo nicho no mercado acionário.

Fazia tempos que eu não ria tanto em um filme. Os exageros são hilários, e bem politicamente incorretos, como o arremesso de anões em alvos e o machismo que se faz presente em todo o filme. E coisas absurdas, como os corretores pensando na contratação de anões, e discutindo seriamente que não se pode olhar nos olhos dos baixinhos. Mas nenhuma cena se compara a passagem em que Popeye está passando na TV. Não vou contar pra não estragar a diversão de quem ainda quer ver.

DiCaprio tem em suas mãos um personagem megalomaníaco, que vive tudo com a máxima intensidade. E não decepciona, tem que fazer de tudo um pouco, alguns ataques histéricos, crises de overdose, momentos de convencer trouxas, arroubos de violência e até alguns momentos de seriedade. Não só por esse filme, mas pelo conjunto da obra, acho que ele já merece um Oscar, pois desde Titanic ele sempre está bem em seus papéis.

E no fim, fica aquela sensação de que um estelionatário engana aos outros porque sempre tem algum bobo de boca aberta pronto pra acreditar em qualquer coisa.

Nota: 8

3 de fevereiro de 2014

Azul é a Cor Mais Quente

E eu gosto de meninos e meninas


La vie d`Adèle, Dir: Abdellatif Kechiche, França/Bélgica/Espanha, 2013, 179 min
IMDB: clique aqui



Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2013, Azul é a Cor Mais Quente causou muita polêmica por, alem de envolver um amor lésbico, ter cenas de sexo muito pesadas, bem mais fortes que o "polêmico" beijo gay da novela das nove. Obviamente, como sempre, quem é homofóbico e está feliz sendo assim, melhor passar longe, pois vai dizer que é só uma sem-vergonhice, apologia à homossexualidade, "o que vão ser de nossas crianças" e outros argumentos ultraconservadores. Agora, quem acha que tudo isso é besteira, que o desejo é inato e que não será um filme que vai fazer alguém preferir A ou B, pode gostar do que verá.

O filme, em suas 3 horas, vai num ritmo lento, mas não o achei arrastado ou enrolado. Não se vê, contudo, pressa em contar a estória. Muitas cenas são do cotidiano banal de Adele, com a câmera muitas vezes focada em seu rosto, mostrando a sutileza de seu estado de humor enquanto tenta se descobrir no mundo.

A trama acompanha Adele (a naturalmente bela Adele Exarchopoulos) bem de perto, como muitos closes em situações bem íntimas dela, como babando ao dormir, numa busca do diretor em torná-la uma pessoa qualquer, sem nada de especial. A primeira parte do filme mostra Adele na escola descobrindo a vida sexual, com um ficante que não combina nada com ela, mas a trata bem. Após sua primeira relação sexual ela diz que "foi demais", enquanto sua expressão facial mostra um tédio total. Tanto que não demora para encerrar este caso.

Aí surge em sua vida Emma (Léa Seydoux, a assassina de Missão Impossível 4 e a moça do antiquário em Meia Noite em Paris), a garota do cabelo azul, com a qual ela se encanta no primeiro olhar. Ao contrário da tímida e simples colegial Adele, Emma é uma pintora e estudante de artes, intelectualizada, engajada politicamente e já experiente sexualmente. Mas percebe que para conquistar Adele terá de ir aos poucos, pois existe a barreira da homossexualidade, e Adele vive em um ambiente bem conservador, tanto quanto a sua família quanto a seus amigos, bem diferente de Emma, habituada ao mundo de intelectuais e artistas.

A segunda parte do filme já mostra a fase adulta de Adele, após passar a viver junto com Emma e a dificuldade do relacionamento, como qualquer outro, acrescido da dificuldade em ter convívio social normal tentando esconder sua homossexualidade.

O filme não pretende ser uma bandeira para o movimento gay. Adele não está interessada em defender nenhuma causa, como mostra seu desinteresse em uma parada gay e seu esforço para se divertir neste ambiente. Adele somente quer amar.

Não que o filme não trate do preconceito. Uma das melhores cenas é com as "amigas" de escola de Adele, que, ao verem ela caminhando junto a Emma na saída da aula, fazem um interrogatório no dia seguinte, e uma das integrantes da patota questiona se ela não tinha outra intenção quando foi dormir em sua casa. Como se a orientação sexual de alguém impedisse de ter amigos do gênero pelo qual tem desejo.

Muitas coisas não são ditas no filme, o que faz com que seja necessário que se leia as expressões faciais das atrizes, e que se compare situações distintas em diferentes momentos, como a comparação da intensidade de Adele em sua relação sexual com seu ficante da escola e com Emma, ou como se dá a aproximação entre esses e a protagonista.

Azul é a Cor Mais Quente é uma demonstração daquilo que já diziam os Titãs, "todo mundo quer amor".


Nota: 9


20 de janeiro de 2014

Blue Jasmine

Meu mundo caiu


Idem, Dir: Woody Allen, EUA, 2013, 98 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2334873/



Woody Allen lança um filme por ano há mais de quarenta anos. Em 2013 não foi diferente, e este é seu produto, filme que disputa o Oscar de roteiro original, atriz principal e atriz coadjuvante

>Blue Jasmine, ótimo título, brincando com a ambiguidade entre a flor jasmim azul e a protagonista do filme, a triste Jasmine (Cate Blanchett), traz a história de uma mulher que era milionária e frequentadora da high society de Nova York que perde tudo e vai morar com a irmã pobre, Ginger (Sally Hawkings), em São Francisco.

Jasmine perdeu tudo, o dinheiro, os imóveis, o prestígio social, o marido que se matou após ser preso por golpes financeiros milionários, e o enteado que fugiu de tudo isso, mas não perdeu a pose. Já na abertura do filme está voando em primeira classe, usando roupas de grife e dando alta gorjeta para o taxista carregar suas bolsas Louis Vuitton. E confrontada pela irmã a aceitar um padrão de vida bem inferior ela é resistente, tentando retomar o caminho de pessoa bem sucedida que tinha traçado antes de se casar, de estudar e conseguir destaque profissional, algo que não fez por ter aceitado o papel de bem sucedida esposa dondoca.

