29 de junho de 2015

Corações de Ferro

Vida no Tanque


Fury, Dir: David Ayer, EUA/China /Reino Unido, 2014, 134min
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Corações de Ferro é mais um filme que trata de um tema recorrente no cinema americano, a II Guerra Mundial. Alguns filmes sobre o confronto são memoráveis, como O Resgate do Soldado Ryan; outros são um completo desastre, como Pearl Harbor (aliás, não é só um filme de guerra ruim, é um dos piores filmes de todos os tempos em qualquer gênero). Corações de Ferro fica num meio termo.

A estória traz um tema pouco explorado no cinema, os últimos dias da II Guerra Mundial, com as tropas americanas lutando em território alemão. A derrota alemã já é uma realidade inevitável, mas os nazistas insistem em lutar até o último homem. Brad Pitt é o Sargento Don Collier, comandante de um tanque de guerra, com quatro homens sob seu comando. Logo no início, um novo membro é designado para a tripulação de homens rudes, o recruta datilógrafo Norman (Logan Lerman) que servirá como contraponto a estes guerreiros.

Um dos pontos altos do filme é a fotografia, que se destaca desde a primeira cena, alternando momentos de tensão com cores fortes com cenas de rotina com cores esmaecidas. No entanto, os tiros no filme parecem muitos os tiros de Star Wars, parecendo feixes de lazer coloridos trocados entre americanos e alemães. Pode tornar mais didático e simples para o espectador entender quem atira em quem e onde o tiro acerta e tem até um efeito artístico interessante, mas, por outro lado, reduz o realismo.

Outro ponto interessante é mostrar a rotina de uma tanque, mostrando como era travada uma batalha motorizada, como estes veículos se posicionavam no campo de batalha e como a tripulação lutava em um ambiente escuro e apertado. Ainda destacando os pontos positivos, os atores são bons e conseguem inserir alguns dramas em suas personagens.

Mas o ponto fraco é o roteiro que se perde no decorrer do filme, escrito por David Ayer (conhecido pelo bom Dia de Treinamento), que também dirige o filme. No começo parecia promissor, um filme que questionava os heroísmos e mostrava que não há homem que cumpra seu dever sem sofrer. Mas já na metade cai numa falta de ideias que culmina em seu final heroico forçado, do sacrifício pela pátria, inserindo o filme em uma série imensas de filmes clichês do cinema americano. O mencionado O Resgate do Soldado Ryan também tem desses clichês, mas a batalha a que se propõe o capitão de Tom Hanks é difícil, mas possível, ao contrário da que quer o sargento de Brad Pitt.

Assim, o filme tem um tema interessante a tratar, boa direção, bons atores, mas um roteiro sem força, que se perde, fatores que somados tornam o filme mediano.

Nota: 5

22 de junho de 2015

Clube dos Cinco

Adolescência anos 80


The Breakfast Club, Dir: John Hughes, EUA, 1985, 97min
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Recentemente saiu na Folha de SP resenha da biografia de John Hughes (clique aqui para ler a matéria) diretor que tem como marca vários filmes dos anos 80 envolvendo adolescentes. O mais conhecido no Brasil é certamente Curtindo a Vida Adoidado. Clube dos Cinco é outro de seus filmes com status de cult.

No filme encontramos as clássicas personagens de colégio americanos, o nerd, a rainha do baile, o atleta, o marginal e a menina problemática isolada. Todos eles se juntam em uma manhã de sábado para cumprir a chamada detenção, punição padrão da educação dos EUA. Como esperado, essas personagens tão diferentes, que sequer se cumprimentariam no dia a dia, descobrem semelhanças em meio a esse convívio forçado.

A estória então caminha num lento processo de desconstrução dos estereótipos em que os garotos se inserem, como mostrar que o atleta não assedia os mais fracos somente por uma perversão secreta, mas que há uma pressão social para que tal comportamento seja demonstrado. E muitas discussões profundas acerca da busca da identidade, característica marcante da adolescência que acompanha as pessoas ao longo de suas vidas.

O estilo do filme é um aula de estética dos anos 80, especialmente nas roupas dos adolescentes. A trilha sonora de rocks oitentistas segue na mesma linha, com músicas de ritmo agitado e com muitos teclados, com destaque para a música que abre e fecha o filme, Don´t You (Forget About Me), do Simple Minds (clique aqui para ver o clipe).

De negativo, o final do filme que parece ser feito de forma apressada e previsível. Mas o saldo final é bastante positivo, e Clube dos Cinco merece ser tratado com um símbolo dos anos 80.

Nota: 8

4 de maio de 2015

Ida

Fantasmas do Passado


Idem, Dir: Pawel Pawlikowski, Polônia/Dinamarca/França/Reino Unido, 82min
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Vencedor do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira de 2015, Ida traz a história da personagem-título, a noviça Anna, que pouco antes de jurar seus votos de freira descobre seu verdadeiro nome e que seus pais eram judeus que a entregaram ao convento antes de serem mortos durante a 2ª Guerra Mundial.

A estória começa mostrando a monótona rotina de Ida no convento. Logo após receber a notícia sobre o destino de seus pais, parte com sua tia em busca do esclarecimento do passado. O conflito entre essas duas personagens guiará todo o filme. Ida, como noviça, segue todos os preceitos religiosos, enquanto sua tia Wanda é seu extremo oposto, uma mulher forte e que gosta de desfrutar dos prazeres mundanos como cigarros, bebidas, festas e homens.

As personagens conflitantes são interessantes e as duas atrizes, a jovem Agata Trzebuchowska e a veterana Agata Kulesza estão excelentes em seus papéis. A fotografia em preto e branco fortemente contrastada e a alternância de planos abertos e closes é muito bem feita. E as emoções contidas das personagens são muito bem retratadas. No entanto, a estória deixa a desejar, pois não há grandes surpresas no enredo além do que já foi contado na sinopse.

Ida é um bom filme, muito bem conduzido, mas no qual parece que a embalagem é mais interessante que o conteúdo.

 Nota: 7

27 de abril de 2015

Vingadores - Era de Ultron

Heróis vs Máquina

Avengers: Age of Ultron, Dir. Joss Whedon, EUA, 2015, 141 min
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Aqueles que me acompanham com frequência talvez já notaram que não escrevo muito sobre filmes de heróis por aqui, gosto mais de tratar de filmes "alternativos", que eu prefiro chamar de autorais. Mas isso não quer dizer que eu não curta ver uns filmes-pipoca de vez em quando, exceto por bobeiras como Velozes e Furiosos 7.

Na trama, Ultron é a primeira inteligência artificial superior ao homem criada por Tony Stark (Homem de Ferro) e Bruce Banner (Hulk). Assim que toma consciência, Ultron percebe que para cumprir seu propósito de salvar o planeta tem que exterminar os Vingadores e subjugar a raça humana. A inclusão da inteligência artificial como vilão é um bom recurso, tendo em vista que muitos cientistas sérios, como Stephen Hawking, apontam essa nova tecnologia como um grave risco de extinção da humanidade.

No entanto, o filme comete uma falha ao querer corporizar Ultron. Mesmo ele estando espalhado por vários corpos, a destruição destes ainda assim não o venceria, pois bastaria que ele espalhasse cópias de seu programa por computadores de todo o mundo que nenhum ser humano (ou super-herói) seria capaz de detê-lo. Mas entendo a decisão do roteiro de querer dar uma cara ao vilão, pois colocar os poderosos Vingadores para enfrentar um software não teria muito sentido, melhor seria colocar um programador nerd atrás de um desktop. Para quem quiser aprender mais sobre inteligência artificial (e tiver disposição para ler um longo texto) clique aqui para ler este excelente artigo do blog Wait But Why. O filme Ela também é bastante realista na forma de abordar nosso relacionamento com a inteligência artificial do futuro.

