15 de dezembro de 2016

Rogue One: Uma História Star Wars

Outras estórias 

Rogue One: A Star Wars Story, Dir: Gareth Edwards, EUA, 2016, 2h14min
IMDB                 Trailer


A Disney comprou a Lucasfilm por conta da mina de ouro que havia dentro dela: o Universo Star Wars. Não estava rendendo tanto quanto poderia por não ser bem administrada pelo seu criador, George Lucas. Mas nas mãos corretas poderia dar lucros enormes. A Disney, além de saber produzir lucros exorbitantes, sabe também cativar o coração das audiências, conseguindo, assim, ainda mais lucros. Foi o que fez com a saga Star Wars ao lançar O Despertar da Força.

No ano passado houve um hype gigantesco com o lançamento deste filme. Não dava pra sair nas ruas sem ver várias pessoas usando camisetas do Star Wars. Brinquedos e mais brinquedos surgiram, fazendo com a saga chegasse aos corações das crianças de hoje.  E os resultados financeiros também impressionaram e chegou-se a dizer que o filme bateria Avatar como a maior bilheteria mundial da história. Não foi o caso, ficando em terceiro neste ranking, mas com mais de 2 bilhões de dólares de faturamento nas bilheterias bateu vários recordes, como maior bilheteria nos EUA e maior bilheteria em fim de semana de estréia.

Além da estória principal, envolvendo a família Skywalker, a Disney quis trabalhar subtramas do universo Star Wars. A primeira delas é esta de Rogue One: Uma História Star Wars (péssima gramática pra tradução, que deveria ser "Uma Estória de Star Wars"). A trama para este filme já estava pronta desde o primeiro filme da saga, de 1977. Veja o que diz o letreiro inicial:

"É um período de guerra civil. Partindo de uma base secreta, naves rebeldes atacam e conquistam sua primeira vitória contra o perverso Império Galático.
Durante a batalha, espiões rebeldes conseguem capturar os planos secretos da arma decisiva do império, a Estrela da Morte, uma estação espacial blindada com poder suficiente para destruir um planeta inteiro".
Pois bem, estas linhas que serviam para situar o espectador no ambiente do primeiro filme agora são a estória a ser mostrada nas telas. Infelizmente, não fizeram um bom serviço com o material.

A trama anunciada necessitava do enredo de como ocorreu a captura dos planos e de personagens novos nunca citados. Entram aí a protagonista Jyn Erso, menina indisciplinada filha do engenheiro chefe pelo projeto da Estrela da Morte e o co-protagonista Capitão Cassian Andor, espião rebelde. Ao grupo se juntam o andróide K-2SO, o religioso cego Chirrut, seu amigo Baze e o ex-piloto imperial Bodhi.

Mas essa parte que precisava ser criada do zero não foi bem feita. E isso comprometeu todo o filme.

O desenvolvimento da estória não tem muita graça ou muita emoção, algo sempre presente em Star Wars. Há uma tentativa válida de se buscar contar uma estória do universo Star Wars dentro de uma perspectiva completamente nova, junto a pessoas comuns que não possuem poderes especiais e que não se tornarão os heróis da galáxia que é bastante válida. Também é interessante fazer um filme mais sujo, em que não há a clara distinção entre o bem e o mal. Aqui, Império e Rebelião são quase que dois lados da mesma moeda, com personagens em ambos os times capazes de atos monstruosos por sua causa.

Até mesmo na parte estética há um claro rompimento com os filmes anteriores no intuito de mostrar esta outra perspectiva. Objetos familiares como a Estrela da Morte são mostrados sob novos ângulos. Pela primeira vez há legendas dizendo onde estão os personagens e também h à espaços de tempo distintos distintos, ao contrário dos filmes anteriores em que toda a estória se desenvolvia em poucos dias.

O maior problema são os personagens, especialmente a protagonista. Alguns deles tem até seu encanto, como o homem cego de fé inabalável na força, Chirrut, mas não conquistam o coração do espectador, ao contrário de Han, Luke e Leia, e mais recentemente Rey, Finn e Poe. A protagonista é completamente sem graça, não conseguindo levar o espectador a se comover com seu drama particular.

Parte da culpa certamente recai sobre a atuação desajustada de Felicity Jones. Ela não conseguiu dar o tom da persoangem, de uma menina rebelde e independente, mas de grande coração. Faltou tudo aqui dela. Ela aparenta somente estar de corpo presente. Uma tristeza, pois ela mostrou um belo trabalho em A Teoria de Tudo, que lhe valeu uma merecida indicação ao Oscar. Dois grandes atores como Mads Mikkelsen e Forest Whitaker estão muito mal aproveitados em seus papéis sem profundidade. O único que se destaca é Diego Luna, como o espião rebelde que carrega uma grande culpa.

A direção pesada de Gareth Edwards aparentemente se preocupou mais em espetáculos visuais do que com enredo e personagens. Ao menos na parte técnica Rogue One merece alguns elogios. As batalhas espaciais estão entre as melhores da saga, e os efeitos computadorizados atingem um nível assustador, não vou detalhar para não dar spoiler, mas os fãs me entenderão quando virem. A busca por uma direção de arte semelhante ao filme de 1977 também é digna de elogios, com cenários e figurinos muito bem caracterizados, ainda que sejam cópia do primeiro filme.

Rogue One mal foi lançado e já houve quem elogiasse muito o filme. Já outros, como eu, não gostaram. Aparentemente esta divisão de opiniões será a percepção do público em geral, ao contrário de O Despertar da Força que foi quase que unanimemente elogiado. Se se confirmar isso, a Disney terá seriamente que repensar o plano de lançar um filme de Star Wars por ano, sob pena de cansar o público.

Rogue One era um filme com pinta de caça-níquel. Poderia não ser se a estória fosse boa. Infelizmente, o que é muito dolorido para um fã como eu, acabou sendo um filme sem vida. Um grande desperdício de um universo tão amado por muitos, especialmente para este pitaqueiro apaixonado pela saga. E é com pesar que dou uma nota tão ruim a um filme de Star Wars. 

Nota: 3

12 de dezembro de 2016

Critic´s Choice Movie Awards 2017

Termômetros do Oscar - Parte 1 

Ontem foi realizada a cerimônia de premiação Critic´s Choice, que como indica o nome, é o prêmio dado pelo voto dos críticos de cinema.

O prêmio é um dos principais "termômetros" do Oscar. É um dos que mais se aproximam dos resultados do prêmio da Academia. Para exemplificar, em 8 vezes nos últimos 10 anos o prêmio de melhor filme foi o mesmo em ambas as premiações. Além de diversos acertos em outras categorias.