O filme passa a ser então uma narrativa construída no contraste entre o presente difícil e o passado glorioso de Jasmine, por meio de diversas cenas de flashback. Jasmine encontra muita dificuldade em descer do salto alto, ter de aceitar que deve trabalhar em um emprego de baixas qualificação e remuneração, pois não teve estudo ou experiência para coisa melhor

É interessante notar que Jasmine, que perdeu tudo em razão do patrimônio de seu marido ter sido construído em cima de trapaças, repete o padrão ao tentar falsear seu passado. Exemplo disso é que ela decidiu mudar seu nome, que era Jeanette, ainda na adolescência. E irá criar todo um passado suavizado sobre sua vida de rica, omitindo toda a sujeira da fortuna do marido ao conhecer um pretendente "adequado", ao contrário dos homens rudes e grosseiros que sua irmã tenta lhe apresentar e que ela considera perdedores, como o ex e como o futuro marido de Ginger.

Cate Blanchett está excelente no papel de Jasmine, personagem que, além de toda a carga pelo trauma que carrega, é descontrolada e começa a reclamar da vida até mesmo andando sozinha na cidade. Das concorrentes ao Oscar só vi a atuação de Sandra Bullock, e diria que é difícil escolher entre as duas, pois esta tem de carregar Gravidade praticamente sozinha.

Blue Jasmine é um filme que trata sobre a dificuldade das pessoas em virem seu mundo cair, e como construímos nossas certezas em cima de coisas precárias, ou, como colocado no filme, a tentativa de não querer ver as coisas como são, olhar para o outro lado, como faz Jasmine em relação a suspeita fortuna de seu marido.

Como mencionei Gravidade, interessante até fazer um paralelo com este, no qual a protagonista também viu seu mundo cair com a morte da filha, e teve de acreditar que não se deveria deixar abater por esse fato e seguir em frente. Esse é o dilema, ou deixar o passado para trás e encarar a vida, ou cair e não se levantar mais.

Nota: 8

16 de janeiro de 2014

Pais e Filhos

A difícil arte de ser pai

Soshite chichi ni naru, Dir: Hirokazu Kore-eda, Japão, 2013, 121 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2331143/


Vencedor do último Prêmio do Juri do Festival de Cannes, Pais e Filhos, trata, em tese, do raro e complicado tema da troca de bebês. As famílias de Ryota e Midori Nonomiya e de Yukari e Yudai Saiki descobrem que seus filhos, com 6 anos de idade, Keita e Ryusei, foram trocados na maternidade. 

Disse que esse é o assunto "em tese" porque a história, apesar de tratar bem da questão dos meninos trocados, gira em torno da dificuldade de Ryota em ser um bom pai, pois, acima de tudo, quer que seu filho seja forte e independente, como ele, um arquiteto workaholic bem sucedido. Por isso, acho que mais adequado seria se o título adotasse uma tradução literal do título em inglês, "Tal Pai, Tal Filho".

Desde o começo nota-se toda a pressão que Ryota impõe a Keita, e não compreende como seu filho pode ser tão diferente de si, um fruto que caiu longe da árvore. Tanto que a primeira coisa que diz ao descobrir a troca é a abominável frase "Isso explica muita coisa", demonstrando que, de cara, já preferiria que seu filho fosse diferente e melhor saber que Keita não é seu filho. A família que ficou com Ryusei, o filho biológico de Ryota, corresponde ao oposto de sua maneira de se portar e viver a vida. Pobres (para um padrão japonês, obviamente), ele é dono de uma pequena loja de produtos elétricos e ela garçonete, são afetuosos e desleixados na criação de seus três filhos. 

Nem é preciso muitos diálogos para se estabelecer tal padrão, pois no primeiro encontro entre os casais Kiudari já chega despenteado e com o terno mal ajustado, ao contrário de Ryota, sempre impecavelmente vestido, além da linguagem corporal diversa, pois um é atrapalhado, sendo o outro marcado por gestos milimetricamente planejados. Tal contraste acentua as diferenças entre os núcleos familiares e torna ainda mais marcante a frieza de Ryota. 

O filme é muito bom desde a primeira cena. O talento do diretor e roteirista Kore-Eda é notável, exemplificado pelo fato de não haver cenas ou diálogos desnecessários. A sensibilidade com que trata de um tema tão complicado também é admirável. Fico pensando que se tal tema fosse tratado por uma Glória Perez da vida, que sempre trata de tema complexos de maneira patética. Seria uma novela inteira com a Deborah Secco chorando rios por isso. Kore-Eda coloca somente os choros necessários, e nos faz chorar com a dureza da situação. 

Pais e Filhos lida com o problema contemporâneo dos pais que não tem tempo para os filhos, e que cobram desempenho destes, nos levando a pensar em como devemos agir como pais para ter filhos felizes. 

Nota: 10

15 de outubro de 2013

Gravidade

Perdidos no Espaço

Gravity, Dir: Alfono Cuáron, EUA/Reino Unido, 2013, 91 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1454468/




Filme sensação do momento, após ter sido ovacionado no Festival de Cannes e elogiadíssimo pela crítica, Gravidade, tem uma trama relativamente simples: uma dupla de astronautas vividos por George Clooney e Sandra Bullock têm de se salvar após uma colisão de detritos espaciais com o ônibus espacial no qual estão. Pouco depois, descobrimos que a personagem de Sandra Bullock tem dúvidas sobre se quer lutar por sua vida, pois ainda vive o luto pela morte de sua única filha de 4 anos de idade.

Dito assim, o filme pode parecer sem graça. Talvez quem goste somente de filmes-cabeça, com tramas complexas ou filosóficas, veja Gravidade somente como um filme de ação. Mas nem só dessas tramas "mais complexas" vive o cinema. Assim, o filme se encaixa na linha dos primeiros tempos de Spielberg, como Encurralado (Duel), no qual um sujeito normal sai de casa e de repente se vê perseguido por um caminhão, ou o ultrapopular Tubarão. Nessa linha de tramas simples mais recentes destaco ainda o excepcional Drive. Assim, não há qualquer demérito na simplicidade do roteiro. Especialmente por manter a crueza dos desafios reais no ambiente hostil, sem se render a câmeras lentas, músicas dramáticas ou outros recursos emotivos.