Eu tenho opiniões variadas sobre os filmes do universo Marvel. Gostei de alguns (especialmente Capitão América 2- O Soldado Invernal), mas não gostei de muitos outros. Achei Os Vingadores um filme bem ruim, que parecia só uma junção de heróis na qual se esqueceram de um roteiro minimamente decente para acompanhar os efeitos especiais exagerados. Fiquei cochilando nas duas vezes que vi, de tão cansativo que são os diálogos e de tão longas que são as cenas de ação. Mas reconheço que Vingadores - A Era de Ultron corrigiu os defeitos do filme anterior.

Primeiro por fazer os efeitos visuais serem acessórios ao roteiro, que é a base de qualquer filme e representa 50% da qualidade de uma produção, como já disse Clint Eastwood. Neste novo filme lembraram-se de contar as histórias de seus personagens. Até mesmo o menos importante, o Gavião-Arqueiro, ganhou um grande destaque. E também dosaram bem a ação com a parte em que a história é contada. E não deixaram de fora as pitadas de bom humor que caracterizam os filmes Marvel.

Um bom roteiro também ajuda a dar destaque as atuações. Claro que neste tipo de filme essas não são o destaque, e nenhum dos atores vai ganhar qualquer prêmio relevante por elas. Mas nesta produção o talento de Scarlett Johansson, Mark Ruffalo e companhia foi mais bem aproveitado. Exceção é Robert Downey Jr, que aparenta ter atuado em piloto automático, talvez cansado por representar o Homem de Ferro pela quinta vez.

A direção abusa menos da ação que no filme anterior. Claro que em um filme desses não pode faltar cenas eletrizantes, mas há diversas formas de fazê-lo. Quando há um excesso de informação o espectador fica perdido em meio a tantas coisas acontecendo simultaneamente. Com poucas exceções, neste filme dá pra acompanhar bem tudo que acontece, seguindo a bem sucedida fórmula de Capitão América 2.

Vingadores - Era de Ultron é um excelente filme-pipoca, e que faz os que gostaram dele, ainda que não sejam fãs de quadrinhos, esperando pela sequência da história daqui um ano com Capitão América 3: A Guerra Civil, quando os super-heróis tomarão lados opostos, um liderado pelo Capitão América e outro pelo Homem de Ferro.

Nota: 8

20 de abril de 2015

Feitiço do Tempo

Déjà Vu


Groundhog Day, Dir. Harold Ramis, EUA, 1993, 101 min
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Comédias românticas tendem a ser o estilo de filme mais detestado por homens em geral e este pitaqueiro concorda com isso. Mas Feitiço do Tempo é uma honrosa exceção em meio ao monte de baboseiras sem graça que a Sandra Bullock e o Ryan Reynolds adoram fazer.

No filme, Phil Connors (Bill Murray) é um prepotente homem do tempo de uma pequena emissora de TV que é escalado pela terceira vez para cobrir o enfadonho Dia da Marmota, um evento em uma cidadezinha interiorana no qual dizem que o bicho pode prever se o inverno será mais curto.

Como previsto, Phil tem um dia horrível, e sequer consegue sair do lugar que tanto abomina em razão de uma nevasca. E no dia seguinte acorda e percebe que o dia anterior retornou, e com o tempo, que ele ficará preso neste dia por muito tempo.

Dessa repetição eterna emerge o humor do filme. Phil passa a reviver as pequenas situações do cotidiano indefinidamente. E sabendo do roteiro, passa a fazer modificações. O protagonista passa por diversas fases. Primeiro vive um luto em saber que jamais deixará de viver aquele dia. Depois tenta de diversas formas se matar, o que é um dos momentos mais hilários do filme. Depois aceita seu destino e começa a viver sem limites, comendo, bebendo, fumando, etc. E na última fase começa a praticar boas ações, e fazer um esforço sem fim para conquistar sua produtora, Rita (Andie MacDowell).

As diversas repetições são as melhores tiradas do filme. Em uma cena Phil zomba de Rita por ela ter estudado literatura francesa na faculdade. Logo na sequência a mesma cena é mostrada com Phil recitando poesia francesa. Outros momentos memoráveis são o encontro de Phil com seu velho colega mala de escola, Ned. Prévias destas cenas estão no trailer, clique aqui para ver).

Bill Murray é um excelente ator de comédia. Seu humor ácido e cínico funciona especialmente bem para a personagem central. E Andie MacDowell complementa bem o elenco, fazendo o casal principal ter a química necessária.

O melhor aspecto técnico do filme é a edição, que mostra as repetições de forma ágil, contribuindo para o humor da trama. A direção é de Harold Ramis, morto recentemente, conhecido por ter dirigido e atuado em Os Caça Fantasmas.

Feitiço do Tempo é um filme divertidíssimo e é a prova de que comédias românticas não precisam ser sempre a mesma estorinha boba e previsível que mal conseguem fazer rir.

Nota: 8

6 de abril de 2015

Operação Sombra - Jack Ryan

Espião por Acidente

Jack Ryan: Shadow Recruit, Dir. Kenneth Branagh, EUA/Rússia, 2014, 105 min
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Jack Ryan, cria do escritor Tom Clancy,  já é uma personagem veterana em filmes de espionagem. Sua carreira começou com o bom A Caçada ao Outubro Vermelho, no qual Alec Baldwin dava vida à personagem. Depois Harrison Ford assumiu o papel por dois filmes, Jogos Patrióticos e Perigo Real e Imediato, e na sua última aventura, A Soma de Todos os Medos, foi a vez de Ben Affleck interpretar o protagonista. Agora a série retorna ao ponto zero com Chris Pine (o Capitão Kirk dos novos filmes de Star Trek).

Nesta nova aventura é mostrada a origem de Ryan, um estudante de economia que decide se alistar nos Fuzileiros Navais dos EUA após o 11 de setembro e é ferido no Afeganistão, sendo posteriormente recrutado como analista da CIA e designado para trabalhar sob cobertura junto ao setor financeiro em Wall Street. Em seu trabalho, Jack descobre estranhas transações financeiras da empresa russa sócia da firma na qual trabalha. Aí vai a Moscou onde irá ver mais de perto o que acontece. E, como sempre, Ryan é o analista que da noite pro dia tem que se transformar em um agente operacional em missões de alto risco.

A trama é até interessante, na qual há um plano de ataque terrorista a Wall Street seguido por um plano financeiro para causar uma derrubada do valor do dólar, levando os EUA a uma nova Grande Depressão. Mas a estória não é bem conduzida.

Primeiro pelo roteiro. As formas mirabolantes para conseguir invadir o prédio do vilão e acessar seus planos são tão exageradas que até a invasão da CIA em Missão Impossível parece mais factível. O destaque dado ao relacionamento afetivo de Ryan com sua namorada também toma tempo demais. E a inclusão dela, uma pessoa completamente leiga, em uma missão de alto risco, também ofende a inteligência do espectador.

O elenco também não ajuda. Chris Pine é inexpressivo e não convence como Ryan. O vilão, Kenneth Branagh (também diretor do filme), não é mais do que um estereótipo de russo ressentido que quer ver restaurada a grandeza de seu país. Kevin Costner não compromete como chefe de Ryan e Keira Knightley até vai bem como a namorada de Ryan, mas, como já dito, sua personagem seria desnecessária.