Considerações:
  • La La Land é o filme a ser batido no ano. Levou melhor filme, melhor diretor (Damien Chazelle do ótimo Whiplash) roteiro original e vários prêmios técnicos, somando 8 conquistas.
  • La La Land, Moonlight e Manchester à Beira Mar são os pesos pesados da temporada. 
  • A Chegada vai ser o filme de diversas indicações e poucas estatuetas.
  • Ator principal: Casey Affleck, o irmão mais novo de Ben Affleck, ganhou melhor ator por Manchester à Beira Mar.
  • Atriz principal: categoria muito disputada. Natalie Portman venceu por Jackie. Mas a briga segue aberta.
  • Ator coadjuvante: Mahershala Ali (mais conhecido por XXX em House of Cards) venceu como ator coadjuvante.
  • Atriz coadjuvante: Viola Davis venceu por Fences (prêmio que também ganhou pela versão teatral da obra) confirmando seu favoritismo na categoria.
  • Elle venceu como melhor filme estrangeiro e mostrou sua força na categoria.

8 de dezembro de 2016

A Chegada

Um Novo Mundo 

Arrival, Dir: Denis Villeneuve, EUA, 2016, 1h56min
IMDB                 Trailer 


Como nos últimos dois anos a Maratona do Oscar deste blog foi uma corrida insana com pitacos sendo publicados às vezes diariamente, desta vez a análise dos filmes começará mais cedo. Os indicados ao prêmio só serão divulgados no final de janeiro e a cerimônia de premiação é no final de fevereiro (em meio ao nosso Carnaval). Mas alguns filmes já estão se destacando com indicações em premiações que antecedem o prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A Chegada é um deles.

O filme, como entrega o título e a divulgação, tem em seu tema o primeiro encontro da humanidade com seres alienígenas, que apareceram com 12 naves aleatoriamente pela Terra. Mas aqui o foco não será o impacto que isso causará na humanidade, cenas de destruição, combate ou qualquer coisa do gênero. Contrariando tudo isso, o filme foca na jornada pessoal da renomada linguista Louise Banks, escalada para estabelecer a comunicação com os alienígenas que pousaram nos EUA, sempre envolta às lembranças de sua filha que morreu na adolescência. 

Acreditem ou não, num filme de extraterrestres os temas principais do roteiro de Eric Heisserer  baseado no conto História da Sua Vida de Ted Chiang serão as escolhas que fazemos em nossas vidas, a dor da perda e como podemos nos conectar uns aos outros. Os extraterrestres funcionam somente como um catalisador para essas mudanças.

Pode parecer que os alienígenas não tenham nada a ver com isso. Mas às vezes precisamos de um fato extraordinário para fazermos coisas simples. Exemplo: no último domingo pela primeira vez vimos as quatro torcidas organizadas dos grandes times do Estado de São Paulo fazendo um confraternização conjunta após a tragédia com o time da Chapecoense. A pergunta que fica é: eles não poderiam ter feito isso antes? É óbvio que sim, mas nosso cotidiano raso de paixões mesquinhas nos impede de buscar este contato. Nos definimos mais pelas nossas diferenças do que por nossas semelhanças. Às vezes só este fato novo para quebrar um padrão que repetimos por inércia.

Todo o impacto da chegada dos aliens ao nosso planeta é apresentado indiretamente, da mesma forma que a protagonista acompanha a estória. As consequências para a população mundial, como o caos que se segue ao encontro, sempre são mostradas pela televisão, assim como as decisões políticas das nações. Tal recurso narrativo faz a trama centrar-se ainda mais na jornada interna da protagonista.

O filme a princípio tem um ritmo muito lento, que para alguns espectadores mais acostumados ao ritmo de ação constante dos filmes de estúdios atuais pode soar enfadonho. É bastante lento o desenvolvimento do progresso das comunicações com os alienígenas, como acontece em quase tudo no mundo real. Mas no terceiro ato há uma mudança brusca no filme que nos faz repensar tudo que havia sido mostrado até então. Uma espécie de efeito semelhante ao da revelação final de O Sexto Sentido. E aí as fronteiras se expandem vertiginosamente. Nosso conceito de cronologia linear é completamente posto em questão. Não é mais o passado e o presente que dirão o que será o futuro, mas todos estes tempos andam juntos, tal qual a linguagem não-linear dos ETs. Estas frases podem parecer um completo delírio, mas no contexto do filme farão todo o sentido. 

O diretor canadense Denis Villeneuve é um craque, provavelmente o melhor diretor a aparecer no mainstream na última década. Aqui no Pitacos já foram analisados dois de seus filmes, os ótimos O Homem Duplicado e Sicario. Seus filmes são inquietantes, mantendo o espectador confuso junto ao protagonista. Um de seus recursos visuais favoritos é o uso de muitas tomadas a partir da visão dos personagens. Com esse trabalho, consegue caminhar magistralmente na tênue linha que separa os filmes de arte das produções de grande orçamento. A Chegada pode ser considerado tanto um filme de arte pelo foco inusitado da trama, por seu ritmo lento e pelas escolhas técnicas pouco convencionais, como um filme grande de estúdio, por conta de sua grande divulgação e sua boa bilheteria, bem como o fato do diretor procurar tornar a obra acessível ao grande público. 

O trio de atores principal vai bem. Jeremy Renner e Forest Whitaker fazem um bom trabalho mas a trama não lhes permite maior destaque. O holofote fica mesmo sob a ótima Amy Adams, excelente em uma atuação muito contida. Sua indicação ao prêmio de melhor atriz é quase certa, ao lado de concorrentes fortíssimas como Isabelle Huppert e Natalie Portman

Como já dito, o clima de tensão e de incerteza é constante. Para criá-lo, na parte técnica há um bom uso dos elementos cinematográficos. A fotografia minimalista de Bradford Young, característica de outros de seus filmes como Selma e O Ano Mais Violento, é bonita. Há uma alternância inteligente entre planos abertos e fechados e bom uso de contraluzes. Sua paleta é bem cinzenta, subexposta (escura) com cores pouco saturadas, conduzindo o espectador para a zona de penumbra e de melancolia da estória. Os cenários são extremamente econômicos, com quase nada de deslumbre visual que costuma caracterizar obras de ficção científica. Da mesma forma, os efeitos visuais são bem cuidados e criam bem o ambiente mas não se sobressaem.  A trilha sonora do islandês Jóhann Jóhannsson também segue nessa linha discreta, como em seus trabalhos anteriores indicados ao Oscar nos últimos dois anos, A Teoria de TudoSicario. O filme deve receber indicações em algumas destas categorias técnicas assim como de melhor filme, roteiro adaptado, direção e atriz principal, o que pode colocá-lo na liderança no número de indicações.