O ponto alto de Gravidade com certeza é seu espetáculo visual. Nenhum filme anterior que teve o espaço como cenário nos fez sentir tanto neste ambiente. Este definitivamente é um filme para se ver em 3D e se sentir imerso na imensidão celestial. Aposto que o Oscar de efeitos especiais já tem dono. E só pelo esforço físico Sandra Bullock já merece disputar o de melhor atriz.

Depois de ver o filme, acho que as pessoas terão de rever aquele velho sonho de ser astronauta.

Nota: 8

8 de outubro de 2013

Idiocracia

Dãããããã


Idiocracy, Dir: Mike Judge, EUA, 2006, 84 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0387808/






Após várias gerações nas quais as pessoas mais inteligentes demoravam para se reproduzir, gerando, quando muito, um só descendente, e os "menos favorecidos intelectualmente" iam povoando o mundo, a Terra se vê coberta por uma humanidade completamente idiota em 2505. Esse é o futurismo proposto em Idiocracia.

Joe Bauers, ou Not Sure (Luke Wilson) é o protagonista da estória. Colocado em hibernação em 2005, é esquecido dentro de seu sarcófago após o projeto ser cancelado pelo exército dos EUA. Ele havia sido escolhido devido à sua incrível mediocridade, pois era um "homem médio" em todos os quesitos.

Quando acorda, em 2505, encontra um planeta imundo, povoado por quase débeis mentais, que vivem de repetir bordões de comerciais da TV, gírias e palavrões, quando conseguem exprimir mais do que 3 palavras. Num ambiente como esse, é fácil ser o sujeito mais inteligente, o que acontece com Joe. Aliás, por conseguir articular minimamente suas frases, sem falar gírias nem grunhir, todos o veem como efeminado.

Bem, a partir daí a estória segue um ritmo de ação no qual Joe é preso, considerado a pessoa mais inteligente do mundo após testes estúpidos de QI, nomeado ministro, condenado à execução pública dentre outras desventuras.

O diretor do filme é Mike Judge, mais conhecido por ser o criador da dupla de idiotas Beavis e Butt-Head. Não acompanhei muito o seriado, mas a impressão que se tem é que ele quis imaginar um mundo povoado por idiotas como seus famosos personagens, que ficam rindo, grunhindo e só pensam em sexo.

O filme é cheio de boas tiradas. Um julgamento em que o juiz é um showman e no qual o advogado de defesa passa a acusar seu cliente, em meio a argumentações vazias, um presidente que é ex campeão de luta livre (lembram de algum ex governador da Califórnia?), uma arena mistura de coliseu com estádio de futebol com a torcida vibrando pra ver destruição e um cinema com as pessoas rindo de uma bunda que fica em cena ao longo de toda a projeção (que me lembram os frequentadores do Cinemark que gargalham a cada ironia sutil de filmes dramáticos) são alguns dos bons momentos.

O pior de tudo no filme é perceber que na brincadeira, há um belo fundo de verdade. Tenho a sensação de que o mundo está emburrecendo, por mais contraditório que pareça em um ambiente no qual transborda informação. Mas, tal contradição é aparente, pois a informação cada vez tem menos qualidade. Basta ver na página do UOL quais são as notícias mais lidas. Quase sempre são sobre fofocas de celebridades. Com tanta informação disponível as pessoas ficam com preguiça de pensar. Um mundo de alienados, como no livro clássico Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

Duvido que quem assistir não vai pensar que talvez este seja nosso destino.

Nota: 7

23 de agosto de 2013

Hannah Arendt

Banalidade do Mal

Idem, Dir: Margarethe von Trotta, Alemanha/França/Luxemburgo, 2012, 113 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1674773/?ref_=sr_1


Hannah Arendt é considerada uma das maiores filósofas do século XX, sendo seu livro mais conhecido Origens do Totalitarismo, no qual causou grande polêmica ao comparar o nazismo ao stalinismo, vistos como duas faces da mesma moeda do totalitarismo.
O filme trata de um período posterior a este livro, quando ela vai, a serviço da revista The New Yorker, fazer a cobertura do julgamento do líder nazista Adolf Eichmann pelos israelenses. Eichmann era responsável pela logística de embarcar prisioneiros nos trens que seguiam para os campos de concentração, sendo que a morte destes prisioneiros, em sua maioria judeus, era quase uma certeza. Após a guerra, Eichmann conseguiu escapar da Alemanha e, anos depois, foi capturado pelo Mossad, o serviço secreto israelense em Buenos Aires, e levado a Jerusalém.

Todos esperavam então ver um monstro no tribunal, um nazista cruel sem o menor respeito à vida. Alguns viram o que esperavam, até porque o ódio despertado pelo genocídio ainda era muito recente. Mas Hannah Arendt tentou ver o homem, sem preconceitos, e ficou chocada ao perceber que ele não era nenhum monstro, mas um homem comum, um simples burocrata, que tinha a convicção de que apenas seguia ordens e que não tinha responsabilidade alguma pelas mortes das pessoas, pois, afinal, "somente as colocava dentro do trem".

Com isso, Arendt notou que diferentemente do que diz o senso comum, o Mal não é algo inato, um defeito de caráter ou algo do gênero. O Mal pode ser banal, como ela entendeu ao criar o conceito de "banalidade do mal". Eichmann era uma pessoa medíocre, não era nenhum gênio do mal ou um pervertido. Apenas abidicara de sua capacidade de discernir entre o que é certo e o que é errado, o que, para Arendt, é a característica masi marcante no pensamento humano.
Como toda ideia que fere o senso comum, esta causou polêmica, da mesma maneira que há poucos anos causou o excelente filme A Queda: As Últimas Horas de Hitler ao humanizar a figura do fuhrer. É muito mais fácil para o senso comum entender que Hitler era simplesmente um monstro sádico do que entender que ele era um homem comum que cometeu uma série de atrocidades, e que nós também podemos fazer o mesmo, pois, afinal, o "monstro" reside em nós.

Mas a maior revolta foi causada pela sua coragem em querer analisar o papel de alguns líderes judeus que colaboraram com os nazistas na organização do sistema. Esse foi o fator para que muitos até jurassem Arendt de morte e a considerassem uma traidora, pois ela era judia e até mesmo passara por um campo de concentração. Há muito de interesse político aí, pois a própria existência do Estado de Israel se deve em grande parte ao genocídio nazista e a ideia de martirização do povo judeu. Se se ataca tal martirização fica difícil justificar o sionismo, ou seja, a necessidade da existência de um Estado próprio em que o povo judeu possa viver sob suas leis.