A fotografia é até interessante, com belas cenas de Moscou. As cenas de ação são bem coreografadas e não são exageradamente longas. Mas não há direção que resolva um roteiro tão falho e um protagonista que não convence.

O renascimento de Jack Ryan nas telas, assim, não mostra a que veio. Aos fãs de filmes de espionagem, certamente é melhor esperar a aguardada estreia de Spectre a nova aventura de 007.

Nota: 4

16 de março de 2015

O Poderoso Chefão

Família êh, família ah, família!

The Godfather, Dir. Francis Ford Coppola, EUA, 1972, 175 min
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Filme que costuma figurar entre os primeiros em 99 de 100 listas dos melhores de todos os tempos, liderando em diversas delas, O Poderoso Chefão retrata a saga da família Corleone (na tradução, coração de leão). Nesta primeira parte é apresentado o envelhecido patriarca Vito (Marlon Brando) buscando manter seu poder em meio a concorrência com as outras 4 famílias mafiosas sicilianas, enquanto prepara sua sucessão que deveria passar a seu filho mais velho, Santino (James Caan), enquanto sonha que seu caçula e filho preferido, Michael (Al Pacino), torne-se um homem de prestígio.

A sequência de abertura do filme é majestosa (clique aqui para vê-la). A primeira frase do filme é "Eu acredito na América", dita por um imigrante italiano, enquanto seu rosto é mostrado em um plano bem fechado. A partir daí ele narra o trágico episódio ocorrido com sua filha, enquanto o plano vai se abrindo e mostrando o ombro do homem com quem ele fala, que é o Padrinho Vito Corleone, a quem o imigrante foi clamar por justiça. Em poucas frases se mostra o poder do "Don", cuja primeira fala é "Por que foi a polícia? Porque não veio a mim primeiro?", que sintetiza todo seu poder.

Apesar do Don ser a figura central, o protagonista da estória é Michael. Ele é quem mostra a trágica trajetória de um homem que quis fugir do destino criminosos de sua família, cujos métodos abominava, mas que no final consegue se tornar ainda pior do que tudo que rejeitava. Sua lenta mudança ao longo do filme é espetacular e nos faz ver o quanto às circunstâncias podem mudar o caráter de um homem bom.

Marlon Brando foi merecidamente contemplado com o Oscar de Melhor Ator pelo trabalho. No entanto, ao contrário do que foi feito, ele deveria ter sido indicado como coadjuvante e Al Pacino como protagonista. Certamente não o fizeram pelo prestígio de Brando frente a um novato à época como Pacino. De qualquer forma, prova das atuações fenomenais é o fato de quatro atores do filme foram indicados ao prêmio, três na categoria de coadjuvante (Al Pacino, James Caan e Robert Duvall).

O mais estranho foi a fantástica atuação de Pacino não ter levado o prêmio de coadjuvante de 1973, prêmio que ficou para Joel Grey (quem?). Por isso, como costumam fazer na Academia, após diversas derrotas deram o prêmio a ele em 1993 por Perfume de Mulher, atuação inferior a dos dois primeiros O Poderoso Chefão, e também inferior a de seus concorrentes daquele ano, como Clint Eastwood (Os Imperdoáveis) e Robert Downey Jr. (Chaplin).

O Poderoso Chefão é um filme praticamente sem defeitos. O enredo, os diálogos, as atuações, a fotografia, a edição e a direção funcionam extremamente bem. E, o mais importante de tudo, a estória prende o espectador desde o início, que quer conhecer de perto o mundo secreto da Máfia e viver a intimidade da família Corleone.

E, caso raríssimo, uma obra-prima desta envergadura teve uma continuação tão boa quanto o original dois anos depois em O Poderoso Chefão II, obra na qual a consolidação do poder de Michael é narrada em paralelo com a trajetória de chegada nos EUA e ascensão ao poder de seu pai, Vito (vivido na juventude por Robert DeNiro).

Depois de quase vinte anos veio O Poderoso Chefão III, que é um bom filme, mas que fica distante dos dois primeiros. O diretor Francis Ford Coppola assumidamente fez o filme para resolver dívidas pessoais e não ficou satisfeito com o resultado final. E escalou sua filha, Sofia Coppola, que teve péssima interpretação, devidamente contemplada com duas Framboesas de Ouro (pior atriz coadjuvante e pior nova estrela). Pelo menos ela aprendeu a lição e migrou para trás das câmeras, se tornando uma ótima diretora.

Quem gosta de cinema não pode deixar de assistir a essa grande obra, a melhor saga familiar da história do cinema, e justamente apontado por muitos como o melhor filme de todos os tempos.

Nota: 10

9 de março de 2015

A Fotografia Oculta de Vivian Maier

Uma mulher misteriosa


Finding Vivian Maier, Dir: John Maloof/Charlie Siskel, EUA, 2013, 83 min
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Filme indicado ao Oscar 2015 e primeiro documentário pitacado neste blog, A Fotografia Oculta de Vivian Maier nos apresenta a intrigante personagem do título, fotógrafa e babá. Como assim? Pois bem, é essa pergunta que o filme busca responder.

Sem querer contar toda a estória (eu nem conseguiria, por mais que haja spoilers aqui o filme revela muito mais detalhes da vida da personagem título), o trabalho de Vivian Maier só foi visto após ela morrer em total anonimato em 2009, quando um cara que havia comprado em um leilão negativos de filmes dela os publicou na internet alcançando imenso sucesso. 

Com isso, ele buscou mais peças de Vivian Maier em outros leilões e conseguiu a imensa quantia de mais de 100 mil fotos, a maioria nem sequer revelada, e alguns filmes, feitos a partir de 1950. Junto aos negativos, havia vários outros itens, como peças de roupas, cartas, jornais e até recibos de compras (Maier era uma acumuladora compulsiva). Essas pequenas peças permitiram que ele começasse a seguir seus rastros e, surpreendentemente, descobriu que a talentosa fotógrafa era na verdade uma modesta babá. Esse cara que reconstitui a história de Maier e permitiu que o mundo conhecesse seu trabalho é também codiretor e apresentador do documentário, John Maloof.

Só esse mistério já basta para despertar curiosidade. Mas, claro, tal estória não seria interessante de ser contada se as fotos não fossem excepcionais. E elas são! Com poucos minutos do filme as imagens de Maier começam a ser mostradas na tela e certamente deixarão os observadores de queixo caído. São fotos surpreendentes, feitas sobretudo em situações do cotidiano (street photography), com uma qualidade artística única, com ótimo enquadramento, focagem e momento certo de disparo, que poucos fotógrafos renomados conseguiram. Acesse o site com as fotos clicando neste link: http://www.vivianmaier.com/

As exposições de seu trabalho foram absoluto sucesso de público e de crítica. Certos especialistas em fotografia conseguem ver em seu trabalho semelhanças com os de grandes mestres da arte, como o mais renomado de todos os fotógrafos, Henri Cartier-Bresson.

Para aumentar o interesse na estória, Vivian Maier era uma mulher extremamente reservada e misteriosa. Das pessoas que a conheceram e que foram entrevistadas no filme nenhuma sabia sequer a nacionalidade de Vivian, que, apesar de nova-iorquina, falava com sotaque francês. E, por vezes, alguns entrevistados dizem algo que outro entrevistado diz exatamente o oposto, como uma das pessoas das quais ela cuidou quando criança que diz que a chamava de Viv, e outra que diz que ela exigia ser chamada de Miss Maier. A mulher era uma esfinge.


A Fotografia Oculta de Vivian Maier é um bom documentário, que revela o trabalho de uma grande artista desconhecida. E nos faz pensar em quantos artistas anônimos não morrem com grandes trabalhos que nunca serão conhecidos abandonados em caixas, gavetas ou HDs.