A Chegada é um filme que fica na linha tênue que divide cinema de arte de cinema pipoca. Não é para todos os públicos, pois é um filme que exige um comprometimento do espectador. Mas também não é um filme hermético feito para pseudo-intelectuais e supostos entendidos em arte se fingirem superiores. É um grande obra, certamente o melhor da safra Hollywood 2016 até o momento.

Nota: 9


P.S: Domingo ocorre a primeira grande premiação que antecede o Oscar, o Critic´s Choice Movie Awards, o prêmio dado pelos críticos. Segunda-feira sai um pitaco com algumas breves análises sobre a premiação. 

6 de dezembro de 2016

Dois Caras Legais

Parças 

The Nice Guys, Dir: Shane Black, EUA, 2016, 1h56min
IMDB                 Trailer                 Roteiro


Ao ver o cartaz deste filme normalmente há dois tipos de reação do espectador. Aquele que curte mais a pipoca que o filme vai pensar: legal, uma comédia pra não pensar muito com dois bons atores. E o segundo, aquele que gosta de "filmes-cabeça" pensa: olha aí mais um filme bobo feito só pra ganhar dinheiro. E nenhum estará completamente certo, e nem completamente errado. 

Dois Caras Legais é escrito e dirigido por Shane Black, roteirista do clássico Máquina Mortífera. Assim como em seu grande sucesso, aqui também há a reunião de dois tipos opostos. Healy (Russell Crowe) é o durão, um cara que bate nos outros quando pago. March (Ryan Gosling) é um detetive particular picareta, que só age por dinheiro e aceita casos até de idosas senis que estão em busca do marido já morto. O caminho dos dois irá se cruzar por conta de uma garota que fez um filme pornô e está sendo perseguida. Ela paga a Healy para protegê-la enquanto outra investigação paralela de March o leva a investigar a moça. Há de cara um confronto entre eles (na verdade uma surra dada pelo primeiro no segundo), mas depois se unem quando percebem que estão envolvidos em um caso misterioso que pode esconder uma grande conspiração.

A trama envolve uma certa complexidade e em certos momentos várias coisas parecem não ter sentido, mas ao final tudo é entregue mastigado ao espectador, lembrando o velho recurso dos desenhos do Scooby-Doo.

O filme é uma comédia e não faltam momentos divertidos, indo desde sutilezas de estranhamento de época, deboche de certas condutas pessoais, personagens caricatos a cenas pastelão, em momentos em que Gosling apanha muito e não sofre maiores consequências. O que poderia fazê-lo parecer o Bruce Willis em Duro de Matar, aqui é só farra e o filme deixa isto explícito, fazendo que ele lembre mais o memorável Coyote do desenho do Papa-Léguas.

Em um filme tão centrado em seus personagens a dupla principal tem que funcionar. E os dois bons atores que carregam o filme fazem isso bem. Curiosamente há até ecos do primeiro filme de sucesso de Russell Crowe, Los Angeles: Cidade Proibida (pitaco aqui), uma estória policial ambientada na mesma cidade em tempos passados e com Crowe sendo um cara rústico. Até a oscarizada (?!) Kim Basinger está presente, escondida atrás de infinitas plásticas. No elenco de apoio, destaca-se a jovem Angourie Rice no papel de filha adolescente de March.

O filme é bom tecnicamente. A ambientação dos anos 70 é ótima, numa Los Angeles em transição da era hippie para a era disco. A fotografia bastante colorida é muito bonita. A trilha sonora é um pouco clichê setentista, mas, sendo esta uma época de ótimas músicas, agrada ao longo de todo o filme.

Pelo cartaz Dois Caras Legais parecia somente um filme caça-níquel juntando dois astros hollywoodianos. Não deixa de ser, mas não é vazio como se poderia esperar. Há uma boa estória sendo contada, fazendo dele um filme pipoca de qualidade. 

Nota: 7


P.S: Nesta quinta-feira será dado início à Maratona do Oscar 2017 com o pitaco de A Chegada.

8 de novembro de 2016

A Luz Entre Oceanos

Luz na Escuridão

The Light Between Oceans, Dir: Derek Cianfrance, Reino Unido/Nova Zelândia/EUA, 2016, 2h13min
IMDB                 Trailer 

Uma estória de amor permeada por um grande drama familiar em um cenário paradisíaco e com um elenco de primeira, resumidamente assim pode-se definir A Luz Entre Oceanos.

Na trama, Tom, um ex-combatente das trincheiras da Primeira Guerra Mundial, aceita o solitário emprego de faroleiro em um ilha isolada. Em pouco tempo casa-se com um moça da região, Isabel. O amor o faz redescobrir o prazer pela vida, abalado após os horrores que presenciou nos campos de batalha. Após dois abortos espontâneos de Isabel, um barco a remo chega à ilha com um homem morto e uma bebê que eles decidem criar como se fosse sua filha biológica. Pouco tempo depois, Tom descobre a trágica história da bebê, e que sua mãe acredita que ela morreu no mar.

O roteiro baseia-se no livro de mesmo nome de M.L. Stedman de 2011, e algumas passagens deixam clara sua origem, especialmente um certo excesso de leitura de cartas.  O que é um bom veículo em um livro não o é exatamente em um filme, onde se deve mostrar, não contar. Mas tal "defeito" do roteiro não atrapalha a narrativa. Prova disso é que há alguns pequenos detalhes que são mostrados de passagem e posteriormente vão ganhar importância na trama. 

Alguns temas são muito importantes ao filme, sobretudo esta mencionada confusa estória familiar. Em certo sentido lembra o ótimo Pais e Filhos de Hirokazu Kore-eda. A diferença maior é que enquanto no filme japonês a trama centra-se numa troca de bebês, em A Luz entre Oceanos existe a criação de uma criança por outros pais, enquanto há uma mãe que sofre pela suposta morte da filha.

Também presente está o conflito de Tom entre o dever e o que é certo, quando tem de decidir se deve comunicar ao serviço de faróis que encontrou o barco ou se cria a bebê para compensar sua esposa pelos dolorosos abortos que sofreu. Posteriormente surgirá o mesmo conflito entre se deve contar à mãe da bebê o que ocorreu ou se finge que está tudo bem pela felicidade de sua esposa. Por fim, há algumas discussões sobre o perdão e o efeito que ele produz sobretudo naquele que perdoa, mais no que em quem foi perdoado.