O filme é um pouco "quadrado". Há uma certa repetição de "cenas reflexivas" de Arendt, com ela pensando com expressão séria ao lado de seus inseparáveis cigarros enquanto ouvimos uma música dramática tocada bem alto. Tecnicamente o que há de mais interessante é o fato de que Eichmann é interpretado por ele mesmo, ou seja, são usadas imagens reais de seu julgamento e de suas frases, o que nos permite julgar diretamente sobre o réu.

Mas o que sustenta o filme são as ideias de Arendt e sua coragem em expor suas polêmicas ideias. Como certeza muita conversa será gerada após a sessão.
 
Aliás, seguem duas ótimas colunas sobre Eichmann e Arendt, dos psicanalistas Contardo Calligaris e Francisco Daudt: 

Nota: 7

20 de agosto de 2013

Flores Raras

Amor e ciúmes


Idem, Dir: Bruno Barreto, Brasil, 2013, 118 min





Flores Raras pode causar polêmica por tratar de um tema ainda tabu que é o relacionamento homossexual. Já adianto que o filme não tem nenhuma cena muito explícita, apenas tem o tão temido "beijo gay", que a TV teme em mostrar.

Feita essa introdução, o filme baseia-se na história real do relacionamento amoroso entre a arquiteta Lota de Macedo Soares, criadora do Parque do Aterro do Flamengo e a poeta Elizabeth Bishop, ganhadora do Prêmio Pulitzer. Completando e complicando o relacionamento está Mary Morse, companheira de Lota.

Elizabeth deixa Nova York para fazer uma viagem pelo mundo e espairecer. Sua primeira escala é no Rio de Janeiro, de onde não sairá mais. Como era antiga colega de faculdade de Mary, esta a convida a ficar em sua casa. Lota fica irritada e cheia de ciúmes, temendo que esta antiga colega "roube" sua companheira. Mas o que ocorre é o contrário disso, sendo Lota quem se apaixona por Elizabeth.

A diferença comportamental entre as personagens centrais é marcante. Lota é firme, decidida e expansiva, com uma imagem masculinizada. Elizabeth é tímida, insegura, introvertida e delicada, tendo até mesmo certa fobia social.

O filme é muito sutil ao abordar o relacionamento. Se o expectador se despir de seus possíveis pudores contra a homossexualidade irá ver tão-somente um filme sobre idas e vindas do amor, ciúmes e outros temas relacionados. Além disso, as atuações são excelentes, com destaque para a sempre ótima (exceto em besteiras do tipo Se Eu Fosse Você), Glória Pires.

E a partir deste pitaco irei indicar outros textos sobre o filme tratado. Começando com um dos meus colunistas favoritos, Contardo Calligaris: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2013/08/1326590-flores-raras.shtml.

Nota: 7

12 de agosto de 2013

Antes da Meia Noite

Discutindo a relação

Before Midnight, Dir: Richard Linklater, EUA, 2013, 109 min


Continuação dos filmes Antes do Amanhecer (1995) e Antes do Pôr-do-Sol (2004). Para quem não os conhece, um breve resumo dessa ótima trilogia.

No primeiro filme os protagonistas são dois jovens, Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy), ele americano e ela francesa, viajando em um trem pela Europa que, após uma troca de olhares, ele a convida a descer em Viena e passarem um tempo juntos. Se apaixonam perdidamente e prometem um encontro para depois de seis meses no mesmo local.

No segundo filme descobrimos que Jesse atravessou o Atlântico para encontrá-la, mas Celine não apareceu. Para tentar remediar sua dor, Jesse escreveu um livro sobre o encontro e o lança nove anos depois. Quando está lançando o livro em Paris ela aparece e eles retomam o diálogo, deixando em aberto a possibilidade de ficarem juntos.

Pois bem, em Antes da Meia Noite Jesse e Celine estão juntos nove anos após o reencontro em Paris, cidade em que moram, têm duas filhas gêmeas e estão encerrando um período de férias na Grécia. E Jesse se esforça para manter o contato com seu filho do relacionamento anterior, que mora nos EUA, de quem se despede após as férias em seu retorno à América.<

Como nos outros filmes, o filme é recheado de diálogos sobre relacionamentos, o sentido da vida, como lidar com o cotidiano, as diferenças entre os sexos, dentre outros, em um período curto de tempo. E, ao contrários dos anteriores, neste há diálogos com outros personagens. Neste ponto destaco o diálogo do almoço com os gregos, no qual estão na mesa um casal bem jovem, outro casal maduro como Jesse e Celine, e dois velhos viúvos, cada um com sua visão sobre como é se relacionar.

Tentando fazer uma síntese sobre o conteúdo do conjunto dos 3 filmes, no primeiro encontramos um amor à primeira vista, com dois jovens à la Romeu e Julieta, como toda a vida para viver e com o sonho de que poderão ser felizes para sempre. No segundo encontramos duas pessoas que passaram por muitas coisas no mundo real, mas que ainda acreditam que aquele amor do passado pode dar certo. Neste último vemos o casal real que se tornaram, afogado pelos problemas do cotidiano e envolto em uma crise de relacionamento.

É improvável que qualquer casal que vive junto não consiga se ver espelhado na tela. O relacionamento real é cheio de problemas e muito distante daquele ideal de contos de fada. Aquela última frase desses livros, "e viveram felizes para sempre", é uma das maiores mentiras já inventadas. O cotidiano é duro conosco.

Assim como no último filme que comentei, O Grande Gatsby, neste também há o problema do passado que não volta. Jesse e Celine tem que aceitar que muita coisa aconteceu nos nove anos que passaram entre quando se conheceram e quando finalmente ficaram juntos. Jesse teve um filho nesse período, e isso será um dos maiores focos de problemas entre eles, apesar de Celine gostar muito do menino. Não há como apagar esse tempo, é necessário que ambos tenham responsabilidade para arcar com as consequências de ficarem juntos. Pra cada caminho que escolhemos seguir há inúmeros que indiretamente decidimos não seguir. Saber viver com essas recusas é essencial em nossas vidas.