Nota: 7



2 de março de 2015

O Circo

Respeitável Público


The Circus, Dir: Charles Chaplin, EUA, 1928, 71 min
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Analisarei um filme de um dos maiores gênios da história do cinema: o imortal Charles Chaplin. Chaplin, de fato é um mito, o que pode fazer muitas pessoas já irem assisti-lo com uma certa reverência. Mas no caso, a mística é justificada, pois seus filmes, que foram feitos há quase 100 anos, ainda se mostram atuais, tendo em vista sua universalidade e sua atemporalidade. Além disso, seus múltiplos talentos faziam com que ele conduzisse totalmente seus filmes, escrevendo a estória, dirigindo, atuando, produzindo e até mesmo compondo as trilhas sonoras. Na atualidade, creio que somente Woody Allen chega perto deste controle criativo.

O Circo, apresenta a clássica personagem de Chaplin, Carlitos (ou O Vagabundo), conseguindo emprego no picadeiro após fugir de uma confusão com a polícia. No ambiente também se apaixona pela bela acrobata e filha do dono do circo.

Como é costume nas comédias de Chaplin, a questão social está envolvida no sempre pobre e faminto Carlitos. Após a injusta perseguição policial, Carlitos surge acidentalmente no palco e causa furor na plateia que até então estava entediada. A partir daí é contratado como ajudante de palco e torna-se a principal atração do local. Mas ingênuo como é Carlitos, não percebe seu papel, pois, em razão das trapalhadas que sempre causa, seu humor é involuntário, e recebe um salário de fome.

Claro que se o filme se prendesse somente na questão social seria bem chato (e Chaplin já teria sido esquecido). Mas há sempre muito humor, de ótima qualidade. As piadas físicas de Carlitos são universais e atemporais, tanto que até hoje Chaplin é modelo para diversos humoristas, como Rowan "Mr. Bean" Atkinson e o recém falecido Roberto "Cháves" Bolanos. Para ver um prévia, assista ao trailer (clique aqui).

Tecnicamente o filme também causa espanto até hoje. Chaplin contracena com um leão dentro da jaula. E realizou, sem dublês, cenas sobre a corda bamba a metros de altura do chão. Como Chaplin não revelava suas técnicas por entender que seria o mesmo que um mágico revelar seus truques, parte de seu arsenal cinematografico ainda permanece um mistério.

Um belo filme, de um dos maiores gênio dos cinema, que foi prenúncio de suas obras primas da parte final de sua carreira, as obras primas Luzes da Cidade, Tempos Modernos, O Grande Ditador e Luzes da Ribalta.

Nota: 9

22 de fevereiro de 2015

Oscar 2015


And the Oscar goes to...

Todos os indicados no IMDB: clique aqui
Jogo de apostas no site do Oscar: clique aqui


Assim como em 2014, após a análise de cada um dos filmes indicados (caso queira ver algum, procure na barra ao lado direito, ou clique sobre seus nomes na lista de preferências), vamos às apostas de com quem ficarão os prêmios.

Em todas as categorias analisadas irei indicar quem acho que será premiado, para quem eu votaria se fosse membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e uma breve análise. 

No ano passado vimos uma disputa muito previsível, tanto que acertei quase todos os vencedores, e não que eu tenha algum poder de adivinhação, mas porque tava fácil mesmo. Esse ano, várias disputas prometem ser emocionantes, sendo a principal entre os dois peso-pesados, Boyhood e Birdman, dois filmes que são melhores que quaisquer um dos indicados nos últimos 15 anos. 

As principais categorias estão analisadas abaixo:



Melhor filme

Vencedor: Boyhood
Meu voto: Birdman

O mais provável é que a briga fique entre Boyhood e Birdman, os dois grandes filmes do século XXI. Fico até pensando numa cena imaginária na qual os diretores assistem aos filmes juntos e um diz ao outro, "Pô, cara, faz o seguinte, eu lanço o meu esse ano e você no ano que vem. Aí a gente não compete e vamos ganhar tudo!"

Boyhood, por ser um filme mais conservador no enredo, deve agradar mais ao eleitorado da Academia do que o maluco Birdman (que venceu ontem na competição mais descolada do Independent Spirits Award). 

Além desses dois gigantes, os demais concorrentes são bons filmes, exceção feita aos dois últimos da lista, fazendo dessa a melhor disputa em anos.

Mas não me surpreenderá se der um grande zebra: Sniper Americano, com sua patriotada belicista, pode convencer o eleitorado majoritariamente americano da Academia e ser a grande surpresa da noite. 

Como essa é a categoria mais esperada, farei um ranking das minhas preferências:

1. Birdman
2. Boyhood
3. Whiplash
4. O Grande Hotel Budapeste
5. Selma
6. Teoria de Tudo
7. Sniper Americano
8. O Jogo da imitação


Melhor diretor

Vencedor: Alejandro González Iñárritu (Birdman)
Meu voto: Alejandro González Iñárritu

Muitos dizem que é provável que Boyhood vença por direção e Birdman como melhor filme, o que ocorreu na última noite no Spirits, ou vice versa.  Richard Linklater (Boyhood) tem chances e méritos por seus filmes. Mas pela complexidade técnica de Birdman, Iñárritu deve levar o prêmio.


Melhor ator

Vencedor: Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo)
Meu voto: Michael Keaton (Birdman)


Redmayne impressiona como Stephen Hawking e merece o prêmio.  Mas Keaton mostrou uma redenção incrível em um filme que ele conduz e na qual tem de mostrar diversas facetas.


Melhor atriz

Vencedor: Julianne Moore (Para Sempre Alice)
Meu voto: sem voto



Não posso dar pitaco aqui, das concorrentes só vi Felicity Jones, que trabalha bem em A Teoria de Tudo. As previsões apontam vitória fácil de Moore, que é uma grande atriz e está na sua 5ª indicação ao prêmio.


Melhor ator coadjuvante

Vencedor: J. K. Simmons (Whiplash)
Meu voto: Edward Norton (Birdman)

Disputa difícil entre esses dois. Aliás, não vi todos os trabalhos que concorrem mas gosto de todos os atores indicados. Simmons fez um ótimo trabalho, mas votaria em Norton pelo conjunto da obra.


Melhor atriz coadjuvante

Vencedor: Patricia Arquette (Boyhood)
Meu voto: 
Patricia Arquette

Arquette deve levar, por conta de sua ótima atuação em diversas fases da vida da mãe de Boyhood. Emma Stone também fez um belo trabalho em Birdman. Na categoria, acho que Naomi Watts, também de Birdman, deveria ter ficado com a indicação de Keira Knightley (O Jogo da Imitação).


Melhor roteiro original

Vencedor: Birdman
Meu voto: Birdman


Birdman tem um roteiro espetacular, que ao mesmo tempo une ritmo, bons diálogos, humor, reflexão sobre a contemporaneidade e sobre a condição humana envolvida por realismo mágico. Boyhood tem o mérito de ter sido escrito ao longo do tempo, tendo de ser flexível para a estória se adaptar a evolução do mundo.


Melhor roteiro adaptado

Vencedor: A Teoria de Tudo
Meu voto:
Whiplash

A emocionante e bem contada história de Stephen Hawking deve convencer os votantes. Mas Whiplash tem mais pegada e surpresas do roteiro. É um filme no qual há uma cena que parece que vai encerrar o filme. Mas ele continua e encerra de forma ainda melhor. Mas também não será surpresa se Sniper Americano levar, em razão de algum fervor patriótico da Academia.