Como já indica o elenco composto por duas atrizes oscarizadas, Alicia Vikander e Rachel Weisz e por um ator indicado que provavelmente ganhará o prêmio em breve, Michael Fassbender, as atuações se destacam. Seria muito fácil transformar uma estória tão dramática em uma novela mexicana. Mas a qualidade dos intérpretes impede que isso ocorra, pela sobriedade com que encaram seus trabalhos, sem que isso signifique uma atuação fria.

A direção de Derek Cianfrance consegue conduzir bem seus atores (o que não é difícil) e seus cenários paradisíacos. A fotografia dá grande destaque ao horizonte e aos pores do sol, com uma paleta com destaque para o dourado nos momentos de aproximação entre Tom e Isabel, e depois adota tons azuis nos momentos de tensão, ambientando bem a estória.

A Luz Entre Oceanos é um belíssimo romance. Aos emotivos é recomendável levar uma caixa de lenços, pois a carga dramática é intensa. 

Nota: 7

11 de outubro de 2016

Aquarius

Clara Contra Golias 

Dir: Kleber Mendonça Filho, Brasil, 2016, 2h22min
IMDB                 Trailer


Aquarius foi o filme mais falado no Brasil neste ano, mais pelo protestos liderados por seu elenco e equipe do que por seu conteúdo. Mas e o filme, é bom? Pois é, isso é o que menos se discute.

Aquarius ocupou mais espaço no noticiário político do que no cultural recentemente, em razão de seus realizadores terem utilizado o Festival de Cannes e outros espaços como palco para seus protestos contra o processo de impeachment. Assim, a turma antipetista passou a odiar Aquarius sem vê-lo, enquanto a turma contra o impeachment passou a amá-lo incondicionalmente também sem vê-lo, o que faz com que Aquarius fosse muito mais julgado pelas bandeiras levantadas do que pelo que é. 

O simbolismo ficou maior que a obra. Ver ou não o filme se tornou mais um ato político do que um evento cultural. Nada contra os protestos, pois neste espaço defende-se a liberdade de expressão de forma muito ampla, mas sendo este um blog de crítica cinematográfica, há que se afastar as opiniões políticas e analisar a obra em seu contexto. 

Feita esta consideração inicial sobre a polêmica política que envolveu o filme (que quase nada tem a ver com a obra), resta dizer que Aquarius é um filmaço!

A trama centra-se na protagonista Clara (Sonia Braga), última moradora de um antigo prédio residencial na praia de Boa Viagem em Recife, cujos demais apartamentos foram todos adquiridos por uma construtora que deseja erguer um moderno condomínio-clube-fortaleza. Clara resiste a ideia de vender seu imóvel, pois passou sua vida lá e não vê motivos para deixar o lugar. Este é o eixo condutor da obra. Uma alegoria da luta entre um Brasil que vai ficando para trás frente a uma modernidade que quer destruir os sinais do passado, mas mantendo as mesmas pessoas no poder.

Apesar do tema central sempre estar presente, o filme é muito maior que esta batalha de uma mulher contra o poder econômico, uma representação do mito bíblico de Davi contra Golias. O filme é sobre a vida de Clara, passando por seus relacionamentos com seus familiares, com seus vizinhos, com seus amigos, com sua empregada, sobre sua saúde, sua sexualidade. Enfim, sobre suas dores e alegrias.

O roteiro, centrado nesta vida, tem grandes momentos. Há muitos bons diálogos. Os temas pessoais de Clara são abordados de maneira madura, sem excessos dramáticos, ora de maneira leve, ora de maneira dura. Há diversas críticas sociais, algumas muito bem feitas, mas algumas outras ficam um pouco deslocadas do tema com um ou outro diálogo didático demais, parecendo uma frase pronta de universitário de humanas, soando artificial. Mas estes pequenos defeitos não chamam a atenção frente ao brilhantismo da obra.

O filme é muito bem dirigido, com destaque para a fotografia que acerta em bons enquadramentos, com destaque para algumas tomadas aéreas que se iniciam focadas nos personagens e abrem-se muito, mostrando a cidade de Recife (quase um personagem na obra) em que os personagens se inserem. Na produção há que se destacar a ótima caracterização dos anos 80, com um menino usando camiseta de marca de cigarro, garrafas de vidro de cerveja e de refrigerante sobre a mesa em uma festa e diversas pessoas fumando sem preocupação em uma ambiente fechado cheio de crianças. Os que tem mais de 30 anos vão se sentir de volta ao passado. Esse nosso estranhamento e nostalgia com o passado não tão distante lembra um pouco a ótima série Mad Men. Também se destaca a bela trilha sonora, que se encaixa perfeitamente à obra e à protagonista, que era crítica musical. Destaque para a belíssima canção Hoje, de Taiguara

O roteirista e diretor Kleber Mendonça Filho, em seu filme anterior, O Som ao Redor (pitaco aqui), tinha um bom tema mas o tratou de forma arrastada, sem foco e maçante. Aqui não, especialmente pelo fato de ter uma narrativa central, o que não havia na obra anterior. Alguns cacoetes ele manteve, como a utilização de fotos antigas na abertura da obra e as já citadas cenas deslocadas da narrativa central. O foco quase que constante em Clara nos faz levar a viver seus dramas com ela. A direção de atores também é ótima.

Com essa direção todo o elenco trabalha bem, mas o destaque é sem dúvida a onipresente Sonia Braga. Sua atuação é fenomenal, ao mesmo tempo sutil e impactante, mostrando diversas faces de sua personagem que cativa o público numa estória em que cada um pode se identificar em algum aspecto. Já existe um pequeno lobby para sua indicação ao Oscar 2017, o que seria muito merecido.

Com relação à polêmica não indicação de Aquarius na vaga brasileira do Oscar pelo comitê brasileiro que escolheu Pequeno Segredo há que se fazer algumas considerações. 

Primeiro, não dá pra saber se a escolha foi política ou não, como forma de boicote por conta dos protestos feitos pelos realizadores do filme. Acreditar piamente na hipótese do boicote é ir na linha do tão falado "não tenho provas, mas tenho convicção" versão "Fora, Temer". Não se nega que a hipótese pode ser verdadeira, pois foi estranho o que ocorreu.

Segundo, o ainda não lançado Pequeno Segredo tem que ser uma obra espetacular (e muitos que o viram já estão dizendo que não é) para bater Aquarius, pois não é todo dia que se fazem filmes tão bons. 