Aconselho que quem queira ver o filme não leia este parágrafo para não estragar a surpresa. Um dos momentos mais interessantes é quando Celine, em meio à discussão, subitamente diz que não ama mais Jesse e que esse é o fim do relacionamento. Se analisarmos bem é estranho vivermos à base desse amor romântico, muito ligado em nossas paixões e nossos impulsos. Dificilmente (pra não dizer impossível) um relacionamento pode se basear somente nesse impulso da paixão. Pra suportar o terrível cotidiano, com agendas lotadas, tarefas domésticas, contas a pagar, filhos e outros problemas é necessário haver algo mais, e não  somente o sonho de um amor perfeito. Jesse se encarrega de lembrar isso à Celine na última cena.

Enfim, gostei muito desse último filme, que manteve a qualidade dos demais. Jesse e Celine são um símbolo para os casais, senão de todos, pelo menos daqueles na faixa dos 30 aos 50 anos.<

Nota: 9

21 de junho de 2013

O Grande Gatsby

O passado não volta

The Great Gatsby, Dir: Baz Luhrmann, EUA, 2013, 142 min


Nova adaptação do clássico literário dos EUA, o Grande Gatsby traz um elenco de qualidade, liderado por Leonardo DiCaprio, para interpretar uma estória excelente. 

Ocorre que a trama do livro, para chegar à tela, precisa ser adaptada, e em alguns momentos o filme se perde em querer fugir do eixo central, produzindo um espetáculo visual, na tentativa de mostrar toda a opulência construída pelo excêntrico e misterioso milionário Jay Gatsby no intuito de chamar à atenção de seu antigo amor, Daisy. 

Algo que me irritou desde o começo do filme foi o excesso de tomadas nas cenas, ou seja, os cortes da câmera. Tentei contar e não me lembro de uma tomada sequer que durasse mais de 10 segundos. Em qualquer diálogo a câmera incessantemente cortava do close de um ator para o de outro. Há também um certo excesso de ação no início do filme, mas há o mérito de reconstruir digitalmente Nova York na próspera era dos anos 1920. Mas, pra quem viu outros filmes do mesmo diretor, como Moulin Rouge e Romeu + Julieta, sabe que ele tem uma queda por esse ritmo acelerado e cenários exagerados.

Mas, apesar desses detalhes, o filme não é ruim. A partir da metade a estória fica mais densa e flui melhor, apesar de as tomadas curtas não pararem. E assitimos, com pena, toda a obsessão de Gatsby para retornar a um tempo que já se foi, quando ele conheceu Daisy e sonhava em ter uma grande vida ao seu lado.

Detalhe final: Vi em 2D. 3D pra mim só se justifica em filmes de ação, o que, pelo menos não deveria ser um com a trama de Gatsby.

Nota: 7

27 de maio de 2013

Homem de Ferro 3

O Homem da Roupa de Ferro

Iron Man 3, Dir. Shane Black, EUA, 2013, 130 min



Tony Stark está de volta após sua aventura coletiva em Os Vingadores, filme do qual não gostei por incluir dois super-heróis que já tinha achado sem graça, Thor e Capitão América, outros quase inexpressivos, Gavião Arqueiro e Viúva Negra (mesmo sendo essa interpretada pela Scarlett Johansson) e que me pareceu uma reunião de heróis com um roteiro qualquer lotado de cenas de ação e efeitos especiais só pra vender ingressos. Bem, feito essa observação, vamos falar do Homem de Ferro 3, que é o que interessa.

Nessa nova aventura Tony Stark (Robert Downey Jr, que continua muito bem no papel de herói fanfarrão) está atormentado com sua experiência junto aos Vingadores. Tem pesadelos recorrentes envolvendo o encontro com o monstro do filme anterior. E é confrontado por um terrorista poderoso, o Mandarim (Ben Kingsley), que está secretamente alinhado a um dono de um conglomerado tecnológico rival das Stark Industries, Aldrich Killian (Guy Pearce), ressentido com Tony Stark, que ignorou sua proposta tecnológica 13 anos antes. Também estão de volta a seus papéis Pepper Potts (Gwyneth Paltrow) e Coronel Rhodes (Don Cheadle), agora convertido de Máquina de Guerra em Patriota de Ferro, a mesma armadura com uma pintura que mais lembra o uniforme ufanista do Capitão América, e é debochado por Stark todo o tempo.

A maior ameaça no filme é o clã de ex-soldados contratados por Killian que tem a incrível capacidade de gerar altíssimas temperaturas corporais e se regenerarem. A não ser que percam o controle, quando explodem causando uma grande área de danos. A grande novidade em relação ao equipamento do Homem de Ferro é que agora ele controla sua armadura à distância por movimentos de seu corpo, e as peças vem voando em direção a ele. Esses efeitos são responsáveis por diversos bons momentos do filme, incluindo aqueles no qual Stark passa a armadura para Pepper.

Aliás, a relação entre Stark e Pepper é enfatizada nesse episódio, pois o primeiro é obrigado a se questionar se vale à pena arriscar a vida dela para ser o herói do dia.

O momento negativo no filme é a luta final, na qual tem umas 40 armaduras de Homem de Ferro voando por todos os lados e enfrentando os capanguinhas e Stark, ao perder uma delas, luta desarmado em parte do tempo contra o vilão. Ora, não bastava vestir uma armadura??? Risos!

Quem ainda não viu não perca a cena "escondida" que passa no final do filme, na qual será revelado que a narração em off de Stark não era dirigida a plateia. 

Concluindo, quem gosta do Homem de Ferro, verá uma aventura interessante.

Nota: 7

27 de março de 2013

Trainspotting - Sem Limites

Quem quer ser um junkie?


Trainspotting, Dir. Danny Boyle, Reino Unido, 1996, 94min





Revi recentemente este filme que incluo entre aqueles que mais me marcaram, pois foi um dos primeiros contatos que tive, em minha adolescência, com filmes não-hollywoodianos. Escrevo assim porque detesto o rótulo de "alternativo", como se somente os grandes estúdios dos EUA produzissem filmes importantes, além do que existe essa cultura besta de querer se "diferenciar".


Trainspotting traz a história de um grupo de amigos escoceses, a maioria deles usuários de heroína, uma das drogas mais pesadas. São eles o protagonista que tenta deixar o vício, Renton (o pouco conhecido à época Ewan McGregor), o cara que tenta sempre se mostrar bem sucedido, Sick Boy, o bonzinho e fraco Spud, o esportista Tommy e o machão beberrão falso-moralista Begbie.