Melhor fotografia

Vencedor: Birdman
Meu voto: Birdman

A fotografia ajuda a contar a estória em Birdman, além de envolver a complexidade técnica do plano sequência. O Grande Hotel Budapeste tem seus méritos, mas os filmes de Wes Anderson tem sempre o mesmo visual inconfundível, então é um pouco de mais do mesmo, mesmo sendo muito bem feito.


Melhor figurino

Vencedor: O Grande Hotel Budapeste
Meu voto:
O Grande Hotel Budapeste

Os figurinos fazem parte das narrativas de Wes Anderson, e o prêmio é quase certo.


Melhor maquiagem

Vencedor: Foxcatcher
Meu voto: Foxcatcher



Não vi o filme, mas Steven Carrell está irreconhecível.  Também merece destaque O Grande Hotel Budapeste, no qual Tilda Swinton também está irreconhecível, mas que fica em tela por pouco tempo.

 

Melhor direção de arte

Vencedor: O Grande Hotel Budapeste
Meu voto: 
O Grande Hotel Budapeste

Os cenários grandiosos, figurinos elaborados e detalhes caprichosos, comuns nas produções de Anderson, deve levar.


Melhor filme estrangeiro

Vencedor: não sei
Meu voto: não vi nenhum


Infelizmente, não tive tempo para ver os estrangeiros, que muitas vezes são superiores aos concorrentes ao prêmio principal.


É isso. Cerimônia do Oscar hoje à noite, ao vivo, na TNT e na Globo.

Deixem seus pitacos e deem seus palpites.

Boyhood: Da Infância à Juventude


A Arte Imita a Vida

Boyhood, Dir: Richard Linklater, EUA, 2014, 165min
IMDB: clique aquiTrailer legendado: clique aqui


Um dos favoritos na corrida ao Oscar de melhor filme, Boyhood, recebeu ainda outras 5 indicações: diretor, ator coadjuvante (Ethan Hawke), atriz coadjuvante (Patricia Arquette), roteiro original e edição. Tal como Birdman, se ganhar todos os prêmios, o fará com méritos.

O filme realizou uma proeza única na história do cinema por ser rodado durante 12 anos, retratando o amadurecimento de Mason Jr., sempre representado por Ellar Coltrane. Ele é o protagonista, mas outros três atores também estiveram envoltos no processo de filmagens, os dois mencionados que disputam o prêmio e Lorelei Linklater, filha do diretor.

Sou grande fã do diretor, Richard Linklater. Adoro a trilogia do Antes (Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia Noite) com seus grandes e longos diálogos sobre a vida. Aqui ele usa parte dos recursos já usados nos outros, e, exceto pelo primeiro filme da trilogia, os demais ele rodou durante as filmagens de Boyhood.

O filme inicia-se no longínquo 2002, época em que os celulares ainda serviam somente para fazer ligações. Mason Jr. e sua irmã Samantha reencontram seu pai, um cara um tanto perdido na vida mas muito afetuoso, que havia passado mais de um ano distante deles. Enquanto isso, sua mãe, Olivia, está tentando se qualificar para dar maior conforto a seus filhos, enquanto busca arrumar um companheiro para suprir a função de pai na família.

A partir daí se desenvolve a estória. Uma estória ordinária, que poderia ser vivida por qualquer um. Mason vai pra escola, muda de cidade, sua mãe e seu pai arrumam novos companheiros, e a vida vai seguindo, em meio a muitos conselhos que lhe dão. E muitos questionamentos vão surgindo em cada nova fase. Como ocorre em nossas vidas ordinárias, por mais que nos achemos especiais.

Por mais simples que possa parecer a estória, no final estamos nos sentindo parte da família. Sofremos junto com as personagens. Nos divertimos com suas alegrias. Rimos de certas "lições de vida" que tentam dar em Mason, especialmente seu confuso pai. Sentimos vergonha do comportamento dos adolescentes que buscam se afirmar, especialmente por sabermos que um dia já passamos por aquilo.

O roteiro surpreende por ter se adaptado ao longo do tempo. Não havia como ter criado certos diálogos quando o filme foi idealizado, pois certas coisas que hoje redefiniram os relacionamentos humanos, como os smartphones e redes sociais, não existiam em 2002. Seria impossível ter escrito esta estória completa antes de iniciar as filmagens, assim como também seria escrever o roteiro em 2014 com tudo já filmado. Provavelmente havia um rumo a ser seguido, mas muita coisa foi sendo inserida e levando a estória por outras direções. O que engrandece ainda mais o filme. E se destaca a intenção de se priorizar eventos corriqueiros na narrativa, ao invés de dramatizar pontos de clímax, como o primeiro beijo, primeiro porre e etc.

Os dois "pais", Arquette e Hawke, fazem um belo trabalho. Nunca achei Hawke um ator espetacular, mas admiro sua capacidade de conseguir se mostrar como o cara comum, gente como a gente, fazendo nos sentirmos em sua pele. Arquette faz trabalho similar, sendo a mãe que, em meio a seus erros e acertos, vai conduzindo a vida da família. O protagonista Ellar Coltrane consegue com seu jeito de "cara na dele" nos trazer para seu universo, e relembrarmos o que passamos em nossa infância e adolescência.

O fato das filmagens durarem 12 anos não é algo somente para os críticos ficarem elogiando a qualidade técnica e ressaltando o mérito de superar tal dificuldade. Os 12 anos passam por nossos olhos em 2 horas e 40 minutos. Vemos as 4 personagens centrais envelhecendo sob nossas vistas e o que o tempo causa em nossas feições (Patricia Arquette, favorita ao Oscar, parece ter sentido mais que os outros). O peso do tempo está lá, exposto, mostrando que nossa caminhada por esse planeta é curta.

Já no final do filme, há uma emocionante reflexão de Olivia, quando seu filho está deixando a casa para ir a faculdade. Ela diz que aquele evento fez ela ver que sua vida iria acabar em breve, pois temos certos marcos, como a formatura, o casamento, ter filhos, conseguir o trabalho que queremos, ver os filhos nos deixando. E o próximo marco seria seu funeral. Um tanto quanto antecipada, mas ainda assim, uma dolorida e real conclusão.

Um filme que nos mostra, como nenhum outro, que a arte imita a vida.

Nota: 10

21 de fevereiro de 2015

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

Santa Coincidência, Batman!

Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance), Dir: Alejandro González Iñárritu, EUA/Canadá, 2014, 119min
Ficha no IMDB: clique aqui
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Birdman, ao lado de O Grande Hotel Budapeste, é o campeão de indicações ao Oscar 2015, disputando 9 categorias. E concorre em quase todas as categorias nobres: filme, diretor, roteiro original, ator (Michael Keaton), ator coadjuvante (Edward Norton) e atriz coadjuvante (Emma Stone). Merece ganhar tudo.

Antes mesmo de ver o filme, impressionou-me a genialidade metalinguística de fazer um filme sobre um ator em decadência que anos antes foi marcado por ter feito um super-herói de destaque no cinema. Qualquer um com mais de 30 anos certamente quando olha para Michael Keaton imediatamente se lembra de Batman em sua primeira versão cinematográfica. Mas aqui ele é... Birdman! Ou seja, Michael Keaton interpreta um personagem inspirado em... Michael Keaton! Uma sacada genial!

Se você não gosta de filmes que tem um quê de maluquice, como O Clube da Luta, já lhe adianto que não vai gostar do filme e xingar este pitaqueiro pelos elogios à produção.  Confirmando isso, na primeira cena Keaton está flutuando. Não faltaram avisos!