Por fim, uma das justificativas do comitê para a indicação foi a da "adequação ao gosto da Academia". Não se sabe exatamente o que isso quer dizer, mas talvez signifique um filme dramático sentimental e fofo, tipo A Vida É Bela. Pois bem, não sei se o comitê sabe, mas as últimas obras que venceram o prêmio de melhor filme em língua estrangeira não se enquadravam nisso. Os últimos cinco premiados, o iraniano A Separação (premiado em 2012), o francês Amor (2013), o italiano A Grande Beleza (2014), o polonês Ida (2015) e o húngaro Filho de Saul (2016) não são filmes fofinhos ou agradáveis, são todos obras pesadas, reflexivas, com narrativas pouco convencionais e alguns até violentas. Nem mesmo os últimos vencedores do prêmio principal são filmes bonitinhos, e se tornou um chavão falso acreditar que os tais "velhinhos da Academia" são excessivamente conservadores.

Aquarius gerou muita polêmica em meio ao cenário político polarizado que estamos vivendo. Seria uma pena que o filme ficasse marcado no imaginário coletivo somente pela polêmica do momento atual, pois é uma grande obra, que deveria ser vista por todos, independentemente de se considera que o que aconteceu neste ano foi um impeachment ou um golpe. Felizmente o tempo fará com que este fato político fique no nosso tempo, e o filme será lembrado somente por seu ótimo conteúdo.

Nota: 9

27 de setembro de 2016

Fogo Contra Fogo

Pacino x De Niro (e não é só isso)

Heat, Dir: Michael Mann, EUA, 1995, 2h50min
IMDB                 Trailer                 Roteiro


Ver as lendas Al Pacino e Robert De Niro dividindo a tela ainda hoje é o chamariz para o público ver Fogo Contra Fogo, lançado em 1995. Felizmente, o filme é bem mais do que um simples veículo para proporcionar este encontro aguardado pelos fãs.

O filme é um remake de outro filme televisivo do mesmo roteirista, diretor e produtor Michael Mann Os Tiras de Los Angeles, feito nove anos antes, baseado em uma história real, ocorrida nos anos 60, envolvendo um ladrão experiente e um policial durão.

Na trama o assaltante Neil McCauley (De Niro), após um mau sucedido roubo a carro forte que acidentalmente resulta na morte de seus três guardas, passa a ser procurado pelo policial de homicídios Vincent Hanna (Pacino). A obsessão destes dois homens para vencer um ao outro conduzirá a estória.

Apesar de ser um filme feito para unir os dois grandes atores, eles dividem a tela em somente dois momentos. O mais marcante é um diálogo em uma lanchonete na metade do filme. No esboço deste texto criticava-se a falta de realismo em ver um policial e um ladrão trocando confidências e percebendo-se semelhantes, como ocorre no filme. Mas as pesquisas para esta publicação mostraram que tal improvável cena ocorreu de fato no caso em que se baseia o filme (link para o vídeo em que o policial em que se baseia o caso conta parte desta história).

Ainda que a cena do café fosse mera licença poética, seria uma belíssima cena e um momento memorável do cinema. Dois homens em lados opostos que se percebem como faces da mesma moeda. Um agente da lei versus um fora da lei. Dois homens tão dedicados à suas ocupações que deixaram suas vidas pessoais a reboque. Um já tinha dois divórcios nas costas e caminhava para o terceiro. O outro nunca havia tido um relacionamento sério e estava tentando pela primeira vez amar uma mulher. 

O filme tem um ritmo um pouco lento e com muitas reflexões sobre as escolhas que fazemos em nossas vidas. Para alguns pode ser enfadonho. Foi o que eu achei vendo o filme pouco depois do lançamento, aos 15 anos de idade, quando não achei o filme muito interessante. Talvez não por ter achado o filme chato, mas em razão dos temas debatidos, como a questão carreira versus família, que não fazia muito sentido para um garoto que ainda estava começando a querer curtir o sábado à noite. Vinte anos depois, para um homem com carreira e família, este filme muda completamente de perspectiva.

O filme alterna muito bem suas sequências de ação com seus momentos em que foca nos personagens, com suas reflexões silenciosas. Vale elogiar as boas sequencias de ação em um filme que não é de ação. A ação aqui não ocupa o espaço principal, mas é uma ferramenta a serviço do roteiro. O problema no cinema sempre se dá quando algum elemento quer ser maior que o roteiro, o que já foi diversas vezes criticado neste espaço, que é o que ocorre com os efeitos visuais no cinema hollywoodiano atual.

A cena de ação mais famosa é um tiroteio no centro de Los Angeles, elogiadíssima no meio cinematográfico. No entanto, chama a atenção o fato da polícia ter iniciado um tiroteio em uma área cheia de pessoas, expondo a vida de dezenas de civis inocentes. No mundo real, se a polícia não fosse inconsequente, teria preferido deixar os criminosos fugirem com milhões de dólares do que correr o risco de ver alguns inocentes mortos ao final da ação.

Pacino e De Niro não estavam no auge de suas carreiras, basta lembrar de O Poderoso Chefão II  ou de outros filmes de atuações memoráveis de ambos como Serpico ou Touro Indomável, mas fazem um bom trabalho. O elenco é completado por muita gente renomada com boas atuações. Estão no filme Jon Voight (mais conhecido atualmente como pai da Angelina Jolie), Val Kilmer, Tom Sizemore, Ashley Judd, Danny Trejo e Natalie Portman.

Fogo Contra Fogo, muito além de unir dois medalhões em cena, é um bom filme, que leva a reflexões sobre escolhas na vida, em meio a um cenário violento e tumultuado.

Nota: 7

30 de agosto de 2016

Los Angeles: Cidade Proibida

O lado escuro do paraíso

L.A. Confidential, Dir: Curtis Hanson, EUA, 1997, 2h18min
IMDB                 Trailer


Nas décadas de 1940 e 1950 filmes em preto e branco com fortes contrastes, personagens dúbios, casos policiais e femme fatales marcaram época. Os franceses nomearam o gênero como filme noir (escuro). De tempos em tempos Hollywood recicla a forma, como em Los Angeles: Cidade Proibida, filme de 1997 e indicado a diversos prêmios no Oscar 1998 (e perdeu quase todas para o limpa-prêmios Titanic).