A estória gira em torno da tentativa de Renton de deixar a vida focada no uso de heroína e viver uma vida normal. Esse é o eixo condutor do filme, pois, desde o início, se questiona o que é a vida normal. Ser bem sucedido no trabalho, ter família, filhos, carro, viagens de férias? Talvez o objetivo de todos nós seja buscar o prazer, e o uso de drogas seria apenas uma outra forma. Aliás, nesse ponto, o filme também lembra o ótimo Clube da Luta, pois mostra a tentativa de fugir da vida certinha por uma via considerada socialmente inadequada.



Algumas cenas surreais são inesquecíveis, como a do bebê engatinhando no teto, ou a do "mergulho" dentro da privada do "banheiro mais sujo da Escócia". Algumas são divertidíssimas, como aquela que dois amigos estão falando sobre sexo em uma balada, enquanto suas namoradas fazem o mesmo no banheiro. Quando se encontram as garotas perguntam sobre o que eles falavam, ao que eles cravam "futebol" e devolvem a pergunta, tendo como resposta "compras". 



Uma personagem muito marcante é Begbie. Ele é o cara que não usa drogas, mas fuma e bebe o tempo inteiro, enquanto dá lições de moral nos amigos mesmo sendo campeão em arrumar confusões em bares. 



Há muitas outras cenas fantásticas no filme, além de uma trilha sonora rockeira muito boa. A edição é um destaque à parte, pois o ritmo do filme se alterna bastante, às vezes (poucas) sendo lento, e por outras vezes se tornando um vídeo clipe. 



A excelente direção é de Danny Boyle, que posteriormente foi merecidamente premiado com o Oscar de melhor diretor por Quem Quer Ser um Milionário?.



Trainspotting é um filme bem pesado, mostrando as pessoas se drogando de maneira muito realista, tendo sido por alguns considerado apologista ao uso de drogas. Não vejo assim, pois ao mesmo tempo em que mostra que a droga dá um imenso prazer imediato (se assim não fosse, ninguém usaria), mostra a destruição que ela pode causar, especialmente na estória sobre Tommy. Talvez seja até moralista, ao mostrar que o caminho pra quem fica nas drogas é, quase sempre, o da ruína. Assim, tem um paralelo também com Réquiem para um Sonho, que trata da dependência de maneira mais genérica.



Como o filme é a adaptação de um livro de mesmo nome, há discussões sobre Danny Boyle dirigir a adaptação da sequência, Porno, contando o destino das personagens alguns anos depois.



Nota: 10

12 de março de 2013

O Som ao Redor

Casa-Grande & Senzala


Idem, Dir. Kleber Mendonça Filho, Brasil, 2012, 131min


Filme que tem recebido excelentes críticas e esteve envolvido em uma polêmica após um comentário maldoso de um diretor da Globo Filmes, O Som ao Redor retrata o cotidiano de pessoas que vivem ou trabalham numa rua em Recife, a poucos metros da praia.

O filme traz diversas tramas paralelas sem interrelação. Estão lá a dona de casa entendiada que não consegue dormir com os latidos do cachorro do vizinho, o velho patriarca de uma família que era dona de terras do passado, os moradores de um edifício de luxo que querem demitir o porteiro que dorme no serviço, os seguranças da rua que chegam para "garantir o sono dos moradores, dentre outros.

O filme tem vários defeitos e poucas qualidades. O primeiro defeito é a duração. O diretor não precisava gastar duas horas para que se entendesse a mensagem que ele quer passar, de que a relação casa-grande e senzala persiste em existir no Brasil contemporâneo, apesar da nova roupagem. Aliás, tal sentido é explicitado logo na primeira cena, em que há a exibição de uma sequência de fotos antigas de grandes propriedades rurais, os senhores e seus dependentes.

Também incomoda a lentidão com que se desenvolve a história. Várias coisas vão acontecendo sem muita conexão. A dona de casa tenta envenenar o cachorro, um menino chuta a bola no prédio de luxo e não consegue pegá-la de volta, um corretor de imóveis vai tomar café da manhã com a empregada após dormir com uma moça que conhecera na noite anterior, etc. Apenas a proximidade física, por tudo acontecer na mesma rua, estabelece um elo entre as cenas.

Além disso, algumas cenas nem se desenvolvem. Ao menos duas cenas mostram um casal de adolescentes em uniformes escolares se beijando em um cantinho. Cenas totalmente perdidas e sem nenhuma ligação com os demais eventos. 

Como qualidade, há cenas interessantes, como a em que os seguranças vão pedir "benção" ao velho patriarca para atuar na área em que ele vive, e este começa a caçoar do mulato caolho, mostrando seu tratamento humilhante para os, no seu ponto de vista, "inferiores". Também há uma interessante cena sobre a reunião de condomínio para discutir a demissão do porteiro que há muitos anos lá trabalha mas só dorme em serviço.

Também se destaca a preocupação do diretor de tratar as personagens como pessoas com defeitos e qualidades, não elegendo heróis e vilões de forma maniqueísta. 

Em síntese, o filme tem bons momentos, mas são muito poucos, sendo na maior parte do tempo, extremamente cansativo. Havia maneiras muito melhores de se mostrar a persistência das formas de tratamento coloniais.

Nota: 4

De volta em um novo canal

Pitacos cinematográficos, que andava morto-vivo no endereço do UOL, voltou, agora em casa nova, no Blogger.

Na primeira vez tinha parado de escrever por falta de público. Agora, com o Facebook e o Twitter, como recomendaram alguns amigos, talvez consiga mais visibilidade, por isso a volta.

Resgatei os posts antigos, colocando a data da postagem original. 

Não revisei nada. Posso até ter mudado de ideia ou notado algum erro de português, mas deixei como originalmente publicado.

Os comentários antigos podem ser acessados clicando no link abaixo da nota.

Basicamente a ideia básica é a mesma do primeiro pitaco:
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Apresentação do Pitacos
Sejam bem vindos ao Pitacos Cinematográficos (que pretensão, será que alguém vai mesmo ler isso aqui)!
Este blog foi criado para análise de filmes. Este blog não é um diário pessoal, no entanto, qualquer crítica reflete as idéias e a visão do autor. Ao final de cada avaliação atribuirei aos filmes uma nota de 0 a 10.
Comentários, sugestões e discussões serão bem vindos!
Aguardo seus pitacos!
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É isso. Aguardo seus novos pitacos!