O enredo como já adiantado é sobre o tal ator, Riggan Thomson, que 20 anos antes era o famoso Birdman. No presente ele investiu tudo o que tinha para produzir, roteirizar, dirigir e atuar em uma peça da Broadway, buscando ver seu talento reconhecido e sua carreira reconstruída. Ou seja, mais metalinguagem, pois Keaton estrelando o filme é o mesmo que Riggan querendo se reerguer na Broadway.

Devido a problemas com o ator coadjuvante, odiado por Riggan, entra em seu lugar Mike Shiner (Edward Norton), renomado ator de teatro que trata com desdém as celebridades do cinema. O conflito entre esses dois opostos conduzirá boa parte do restante do filme. Além disso, Riggan tem de lidar ao mesmo tempo com a estreia da peça, com sua namorada que é atriz da peça e que pode estar grávida, Laura (Andrea Riseborough), com a outra atriz cheia de expectativas em sua primeira peça na Broadway, Lesley (Naomi Watts), com sua filha recém saída da clínica de reabilitação, Sam (Emma Stone), enquanto é assessorado por seu melhor amigo Jake (Zach Galifianakis). E pairando sobre tudo está Birdman, a voz que Riggan ouve constantemente e quer que ele retome os dias de grandeza. Enfim, Riggan está envolvido em problemas.

O filme aborda muitos temas atuais e atemporais. Nossa sociedade que dá mais atenção a factoides publicados em tabloides do que ao talento dos artistas está constantemente em debate. O imediatismo da internet e das curtidas das redes sociais também. E, por trás de tudo isso, a eterna necessidade de reconhecimento do ser humano diante do seu medo da falta de significado da vida. Todos esses elementos estão muito bem inseridos no filme.

O roteiro é excelente, recheado de humor (com tiradas de celebridades reais) e com diálogos muito bem construídos. Obviamente, nem mesmo o melhor diálogo já escrito funcionaria sem ter atores competentes para dar-lhe vida. Mas isso não é problema para Birdman. Todos os atores, até mesmo o medíocre gordinho da série Se Beber Não Case, estão ótimos. Keaton e Norton conduzem com muito talento o filme, merecendo os prêmios a que concorrem, assim como Emma Stone.

Ainda que não vençam, Keaton já está recebendo o tão sonhado reconhecimento como ator e Norton retomando o rumo de sua carreira, que surgiu como promissora após As Duas Faces de Um Crime, foi crescendo com A Outra História Americana e Clube da Luta e que vinha oscilando desde A Última Noite, tendo realizado papéis medíocres no período, como em O Ilusionista.

A condução técnica surpreende. O filme todo é construído como um plano-sequência, ou seja, como se não houvesse cortes de câmeras. A dificuldade técnica para conseguir fazer isso é imensa. Já relatei antes meu espanto com o grande plano-sequência de O Segredo de Seus Olhos. Não há palavras para descrever um filme inteiro feito com essa técnica. E mesmo diante dessa dificuldade técnica, a fotografia é ótima, alternando espaços, luzes e cores constantemente.

Birdman, assim, está na minha lista dos melhores filmes do século XXI. Dos últimos 15 vencedores do Oscar, o único filme que considero no mesmo nível é Beleza Americana. A nota, claro, não poderia ser outra.

Nota: 10

20 de fevereiro de 2015

O Grande Hotel Budapeste

O Fabuloso Wes Anderson

The Grand Budapest Hotel, Dir: Wes Anderson, Reino Unido/Alemanha/EUA, 2014, 100min
IMDB: clique aquiTrailer legendado: clique aqui


O Grande Hotel Budapeste, empatado com Birdman, lidera em número de indicações aos prêmios da Academia disputando 9 estatuetas. Nas principais concorre a melhor filme, diretor e roteiro original, com boas chances de levar o prêmio em todas estas.

Seu diretor é Wes Anderson, um dos poucos artistas do cinema atual com assinatura inconfundível. Seu estilo é tão marcante, com diversas marcas registradas, que qualquer um que já tenha visto seus filmes não gasta mais do que alguns segundos vendo uma cena de qualquer destes para perceber quem é o pai da criança, com cores fortes, luz fraca, cenários que parecem feitos para uma peça infantil, figurino exagerado, closes em pequenos objetos, e uma obsessão com a simetria. Para ilustrar o que estou falando, clique neste link. No YouTube há algumas paródias envolvendo seu estilo, como a abertura de Forrest Gump (clique aqui), e até mesmo como seria um pornô dirigido por Anderson (clique aqui).

Além da estética peculiar, Anderson também tem uma forma muito própria de contar suas histórias, nas quais ele sempre é, além de diretor, roteirista. Suas personagens sempre são estereotipadas, sempre há um narrador da estória, que conta de forma simples, beirando o infantil, e há muita ironia em quase todas as cenas, na qual até a movimentação da câmera contribui no humor.

Apresentado este peculiar diretor, passamos ao enredo. O Grande Hotel Budapeste é um decadente estabelecimento que era considerado auge do luxo nos anos 1930, na fictícia república de Zubrowka ("na fronteira mais oriental da Europa"). Em 1968, um escritor que vive no local (Jude Law) um dia conhece seu dono, Mr. Moustafa (F. Murray Abraham), que passa a contar como herdou o local.

A trama então retorna aos gloriosos anos 1930, na qual Mr. Moustafa ainda é o garoto do lobby, chamado somente por seu primeiro nome, Zero (Tony Revolori), seguindo militarmente as ordens do concierge do hotel, M. Gustav (Ralph Fiennes), protagonista do filme. Este é um sujeito ultrametódico, disciplinado e com ares refinados, que tem uma estranha queda passional por septuagenárias. Em razão desta preferência amorosa, Gustav herda de uma de suas amantes idosas (Tilda Swinton, irreconhecível com a maquiagem) um quadro de "valor inestimável", "O Menino e a Maçã", e passa a ser alvo da fúria da família da morta, sendo esse o ponto central do desenvolvimento do enredo.

Como já dito, os personagens são extremamente estereotipados. Sempre faço críticas aos estereótipos, mas não aqui, pois Anderson gosta de contar fábulas, e não histórias reais. Sua estética já faz o possível para que o tempo todo o espectador perceba que o que vê na tela não é real. Daí os estereótipos ficam perfeitos nessas narrativas quase fantásticas.

Assim, os filmes de Anderson não são filmes para atores mostrarem diversas facetas. Mas são provavelmente uma grande diversão para seus intérpretes, haja vista a constelação no elenco deste filme (confira no poster acima para ver), que tem a possibilidade de brincar com os estereótipos e os exageros. Atores de renome aceitam fazer papéis pequenos, em que não aparecem muito mais que um minuto na tela, como Bill Murray e Owen Wilson. Além disso, os que trabalharam com Anderson costumam ser fiéis a ele e são recorrentes em suas produções, caso dos dois citados.

Os filmes de Anderson são quase que uma matinê. Preferi seu filme anterior, Moonrise Kingdom, no qual os protagonistas pré-adolescentes combinam melhor com a estética do diretor. Mas O Grande Hotel Budapeste também é um ótimo filme, digna de todos os prêmios a que concorre.

Nota: 8

19 de fevereiro de 2015

Vencedores e melhores

E o Oscar deveria ter ido para...



Aproveitando a Maratona do Oscar, uma breve análise sobre a justiça da premiação, na visão deste pitaqueiro. Neste pitaco serão analisados os filmes que venceram o Oscar nos últimos 15 anos, de 2000 a 2014.