A trama se passa no período em que Los Angeles era a cidade em que todos nos EUA sonhavam em ir. O paraíso. Mas um paraíso com muita sujeira para além do glamour. A ação do filme ocorre após à prisão do chefe do crime de Los Angeles, o personagem real Mickey Cohen, quando um vácuo se abre no submundo e se inicia uma guerra para assumir a liderança criminosa. Neste cenário é que convergirão os caminhos de três policiais com perfis completamente distintos: o certinho Ed, o bruto Bud e o malandro Jack.

A trama tem muitos detalhes e exige a atenção (e a inteligência) do espectador. Os diálogos são cheios de gírias e palavrões, o que o diferencia dos filmes noir do período de ouro do gênero, numa busca por naturalidade na trama do submundo. 

Os personagens são um tanto quanto estereotipados, mas crescem com a qualidade de seus intérpretes. Russell Crowe e Guy Pearce eram ainda desconhecidos quando fizeram o filme, mas carimbaram seus passaportes para o estrelato nesta produção. Kevin Spacey já havia sido premiado com um Oscar e mostrou seu talento habitual.

Também está no elenco como a mulher fatal Kim Basinger, ícone sexual dos anos 1980 e 1990, que surpreendentemente venceu o Oscar de atriz coadjuvante com sua performance. Talvez pelo fato dos membros da Academia não acreditarem que ela era atriz de verdade, após diversas indicações de pior atriz no famigerado Framboesa de Ouro. Ela não compromete o filme, mas tampouco o engrandece. E todas as suas concorrentes entregaram melhores atuações, com destaque para Julianne Moore em Boogie Nights (isso era só o prenúncio do que viria a ocorrer na catastrófica premiação do Oscar do ano seguinte, 1999) Além disso, quando dessa produção Basinger já mostrava sinais claros de cirurgias plásticas e aos 43 anos era um pouco velha para o papel de uma prostituta dos anos 50, época em que certamente os homens consideravam velhas mulheres de mais de 30.

Apesar de se inscrever no gênero noir (de escuro), a fotografia do filme é bastante luminosa, com muitos cenários diurnos. A direção de arte é caprichada e consegue levar o público aos anos dourados de L.A. E a direção é competente, cadenciando bem os momentos de investigação com cenas de ação bem fortes.

Los Angeles: Cidade Proibida é um bom filme, mas talvez um pouco arrastado e complexo para alguns públicos. Mas se destaca em importantes elementos cinematográficos como roteiro e atuações. E Hollywood merece o crédito por produzir um filme adulto e um tanto quanto sujo, que faz lembrar o grande cinema americano dos anos 1970. 

Nota: 8

19 de julho de 2016

The Lost Honour of Christopher Jefferies

O Professor Aloprado Injustiçado

Idem, Dir: Roger Michell, Reino Unido, 2014, 1h54min
IMDB     


ALERTA DE SPOILERS. Um pouco da trama geral é revelado, mas sem detalhes.

Uma ocorrência de desaparecimento de uma moça revela-se ser na verdade um caso de homicídio. O principal suspeito, seu senhorio, o excêntrico professor universitário aposentado, o personagem-título de The Lost Honour of Christopher Jefferies (sem título em português).  

O filme baseia-se em uma história real que abalou o Reino Unido nos últimos dias de 2010 e se tornou uma das maiores investigações policias da história do país (Link do caso na Wikipedia).

Christopher Jefferies foi preso sem nenhuma prova contra si, apenas coincidências circunstanciais e teve de passar 3 dias encarcerado. Quando saiu do cárcere, percebeu a forte cobertura midiática, que devassou sua vida. A mídia britânica não teve pudor algum em condená-lo, não pelo ato que supostamente cometera, mas por sua figura. Basicamente, atribuiram que alguém de aparência e comportamento estranho "naturalmente" seria um homicida.

Apesar de ser apresentado como filme no Netflix, na verdade o produto original foi uma minissérie em 2 capítulos. O roteirista Peter Morgan tem bons filmes em seu currículo, Rush e A Rainha, e faz um bom trabalho aqui de não entregar muito da estória, mas levar os espectadores numa jornada junto ao protagonista.

Jason Watkins apresenta um ótimo trabalho como o protagonista, não deixando de lado sua caracterização excêntrica (muito parecido com o personagem real, como pode ser visto nesta foto), porém mantendo-se firma na tênue linha entre o real e o espalhafatoso. Não seria difícil tornar esse personagem um estereótipo de professor louco desajustado. Mas ele mostra sua humanidade ao ter de de abrir mão de sua privacidade e sua reputação de bom cidadão.

A condenação moral da sociedade aqui faz lembrar o ótimo premiado filme sueco-dinamarquês, A Caça (clique no título para ler o pitaco). Enquanto naquele mostrava-se o impacto na vida de um cidadão em uma pequena comunidade, neste o cidadão é difamado nacionalmente.

O filme mostra como os britânicos ficaram chocados com este caso de abuso governamental e midiático. A pergunta que fica a nós, espectadores brasileiros, é o que os súditos da rainha diriam do sistema processual penal brasileiro, que ignora várias garantias humanas diariamente, e de nossa mídia, com seus programas policias grotescos..

The Lost Honour of Christopher Jefferies é um filme interessante sobre abuso policial e midiático sobre um cidadão comum. Importante em um mundo tão ansioso em prontamente condenar o ato e, especialmente, a vida dos suspeitos.

Nota: 7

12 de julho de 2016

Independence Day: O Ressurgimento

Aliens Atacam Novamente!

Independence Day: Resurgence, Dir: Roland Emmerich, EUA, 2016, 2h00min
IMDB                 Trailer


Independence Day, o original, queiram ou não, foi um marco no cinema. Foi um dos produtos mais bem acabados esteticamente do subgênero do filme catástrofe, em uma época em que os efeitos digitais (CGI) estavam em seu início. Jurassic Park, o divisor de águas do gênero, havia sido lançado só três anos antes. ID4 (seu apelido carinhoso) foi o campeão de bilheteria de 1996 e gerou a infame paródia Marte Ataca! (em que Jack Nicholson causa muitas risadas parodiando o heroico Mr. President do original).

Apesar de campeão de bilheteria, a crítica nunca recebeu bem o filme. Pudera. O roteiro é cheio de clichês patrióticos (em um filme que lida com a aniquilação da humanidade), personagens rasos e situações bomba-relógio. Alguns diálogos são risíveis, como o discurso patriótico do Mr. President, com o famoso "Today, is our INDEPENDENCE DAY!". E as atuações ajudam menos ainda.