31 de outubro de 2007

Zé do Caixão

À Meia-Noite Levarei sua Alma

Dir. José Mojica Marins, Brasil, 1964, 78min


Foi exibida em sessão dupla na Mostra os dois principais filmes do coveiro mais famoso do cinema.

Neste primeiro filme, é apresentada a personagem Zé do Caixão, agente funerário cético ao extremo, que despreza a ignorância causada pela religiosidade do povo e gosta de cometer atos que choquem a moral, como comer carne na sexta-feira santa.

Por não acreditar em ressurreição ou reencarnação, Zé do Caixão acredita piamente que o modo de se tornar imortal é pelo sangue, ou seja, fazendo um filho e perpetuando seus genes. Assim, decide buscar a mulher digna de ter o seu filho.

Apesar de casado, Zé encontra-se infeliz com sua esposa, e cria um desejo pela namorada de seu melhor amigo, surgindo daí a história do filme.

Como podem imaginar pelo ano do filme e pelo característico respeito à memória cinematográfica brasileira, ainda mais se tratando de um filme de terror, a qualidade da imagem é bem baixa, sendo que o filme necessita urgentemente de remasterização.

Nota: 6



Esta Noite Encarnarei no Seu Cadáver

Dir. José Mojica Marins, Brasil, 1966, 100 min


Continuação de À Meia-Noite, a história reinicia onde a primeira tinha acabado.

No filme, Zé do Caixão continua sua busca pela mulher perfeita, digna de ser mãe de seu filho. O que antes era um objetivo, agora se torna uma obsessão. Para isso, Zé seqüestra 6 belas jovens da cidade, disposto a avaliá-las e decidir quem seria sua esposa.

Provavelmente por possuir um maior orçamento, a história conta com produção muito melhor do que a do primeiro filme, tendo até uma seqüência a cores. Há muito mais personagens, mais cenários e mais esmero nos detalhes.

E a crueldade de Zé aumenta neste filme, sendo um frio torturador, justificando seus atos na necessidade de dar continuidade à sua linhagem, numa versão tupiniquim da personagem central do livro Crime e Castigo, Raskólnikov.

Nota: 8

29 de outubro de 2007

O Caminho dos Ingleses

Volte Gato de Botas 


El Camino de Los Ingleses, Dir. Antonio Banderas, Espanha, 2006, 118min


Por curiosidade, este pitaqueiro arriscou-se a ver na Mostra este filme do ator Antonio Banderas, no qual ele não atua, somente dirige.

A história gira em torno de um jovem que decide se tornar poeta após fazer cirurgia de retirada de rim, acontecimento que serviu como divisor de águas em sua vida. A partir daí, é mostrado o cotidiano deste jovem e de seus amigos, narrados, em alguns momentos, por poesia.

Extremamente chato, maçante, e enrolado, o filme só aparece aqui no Pitacos como forma de alertar seus leitores a não desperdiçarem duas horas vendo esse filme horrível.

Antonio Banderas deveria se contentar em dublar o Gato de Botas em Shrek, o que faz muito bem, ao contrário do que faz dirigindo filmes.

Nota: 0

Garçom

Aqui Nessa Mesa de Bar


Ober, Dir. Alex van Warmerdam, Holanda, 2006, 97min


Como os frequentadores da Mostra sabem, muitas vezes a única informação disponível sobre o filme é sua sinopse. Munido dela, interessei-me pelo filme Garçom, em parte por eu já ter exercido essa função e por ser atendido sempre por eles, interessou-me analisar a história, que, segundo a sinopse, retratava um garçom cinqüentão em crise no casamento e que convive com o mau tratamento dos clientes.

Coisa que não estava escrito na sinopse, é que o filme, mais do que retratar o cotidiano do garçom, mostra como se dá o processo de escrita de uma história. À parte do universo retratado, vemos o escritor e sua esposa, com problemas no relacionamento e discutindo como deveria ser a história. Daí por diante, as personagens da história começam a bater em sua porta questionando seus destinos na trama e pedindo para modificá-los.

Por conta dessa utilização de metalinguagem, o filme torna-se chato e foge da narrativa da vida do garçom, ficando muito distante de retratar o cotidiano comum de um garçom, tornando-se uma história fantasiosa.

Nota: 3

26 de outubro de 2007

A Era da Inocência

Crise de valores

A Era da Inocência
L´Âge des Ténèbres, Dir. Denys Arcand, França/Canadá, 2006, 104min


Do mesmo diretor de Declínio do Império Americano Invasões Bárbaras, este novo filme continua a abordagem da crise de valores no mundo moderno, que podem levar à decadência de nosso modelo de sociedade.

Com essas palavras, aparenta até que o filme é um maçante tratado de sociologia. Não é. É um filme em muitos momentos muito divertido.

A história gira em torno de Jean-Marc Leblanc, um funcionário público de Québec que vive um casamento frustrado e tem duas filhas que sequer percebem que ele existe. Vivendo nesse mundo, sua vida é marcada por fantasias, especialmente causadas por sua frustração sexual. Em qualquer momento do dia, o filme nos mostra seus devaneios e seus sonhos por uma realidade na qual ele torna-se um homem mais feliz e realiza seus desejos.

Em um dos melhores desses devaneios, o diretor, mostrando-se antenado com a cultura pop hollywoodiana e não querendo ser só um diretor de arte, faz uma paródia da cena de Kill Bill, vol.1, aquela em que a sino-japonesa sai correndo pela mesa de reunião de seu grupo criminoso e decapita um dos presentes.

A fusão entre esse lado engraçado e as reflexões que o filme levanta é seu ponto alto. É daqueles filmes que convidam o espectador a refletir sobre nossa sociedade e nossos valores, passando pelas relações de amizade, de trabalho e pela família.

Obviamente, esse filme permite diversas interpretações, mas para mim, o que o diretor coloca, em um caráter até moralista, é que nossos valores precisam ser revistos, já que as mudanças em nossas relações nos últimos anos colocaram os antigos paradigmas de pernas para o ar. Interessantíssima é a abordagem feita com relação ao papel da mulher nessa nova família, na qual ela torna-se provedora do lar e o marido um simples enfeite desnecessário.