Será mostrada a lista dos indicados:

- os vencedores estarão em negrito, em primeiro na lista
- em itálico, em segundo lugar, os filmes que eu julgo que deveriam ter ganhado
- em negrito e itálico, ganharam e eu julgo que deveriam ter ganhado

Dos 15 filmes, premiados, concordo com a premiação de 7. Alguns ganharam e eu acho justificados, apesar de ter gostado de outro concorrente, caso de 12 Anos de Escravidão. Outros eu acho absurdo terem ganhado, tendo em vista os concorrentes, como O Discurso do Rei. E, sempre lembrando, ganhar o Oscar não confere ao filme o rótulo de obra-prima, pois há muitos filmes excelentes que nem cogitaram ser indicados.

Concorda? Discorda? Está com ódio deste pitaqueiro que não ama o mesmo filme que você? Deixe seus comentários! 

2000

Beleza Americana
Regras da Vida
À Espera de um Milagre
O Informante
O Sexto Sentido

2001

Gladiador
Chocolate
O Tigre e o Dragão
Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento
Traffic

2002

Uma Mente Brilhante
Assassinato em Gosford Park
Entre Quatro Paredes
O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel
Moulin Rouge - Amor em Vermelho

2003

Chicago
O Pianista
Gangues de Nova York
As Horas
O Senhor dos Anéis: As Duas Torres

2004

O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei
Sobre Meninos e Lobos
Encontros e Desencontros
Mestre dos Mares - O Lado Mais Distante do Mundo
Seabiscuit - Alma de Herói

2005

Menina de Ouro
Sideways - Entre Umas e Outras
O Aviador
Em Busca da Terra do Nunca
Ray


2006

Crash - No Limite
O Segredo de Brokeback Mountain
Capote
Boa Noite, e Boa Sorte
Munique

2007

Os Infiltrados
Pequena Miss Sunshine
Babel
Cartas de Iwo Jima
A Rainha

2008

Onde os Fracos Não Têm Vez
Desejo e Reparação
Juno
Conduta de Risco
Sangue Negro


2009

Quem Quer Ser Um Milionário?
O Leitor
Frost/Nixon
O Curioso Caso de Benjamin Button
Milk - A Voz da Igualdade

2010

Guerra ao Terror
Bastardos Inglórios
Avatar
Um Sonho Possível
Distrito 9
Educação
Um Homem Sério
Preciosa: Uma História de Esperança
Up – Altas Aventuras
Amor Sem Escalas

2011

O Discurso do Rei
Cisne Negro
127 Horas
A Origem
O Vencedor
Minhas Mães e Meu Pai
A Rede Social
Toy Story 3
Bravura Indômita
Inverno da Alma

2012

O Artista
Cavalo de Guerra
O Homem que Mudou o Jogo
Tão Forte e tão Perto
Histórias Cruzadas
A Invenção de Hugo Cabret
Meia-Noite em Paris
Os Descendentes
A Árvore da Vida

2013

Argo
Amor
Indomável Sonhadora
Django Livre
Os Miseráveis
As Aventuras de Pi
Lincoln
O Lado Bom da Vida
A Hora Mais Escura

2014

12 Anos de Escravidão
Ela
Trapaça
Gravidade
O Lobo de Wall Street
Clube de Compras Dallas
Capitão Phillips
Nebraska
Philomena

18 de fevereiro de 2015

A Teoria de Tudo

Doutor Fantástico

The Theory of Everything, Dir: James Marsh, Reino Unido, 2014, 123min
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A Teoria de Tudo concorre a 5 prêmios no Oscar: filme, roteiro adaptado, canção, ator (Eddie Redmayne) e atriz (Felicity Jones). Não deve levar o prêmio máximo, mas tem seus méritos, sobretudo nas atuações.

O enredo baseia-se na história da vida de Stephen Hawking, notoriamente conhecido como o maior cientista vivo. E, como é de conhecimento geral, ele sofre de uma séria doença degenerativa, a esclerose natural amiotrófica (a mesma doença que motivou o desafio do balde de gelo, que muita gente deve ter feito só pela farra, sem ter dado a doação para as pesquisas direcionadas à cura), que o mantém quase que inteiramente paralisado, sem que seu raciocínio sofra qualquer dano.

O filme trata superficialmente da ciência e se foca nos desafios pessoais de Hawking, desde pouco antes do diagnóstico, em 1963, que afirmava que ele viveria no máximo por mais dois anos, até sua condecoração como cavaleiro pela rainha Elisabeth II, quase 30 anos depois. Um bom recorte, tendo em vista que atualmente a doença atingiu quase que por completo os músculos da face de Hawking, e ele não consegue mais expressar emoções.

A trama foi baseada na autobiografia de Jane Hawking, ex-mulher de Stephen, que no Brasil recebeu o mesmo título do filme. Portanto, o relacionamento entre eles é o eixo condutor do filme. Por conta disso, muitos podem imaginar que será uma história romântica melodramática. Mas não é o que ocorre. Jane não é mostrada como a guerreira que por conta do amor superou tudo para cuidar de seu amado, mas uma mulher comum, que tentou seguir essa vida de entrega, mas que fraquejava e vacilava, como qualquer pessoa. Humana, demasiado humana.

A vida de Stephen Hawking certamente merece destaque. Já bastaria ser o cientista que ele é para tanto. Ou bastaria ter superado todas as limitações impostas pela doença. E, extraordinariamente, ele une ambas as coisas. Uma vida singular, sem dúvida.

Muito interessante é a abordagem da questão religiosa no filme. Stephen é ateu e Jane cristã fervorosa. Mas isso não impede seu relacionamento, pois ambos sabem que não adianta ficarem tentando converter um ao outro, basta o respeito para que o convívio seja feliz. Bela lição de vida em tempos de tamanho fanatismo e sectarismo.

As atuações são o grande destaque. Eddie Redmayne incorpora Hawking, em uma atuação espantosa. Certamente ele é favorito ao Oscar, considerando que papéis baseados em personagens reais dão prêmios (Ben Kingsley venceu por Gandhi e Meryl Streep como Margaret Thatcher em A Dama de Ferro), assim como interpretar deficientes (Dustin Hoffman por Rain Man e Tom Hanks por Forrest Gump). Felicity Jones, que no começo parece ser somente uma boa samaritana, aos poucos vai mostrando a complexidade dos sentimentos de Jane por Stephen. Não deve ganhar o prêmio, mas mostrou um ótimo trabalho.

O filme também deveria ter sido indicado ao prêmio de melhor direção, pois, como dito, os atores estão espetaculares, e certamente é necessário ter um bom diretor para isso. O roteiro foi muito bem adaptado para as telas e tem boas chances de levar o prêmio. Sua maior qualidade é buscar ser bem humorado com as adversidades, como Hawking, que já fez pontas em Os Simpsons e The Big Bang Theory, costuma ser.

Em síntese, uma história real sensacional, muito bem roteirizada e conduzida na tela e estrelada por uma dupla de atores extremamente inspirados.

Nota:8

17 de fevereiro de 2015

Selma: Uma Luta pela Igualdade

Contra o Sistema

Idem, Dir: Ava DuVernay, Reino Unido/EUA, 2014, 128min
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Selma: Uma Luta pela Igualdade corre por fora na disputa do Oscar, tendo sido indicado somente a melhor filme e melhor canção original. É favorito a levar o prêmio de canção, mas é quase nula a chance de conquistar o maior prêmio. No entanto, sua indicação é merecida, bem como merecia mais indicações. E não somente para contemplar a onda do politicamente correto, e incluir negros na premiação, o que foi criticado por muitos ativistas, mas por seus méritos.