Dito isso, não se pode negar que, apesar de todos os defeitos, o filme original é um ótimo produto de entretenimento (clique aqui para ver um vídeo, em inglês, analisando os pontos fortes do roteiro). A tensão é constante e as cenas de destruição global até hoje são marcantes. E feitas sem CGI, à maneira antiga, com maquetes e gasolina. Por esses motivos, sempre digo que Independence Day é meu filme tosco favorito. 

Como não podia deixar de ser na fase atual de pouca criatividade, Hollywood resolveu continuar essa estória 20 anos depois. E não foi muito feliz.

O roteiro do novo filme tem a mesma estrutura do antigo. Os ETs chegam, começa a rolar a destruição global e culmina no grande confronto final. O novo filme erra feio ao não conseguir gerar o mesmo efeito de tensão que era o ponto forte do primeiro. E isso não se deve por conta do público já estar preparado, mas por erros de roteiro. No primeiro, foi sendo criada uma grande tensão que levava o público a imaginar a destruição que se seguiria, com a morte de vários personagens secundários que foram criando empatia com o público. Como sabe qualquer diretor de filme de terror, a tensão que se cria ANTES do ocorrido é bem mais forte do que mostrar a tragédia. E nisso o filme erra bastante. Não há expectativa criada. Londres é completamente destruída sem que o espectador esperasse isso, resultando em uma cena de destruição esvaziada de conteúdo.   

No primeiro filme a chegada dos aliens ocorre logo no início. Em O Ressurgimento, gasta-se muito tempo contextualizando o espectador sobre o que ocorreu nos 20 anos anteriores. Os personagens novos (alguns não tão novos assim, pois eram crianças no filme anterior) não tem muita graça e pouco acrescentam. Por fim, as repetições entre os dois filmes, mais do que gerar um paralelismo interessante, acaba resultando em uma repetição incômoda, com os mesmos enquadramentos, expressões dos atores e cenários. Uma ou outra repetição vai lá, até é positivo para alimentar a nostalgia dos fãs, mas parecer um remake cansa.

Exceção feita a Will Smith, que se tornou astro internacional e ganhou respeito como intérprete após o primeiro filme, os demais atores do primeiro filme e novamente presentes como Bill Pullman e Jeff Goldblum sempre foram canastrões. Os novos não mudam o panorama. Aqui vemos até a inclusão de uma boa atriz, Charlotte Gainsbourg (a Ninfomaníaca), deslocada em um blockbuster. E o veterano Judd Hirch poderia ter sido deixado de lado, pois ele conduz uma trama paralela que nada acrescenta, não servindo nem como o alívio cômico que fora na aventura anterior

E o filme mostra claramente algumas das marcas dos 20 anos entre as duas estórias. Se antes mal se mostrava a gigantesca China, neste o país ganha destaque, com a inclusão de uma heroína chinesa e cenas de destruição no Império do Meio. Também não fica de fora a normalização da homoafetividade, pois dois cientistas presentes no original se revelam um casal gay. Não tem a tão "temida" cena do beijo, mas tem o afeto e a cumplicidade entre dois homens, assim como ocorre com casais hetero.

Independence Day: O Ressurgimento tem os mesmos problemas de seus antecessor. Mas falha em imitar suas virtudes. Recomendado para os fãs da agora série, que, infelizmente, sairão com uma certa decepção do cinema.

Nota: 5

21 de junho de 2016

X-Men: Apocalipse

Título 

X-Men: Apocalypse, Dir: Bryan Singer, EUA, 2016, 2h24min
IMDB                 Trailer


O fim do mundo se aproxima. Toda a humanidade perecerá e só os mutantes continuarão neste planeta. Esta é a premissa do filme que encerra a trilogia de origem dos mutantes do Professor X, X-Men: Apocalipse.

Na trama, o primeiro mutante da História, Apocalipse, acorda após mais de 2000 anos de hibernação e decide levar adiante seu plano de exterminar a raça humana, dando lugar a um mundo de mutantes. Em seu caminho, irá cruzar com o Professor X, cada vez mais dedicado à sua escola e à causa do coexistência entre humanos e mutantes, com o recluso Magneto, que adotou uma nova identidade e vive uma vida familiar simples e com a foragida Mística.

Seguindo a cronologia desta segunda trilogia, que nos episódios anteriores Primeira Classe e Dias de Um Futuro Esquecido se passou, respectivamente, em 1963 e em 1973, desta vez estamos no mundo de 1983. Muito rock, estilo glam, e fliperama se farão presentes na história. Contudo, desta vez faltou a política do mundo real, muito presente nos filmes anteriores com os personagens em meio à Crise dos Mísseis de Cuba e os Acordos de Paz de Paris, que encerraram a Guerra do Vietnã. Desta vez o máximo que se coloca é o controle dos arsenais nucleares mundiais, mas sem aprofundamento.

O filme se destaca entre os filmes de super-heróis que o precederam nos cinemas neste ano, Batman vs Superman e Capitão América: Guerra Civil (clique nos títulos para ler os pitacos) por conta de seu lento desenvolvimento e aprofundamento de seus personagens.

Também pudera, com um elenco de peso inigualável para obras do gênero, reunindo atores aclamados pela crítica, seria um desperdício não investir em seus personagens. O peso dramático maior cabe ao ótimo Michael Fassbender (Magneto), forte candidato a um Oscar nos próximos anos. Jennifer Lawrence (Mística) e James McAvoy (Professor X) também vão bem e tem seus momentos. Até mesmo Oscar Isaac (Apocalipse), em seu papel um tanto engessado, consegue tirar algo.

Uma das melhores qualidades do filme, e que deveria ser padrão, é que o roteiro está acima das cenas de ação ou dos efeitos especiais. Todos os realizadores de cinema deveriam aprender que os efeitos deveriam ter o propósito de ajudar a contar a estória, e não ao contrário, com uma estória feita só pra justificar cenas mirabolantes. Não que falte ação ou efeitos no filme. O final, especialmente, é uma grande catarse. Mas ele foge do exagero que faz com que o espectador se perca em alguns momentos. Aliás, a longa sequência de Mercúrio correndo é espetacular e um primor de produção de efeitos visuais.

O ponto fraco do filme fica por conta de quebrar a cronologia ao longo de toda a saga, pois uns fatos mostrados neste necessariamente teriam de afetar situações dos outros filmes. Conselho: desencane disso e aproveite a diversão, afinal, este é o propósito do filme.

X-Men: Apocalipse, pela qualidade de seu roteiro e de suas atuações, é o melhor filme de super-heróis do ano. Fica abaixo de seus predecessores na saga, mas isso não chega a ser um demérito, tendo em vista a boa qualidade destes.