Além disso, diferentemente do primeiro filme da trilogia, Declínio, este novo filme é recomendado para qualquer um, já que não possui cenas chocantes ou que podem ofender a moralidade comum nacional.

O único problema de se ver um filme desses em uma mostra de cinema é que se percebe, que dificilmente será possível ver um filme tão bom no mesmo evento.

Lançamento no Brasil: sem data, isso se passar nos cinemas, já que nem no Canadá o filme foi lançado ainda. Mas, pela reputação do diretor, com certeza será lançado em DVD. Aguardem.

Nota: 10

A Vida dos Outros

O espião que me amava

Das Leben der Anderen, Dir. Florian Henckel von Donnersmarck, Alemanha, 2006, 137min


Começo nesse pitaco a analisar alguns dos filmes da 31ª Mostra de Cinema de SP.

Vencedor do Oscar de 2007 na categoria Filme Estrangeiro, tendo desbancado o favorito Labirinto da Fauno, na opinião deste pitaqueiro, com todos os méritos, A vida dos Outros trata de um espião que recebe por missão ouvir tudo que se passa na casa de um diretor teatral, durante os últimos anos do regime socialista, na Alemanha Oriental.

O motivo da espionagem, oficialmente, e a suspeita de que o diretor, aclamado tanto no mundo comunista quanto no Ocidente, possa ser um traidor do regime. Mas, por trás da oficialidade, esconde-se os interesses pessoais e mesquinhos. O diretor namora a mais importante atriz de teatro da Alemanha Oriental, por quem o Ministro responsável pelo departamento de espionagem tem uma queda. Querendo afastar seu concorrente do caminho, ele cuida de vasculhar sua vida para descobrir qualquer brecha que permita prendê-lo. A criação de tal personagem é excelente, sendo um dos seres mais repugnantes já vistos no cinema, fazendo de Darth Vader um cidadão simpático se a ele comparado.

No entanto, o oficial incumbindo do comando da missão, condecorado e extremamente respeitado por sua qualidade em investigar os inimigos do regime, percebe que o diretor, apesar de ter seus contatos ilegais no ocidente, não é um sujeito que mereça ser tratado como inimigo do estado, e afeiçoa-se pelo diretor e pela atriz, sendo esse o eixo condutor do filme.

Direção competente, boas atuações e um roteiro eficiente garantem um ótimo filme. Além disso, é um excelente retrato dos últimos anos do regime socialista, servindo como reflexão sobre tal regime autoritário.

Nota: 9

23 de outubro de 2007

Tropa de Elite

Osso duro de roer

Tropa de Elite
Dir. José Padilha, Brasil, 2007, 118min


O filme do ano, como vem sendo anunciado pela mídia, dispensa muitos comentários sobre sua história, já que provavelmente todos os leitores desse blog já o viram. Então, posso fazer uma análise do filme sem necessidade de contar a história.

A estrutura narrativa é simples. Apresenta na primeira cena uma situação tensa que, linearmente, ocorre na metade do filme, retorna dois anos ao passado para explicar os fatos que levaram a ela, e prossegue com a história.

Como dito, a primeira metade do filme, mostra como se chegou ao ponto do primeiro clímax. Tal parte tem um andamento mais lento, para permitir ao espectador conhecer as personagens envolvidas. Nessa parte, são apresentados o Bope em ação, a esposa do Capitão Nascimento, a corrupção da PM, os estudantes de direito que participam de uma ONG no morro e os traficantes.

Dificilmente, seria possível retratar tais grupos sem tintas fortes, já que não há tempo suficiente em um filme para mostrar o outro lado. Assim, o Bope é apresentado como a tropa incorruptível, ao passo que o restante da PM é mostrado como um agrupamento do qual só corruptos fazem parte. Da mesma maneira que os estudantes são retratados como um grupo de maconheiros filhinhos de papai que só discutem e pouco fazem. Paciência para quem se sentiu mal retratado, se o filme fosse mostrar que há policiais honestos na PM e corruptos no Bope, e que há estudantes que tem idéias diferentes, o filme não andaria.

A junção de todas essas partes é feita pelo Aspirante André Matias, estudante de direito e melhor amigo do também aspirante Neto, um oficial que sonha em ser um Rambo, mas vê seu sonho distante no dia a dia da PM. Matias é a personagem mais complexa do filme, por ser tanto um ser pensante quanto um ser atuante, servindo assim de olhos da platéia para o que acontece em cena.

Após a primeira parte, Matias e Neto conhecem o Bope, ao serem salvo por este. Em seguida, alistam-se para o treinamento do Bope. Essa é a melhor parte do filme. Apesar de já explorado em diversos filmes do cinema americano, como Nascido para Matar e No Limite da Honra, o filme tem o mérito de apresentar um treinamento militar brasileiro, coisa que filme nenhum jamais havia mostrado, especialmente pelos ideais esquerdistas dos cineastas brasileiros de apresentar a polícia como inimigo. Outro mérito, segundo várias fontes ouvidas por jornais, é que o treinamento é bem fiel a realidade, sendo até mais manso do que é na realidade, já que já foi registrada morte de um homem em treinamento após ficar horas nas águas de uma represa.

O filme, que está dando muito pano para manga nos jornais e nas conversas pelo Brasil, foi considerado fascista por muitos. Isso me lembra o pessoal de esquerda da faculdade, para quem qualquer um que não tenha as mesmas idéias que eles são assim rotulados. Tropa de Elite não toma partido, apenas mostra uma realidade nua e crua. Há quem considere o Capitão Nascimento um herói (51% da população, segundo a Veja). Não se pode culpar um filme pela visão das pessoas, isso só se deve a crise de valores em nossa sociedade, que, assustada pela violência, não se importa com quem use métodos ilegais, como tortura e assassinato, para combater a criminalidade.

Apesar de ser, de fato, o filme do ano, Tropa de Elite não pode ser considerado o melhor filme brasileiro de todos os tempo, longe disso. Considero, inclusive, que foi acertada a decisão de colocar como representante para o Oscar O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, não só por ser mais ao gosto da Academia, mas por ser uma história mais bem contada e rever um período tão retratado no cinema nacional de uma maneira bastante diferente.

Nota: 8