A trama envolve um período específico na luta pelos direitos civis nos EUA, durante os anos 60. Martin Luther King Jr. (David Oyelowo) acaba de ganhar o Prêmio Nobel da Paz e se envolve nos preparativos para liderar uma marcha de 80 km pelo Alabama, protestando pelo direito dos negros votarem.

No período, os negros já haviam conquistado o direito ao voto. No entanto, os registradores criavam empecilhos que na prática impossibilitavam o direito da cidadania. Na cidade de Selma, somente 2% dos negros estavam habilitados ao voto.

A trama política é bastante interessante. O Presidente Lyndon Johnson (o sempre competente Tom Wilkinson) busca manter as coisas como estão. Já o governador de Alabama George Wallace (Tim Roth), representa o eleitorado racista de seu estado. Apesar de várias tentativas de King, Johnson mostra-se irredutível, por não querer interferir em uma questão local, já que nos EUA os estados detém grandes poderes legislativos.

Diante do impasse, King e seus companheiros de luta política decidem iniciar a marcha na cidade de Selma, onde o segregacionismo é marcante, rumo à capital do Alabama, Montgomery. Mas a legislação proibia "reuniões não autorizadas", um contrassenso em se tratando do país símbolo da liberdade.

Para a marcha pacífica prosseguir, os manifestantes terão de enfrentar a polícia, que está empenhada em "manter a ordem", espancando a todos (e com prazer). Válido para se fazer uma comparação com as violentas repressões policiais nos protestos recentes no Brasil. A questão que se coloca não é o fato de se concordar ou não com a manifestação, mas que se permita que cada um exerça seu direito de liberdade de expressão.

Muito interessante o papel de Lyndon Johnson. Como dito, ele preferia manter as coisas como estavam, mas não por ter algum preconceito contra os negros, mas era movido pelo cálculo político, e preferia manter as coisas como estavam para não contrariar o eleitorado sulista majoritariamente branco. Mas ao final, percebeu que se seguisse mantendo as coisas em seu lugar perderia o bonde da História, razão pela qual cedeu e determinou o fim de qualquer critério subjetivo para a inscrição eleitoral.

O carisma de Luther King também é bem retratado. Seus discursos com um toque messiânico faz com que as pessoas se sintam parte de algo maior, arriscando sua integridade física em prol do bem maior. Lembra Winston Churchill, outro líder messiânico, que conclamou o povo inglês a não se render aos nazistas.

Também merece destaque a postura do roteiro de fugir de um maniqueísmo infantil do tipo negros bonzinhos x brancos malvados. Claro que há personagens feitas para mostrar o estereótipo, como o rude xerife de Selma, mas o filme mostra que vários brancos se engajaram na luta a favor dos direitos dos negros. E Luther King não é mostrado como um semi-deus, mas como um homem comum, com problemas familiares e falhas de caráter.

A opção do enredo em abordar somente um período específico de um personagem histórico mostra-se acertada. Aliás, quase sempre esta opção é a mais adequada, pois em um filme de duas horas é difícil querer contar toda a vida de uma pessoa, do nascimento à morte. Retratar um momento específico é mais interessante e dinâmico, tal qual feito nos recentes Lincoln e Hannah Arendt.

A fotografia é muito interessante, especialmente nos momentos de conflito entre policiais e manifestantes, assim como nas cenas em que os políticos são mostrados, sempre em cenários com contraluz, com grandes janelas ao fundo, conferindo a eles uma atmosfera mais cinzenta, e, consequentemente, mais ambígua.

A direção é certamente melhor do que a O Jogo da Imitação, o que faria com quem a diretora Ava DuVernay merecesse mais a indicação ao Oscar, indicações que recebeu no Globo de Ouro quanto no Independent Spirit Award. Mas como sempre, há outros interesses que levam às indicações ao Oscar, não somente o mérito.

E o elenco também é bem competente, sendo que o protagonista, David Oyelowo, merecia uma indicação ao prêmio de melhor ator por conta se sua representação de King. Tal qual a diretora, o ator também foi indicado nas outras premiações supramencionadas. E há até pontas de celebridades, como Cuba Gooding Jr. e Oprah Winfrey.

Em síntese, um bom filme, retratando um período relativamente recente cujo eco se manifesta até hoje, tendo em vista as recentes manifestações contra a violência policial sobre negros nos EUA bem como, indiretamente, as violentas repressões policiais à manifestações pelo Brasil (até mesmo no Carnaval!).

Nota: 7

15 de fevereiro de 2015

Sniper Americano

Metralhadora descalibrada

American Sniper, Dir: Clint Eastwood, EUA, 2014, 132min
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Sniper Americano está na lista dos filmes com mais indicações aos prêmios da Academia, concorrendo a 6 estatuetas. Nas mais nobres concorre a filme, diretor, roteiro adaptado e ator (Bradley Cooper, em sua 3ª indicação consecutiva). Dificilmente leva algum desses prêmios, e também não merece.

A trama é baseada na história real de Chris Kyle, o sniper (atirador de elite) que mais matou inimigos na história das forças armadas dos EUA, com um total de 160 abatidos. Não à toa, era conhecido como "Lenda", mesmo antes de chegar ao número 30.

A cronologia é linear, mostrando momentos de sua infância, incluindo sua decisão de se tornar militar aos 30 anos após ver os ataques terroristas às embaixadas americanas em 1998. Há um pouco de história sobre treinamento militar da tropa de Elite da Marinha, os SEALs. Um tanto quanto clichê, tendo em vista que diversos filmes já mostraram a dureza do treinamento militar, como Nascido para Matar, Tropa de Elite e Até o Limite da Honra (péssimo título nacional para G.I. Jane), famoso filme em que a Demi Moore interpreta a primeira mulher a tentar entrar para a mesma tropa de elite.

Posteriormente, há os questionamentos morais de Kyle, como ter de matar mulheres e crianças insurgentes no Iraque. E depois surge um conflito de gato e rato entre Kyle e o melhor atirador de elite dos insurgentes iraquianos, um antigo campeão olímpico de tiro conhecido como Mustafá. Aliás, esse personagem é mostrado de forma muito estereotipada. Enquanto Kyle é retratado em todos os seus conflitos e questionamentos, Mustafá parece um robô frio e calculista programado para matar. Mostrar rapidamente uma cena em que ele deixa sua esposa e seu filho para ir para o combate não ameniza muito a situação. E na parte final mostra a readaptação de Kyle à vida civil, tema recorrente em filmes como Nascido em 4 de Julho e até mesmo Rambo (somente o primeiro).

Enfim, parece que não se soube qual ponto destacar da história e ficou essa trama com muitos pontos abordados e com pouca profundidade. Curiosamente, um filme sobre um atirador de elite, que necessita de muito foco em seu trabalho, não tem um foco claro, parecendo uma metralhadora que atira para todo lado.

Clint Eastwood é um grande diretor, mas esse é um de seus filmes menores, que não chega aos pés de obras primas como Gran Torino Os Imperdoáveis. 

Bradley Cooper está bem no papel, mas não realiza nenhum trabalho excepcional. Ele foi muito melhor em O Lado Bom da Vida. Outros atores mereciam mais a indicação, como Miles Teller, protagonista de Whiplash. Cooper deve ter um ótimo lobista para conseguir essa sequência incrível de indicações ao prêmio, como se ele fosse um Al Pacino ou Daniel Day Lewis, o que, definitivamente, ele não é.

De qualquer forma, não é um filme ruim. Repete muitos lugares comum, mas é bem conduzido. Nisso se parece com O Jogo da Imitação. Mas ao contrário deste, Sniper Americano tem um ritmo um pouco mais dinâmico, portanto, merece nota melhor.

Nota: 6