11 de abril de 2017

T2 Trainspotting

Nostalgia careta

Dir: Danny Boyle, Reino Unido, 2017, 1h57min
IMDB                 Trailer


Trainspotting é um clássico cult dos anos 90. Filme marcante na vida de muitas pessoas na faixa dos 30 a 40 anos, que viram cenas pesadíssimas de consumo de heroína e das alucinações causadas por ela em sua adolescência - há até quem diga que o impacto do filme as impediu de se aventurarem em drogas pesadas. Se você ainda não viu (tem na Netflix), veja antes de ver este, pois a trama deste é profundamente dependente da primeira parte. Clique aqui para ler o pitaco do primeiro.

T2 Trainspotting continua a história dos quatro personagens principais 20 anos após a traição de Renton ao final do primeiro filme e o reencontro/acerto de contas entre eles.

A trama tomou elementos tanto do livro homônimo em que se baseou o filme original quanto de sua sequência Pornô (que se passa 10 e não 20 anos após os acontecimentos da história original). Isso fica claro na medida em que não há eventos somente ocorridos neste reencontro, mas a origem do relacionamento dos personagens também é mostrada em cenas de suas infâncias e adolescências.

Há primeira coisa que se nota em T2 é  fato de fazer muitas referências ao primeiro filme, seja por meio de flashbacks, cenas passadas nos mesmos lugares e situações semelhantes. Por exemplo, a marcante cena de Renton sendo atropelado da sequência inicial do primeiro filme é mostrada tanto em flashback como reencenada. 

O filme é permeado pelo clima de reencontro de amigos (ou inimigos) que lembrou até mesmo filmes bobos como American Pie: O Reencontro. Por boa parte da narrativa parece até mesmo que o filme não tem uma história própria a contar, o que, felizmente, depois acaba se ajeitando.

Por conta disso, T2 em alguns momentos parece ser somente uma homenagem ao primeiro filme. E esse é seu maior erro. Há ali uma história própria surgida no reencontro entre os personagens. Mas a necessidade de reviver a história anterior parece falar mais alto. Pelo menos há uma autocrítica no próprio filme quando Sick Boy diz a Renton que ele foi fazer turismo em seu passado.

T2 segue seu antecessor ao manter o questionamento à sociedade capitalista ocidental contemporânea e seu consumismo. Aqui atualizado para a era digital, já que o reconhecimento social das redes sociais se tornou mais relevante até do que o conforto material. Mas perde a originalidade parecendo apenas requentar aquela ideia e o famoso discurso do Choose Life.

Um dos pontos altos do filme é a sensação de envelhecimento sentida pelos personagens. Aos 20 e poucos tinham a vida pra viver (ainda que só quisessem se dopar). Aos 40 e muitos mais se ressentem pelos erros do que tem expectativas no futuro. Os personagens também ganharam mais peso dramático. Sick Boy (Johnny Lee Miller) ainda que seguindo com seu cinismo e exibicionismo tornou-se mais ressentido. A violência psicopata de Begbie (Robert Carlyle) subiu de nível motivada pelo ódio vingativo dirigido a Renton (Ewan McGregor), que segue sendo o cara mais normal do grupo e o condutor da trama, agora mais careta. Spud (Ewen Bremner) foi quem mais ganhou na trama, deixando de ser só um coitadinho meio atrapalhado e revelando ser um cara profundamente atento aos acontecimentos que se passam à sua volta e que sofre muito pelos efeitos sociais de seus muitos anos de dependência química.

O diretor Danny Boyle, que na época do lançamento do primeiro filme era visto com um dos mais promissores cineastas britânicos e que veio a ganhar o Oscar por Quem Quer Ser um Milionário?,parece ter perdido sua originalidade com o envelhecimento, apenas reciclando algumas de suas idéias do filme anterior, faltando até mesmo o ritmo frenético da edição que caracterizou o primeiro filme.

Na comparação com o original o filme fica muito distante em qualidade. Trainspotting foi um filme revolucionário, um divisor de águas entre anos 1990 e 2000, era em que a internet era uma novidade que ainda causava pouco impacto à vida cotidiana. Seu tema, sua trama, sua cenas fortes, seus momentos surreais, seus personagens cheios de defeitos, sua edição e sua estética fugiam completamente ao padrão. Desde então é considerado um dos 10 maiores filmes britânicos. T2 é um bom filme, mas assim como O Poderoso Chefão 3, há um abismo de qualidade entre ele e seu original, pois bons filmes não se comparam à obras primas.

T2 Trainspotting é nostálgico, saudosista e autorreferencial além do que deveria ser e não se compara ao original. Um filme para velhos lembrarem seus tempos gloriosos e perceberem que o tempo passou. Mas ainda assim é uma boa experiência cinematográfica aos fãs da velha turma de junkies. 

Nota: 7

3 comentários :

  1. Bela análise. Tive as mesmas impressões, de um filme muito autorreferenciado e nostálgico (neste aspecto, tanto no bom quanto no mal sentido)

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    1. Valeu, Rafa! Acho que isso não é uma impressão, mas uma constatação, pois mesmo quem ame o filme não pode negar essas características.

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