Casa quando?
The Lobster, Dir: Yorgos Lanthimos, Grécia/Irlanda/Reino Unido/Países Baixos/FRA, 2015, 1h59minIMDB Trailer
"Nossa, e quando que você vai arrumar um namorado? E casar? E ter filhos?"
Muitos e muitas já devem ter ouvido essas perguntas. E se além da tia inconveniente toda a sociedade começasse a se preocupar com isso. E mais, não somente se preocupasse, como tornasse crime o fato de uma pessoa ser solteira? Esse é o futuro próximo distópico apresentado em O Lagosta.
A trama é ainda mais louca. Aqueles que estão solteiros são obrigados a irem para um hotel onde devem arrumar um par em 45 dias. E quem não consegue é transformado em um animal (e o título do filme se deve ao fato do protagonista desejar se tornar uma lagosta). Sim, o filme trata de um exemplo absurdo.
Mas em meio a esse absurdo alegórico temas sérios são discutidos. Fica claro que o controle social é o tema mais destacado. E um desdobramento dele é o totalitarismo desta sociedade antisolteirice. E mais, depois seremos apresentados ao grupo marginal que vive na floresta de solteiros convictos, para os quais qualquer relacionamento afetivo é punido com penas corporais. Pois é, numa análise sociológica de boteco, seria o que Hannah Arendt definiria como dois grupos totalitários, faces da mesma moeda, tal como os liderados Hitler e Stálin.
O roteiro é muito inteligente. A estranha sociedade futurista não é explicada com títulos iniciais ou diálogos expositivos, formas bem comuns porém bem preguiçosas de inserir o espectador em um novo universo. Aqui, aos poucos vão sendo dados elementos que permitem que o espectador entenda como funciona essa maluquice - para muitas mulheres talvez a maior maluquice (e pesadelo) seria o fato de que no hotel todas tem de usar na festa para se aproximar de pretendentes o mesmo vestido.
O filme pode ser considerado uma comédia, mas não esperem sessões de muitas risadas. Seu humor é bem britânico, carregado de sarcasmo. E há momento em que ele força ainda mais a estranheza presente ao longo de todo o filme, como em conversas em tom bastante frio e formal as pessoas passam a falar de sexo. Lembra um pouco a quebra de tom que Wes Anderson empregou em O Grande Hotel Budapeste. Muitas reviravoltas irão acontecer constantemente na história. Apesar de sua qualidade, a história começa a ficar cansativa na segunda metade, e faltou um final coeso.
As atuações todas são ótimas. Liderando o elenco está Colin Farrell, interpretando um homem tímido e introspectivo. Ao mesmo tempo em que ele tem dificuldades em lidar com outros seres humanos devido a uma certa antissociabilidade e que se sente oprimido pelo ambiente controlador ele também tem um desejo muito intenso de se conectar afetivamente. Sua interpretação é fria e distante com um tom de voz maquinal, e ele tem de passar muito de seus sentimentos somente com sua expressão facial. Merecia ter sido lembrado pelo Oscar. No elenco também estão Rachel Weisz, Léa Seydoux, John C. Reilly e Ben Winshaw.
O filme claramente não tem um orçamento muito grande e o futurismo fica só nas situações, pois os objetos de cena e o figurino são os mesmos dos dias atuais. Mas essa ótima história não precisava de shows pirotécnicos hollywoodianos. A fotografia é discreta, bastante acinzentada, combinando com o formalismo distante da sociedade retratada. A direção do grego Yorgos Lanthimos (que também é corroteirista do filme), especialmente em seu trabalho com o elenco, é ótima. Sua trilha sonora com um toque de violino repetitivo soa ao mesmo tempo formal, dramática e ridícula, bem ao estilo de todo o filme.
O Lagosta é um bom filme, seria ótimo se tivesse mantido o ritmo em seu final e se tivesse se encerrado de forma mais coesa. Não é pra todos os públicos já que seu humor é bem peculiar, cínico, violento e negro. Recebeu somente indicação a melhor roteiro original no Oscar mas poderia ser lembrado em outras categorias, especialmente de ator principal.
Nota: 7