Nota: 8

7 de junho de 2016

Para Sempre Alice

Memórias ao Vento

Still Alice, Dir: Richard Glatzer/Wash Westmoreland, EUA/França, 2014, 1h41min
IMDB                 Trailer                 Roteiro               Netflix


Muitas pessoas valorizam a experiência pessoal em detrimento do acúmulo de bens. O melhor exemplo são aqueles que preferem viajar a adquirir coisas, pois alegam que nossas lembranças duram mais do que bens. Mas e quando a memória vai embora?

Este é um dos problemas abordados em Para Sempre Alice. No filme a protagonista Alice é uma internacionalmente conhecida professora de linguística da prestigiada Universidade Columbia, com alto padrão de vida e com filhos já adultos. Somos apresentados a ela nas comemorações de seus 50 anos. Pouco depois ela começa a ter pequenos episódios de esquecimentos. E é diagnosticada com Alzheimer precoce.

Um diagnóstico assim é duro para qualquer pessoa, pois esta doença vai acabando com a pessoa que somos, na medida em que esquecemos de quase tudo que importa para nós. No caso de Alice é ainda pior, pois ela construiu tudo em sua vida com seu intelecto superior. E suas tão caras memórias, de viagens, da vida em família, de seu trabalho e de tudo que viveu, em pouco tempo irão abandoná-la.

Para servir ao propósito do filme de mostrar a evolução da doença, o Alzheimer de Alice avança rapidamente, acima do padrão normal. O filme passa pelas fases do luto, ainda que Alice não tenha morrido: há a negação inicial e a aceitação final. Toda sua família se vê envolvida no problema. 

O roteiro de Richard Glatzer e Wash Westmoreland (que também assinam a direção) apesar de forçar um pouco a mão no drama em alguns momentos, respeita a inteligência do espectador, pulando algumas etapas como os exames das protagonista e já indo direto para o resultado. Essa talvez seja a principal lição que os roteiristas brasileiros devam aprender, que nem tudo precisa ser explicado tintim por tintim. A direção se sustenta no talento do elenco, sobretudo da protagonista.

Julianne Moore foi finalmente contemplada com o Oscar com esse filme, em sua 5ª indicação. Foi merecido, tanto pela atuação quanto pelo conjunto da obra (que não deveria ser analisado, mas sabemos que a Academia faz muito disso). No elenco, formando sua família, estão Alec Baldwin, Kate Bosworth, Kristen Stewart, que aqui consegue ser mais expressiva que na tenebrosa (não no sentido de assustadora, mas de ruim) saga Crepúsculo.

Cinematograficamente Para Sempre Alice não é nada fenomenal, se enquadrando no rótulo de drama pessoal e familiar. Mas é um bom filme e uma lição para aprender um pouco mais sobre essa doença que muito provavelmente, infelizmente, ainda afetará alguém próximo.

Nota: 7

24 de maio de 2016

Ele está de Volta

Heil, Hitler!

Er ist wieder da, Dir: David Wnendt, Alemanha, 2015, 1h56min
IMDB      Netflix


E se por alguma força inexplicável do destino Adolf Hitler, o homem que iniciou a guerra mais mortífera da História e massacrou milhões de não combatentes, voltasse, como se não tivesse morrido em 1945? Como ele seria recebido pelo mundo atual? Esta é a pergunta básica de Ele Está de Volta, baseado no best seller homônimo de Timur Vermes.

No filme, o Führer acorda no mesmo local onde seu corpo teria sido queimado por seus soldados após seu suicídio. Quando ele surge, as pessoas começam a achar que ele é apenas um humorista fazendo graça, o que faz com que, com a ajuda de um cinegrafista tentando se encontrar, ele se torne um sucesso na internet e na televisão.

O que inicialmente parecia uma piada, logo se revela mais que isso. Hitler vai fazendo sua pregação contra a decadência do mundo ocidental, e aos poucos as pessoas vão se dando conta de que ele ão diz só besteiras.

Hitler nunca disse só besteiras. Se fosse médico, ele seria conhecido por fazer bons diagnósticos, porém propor o tratamento usando a eutanásia. Seu maior problema era apelar para a emoção, e não para a razão das pessoas, passando por cima das ideias de tolerância e coexistência, e apelando pelo chamado ao coletivo tribal, a lógica do nós contra eles.

No mundo atual, com um Alemanha recebendo levas de imigrantes de cultura diferente, especialmente islâmicos, não é difícil apelar para a xenofobia que existe dentro de cada um de nós. Muitos só estão esperando ela ser despertada.

Apesar de ter um ótimo tema, o filme falha como cinema.  Seu formato em alguns momentos é o do falso documentário (mockumentary), mostrando a suposta reação de pessoas reais a um Hitler andando pelas ruas. Mas o pior defeito é a narrativa fictícia, com personagens e um trama sem muita graça, exceção feita ao Hitler. Aliás, nem o Hitler é perfeito, pois seu intérprete Oliver Masucci, ao contrário do chanceler alemão que tinha 1,73m, é muito alto, quebrando a possível ilusão de ver Hitler ressurgido.

Ele Está de Volta passa a mensagem que deseja, de que o mundo atual está a espera de um novo líder carismático que diga o que tem que ser feito, apelando as emoções que não passam pela razão. Mas sua trama e seus personagens, essenciais à uma narrativa cinematográfica, não despertam muita graça.

Nota: 5

3 de maio de 2016

Capitão América: Guerra Civil

Confronto Aguardado

Captain America: Civil War
Dir: Anthony Russo/Joe Russo, EUA, 2016, 2h27min
IMDB                 Trailer     


[SEM SPOILERS - O pouco que é revelado aqui já era de conhecimento geral]

Capitão América: Guerra Civil chegou aos cinemas precedido por uma expectativa de ser o melhor filme de super-heróis de todos os tempos. Será mesmo? A resposta você lê na sequência. 

Apesar do título, este filme na cronologia do universo cinematográfico da Marvel é continuação direta de Vingadores: Era de Ultron (clique no título para ler o pitaco). Obviamente ele também continua a estória de Capitão América: O Soldado Invernal, e quem não os viu pouco entenderá da trama. 

No enredo, após diversos danos colaterais com muitas vítimas envolvendo a atuação dos Vingadores, os países da ONU decidem fazer um acordo para controlar as ações do grupo. Curiosamente, o sempre individualista Homem de Ferro decide aceitar o controle, enquanto o antes disciplinado Capitão América se opõe ao projeto temendo que isso representará o fim do grupo.

Um ponto bem abordado no filme é o fato de que a rivalidade entre os grupos de heróis não faz com que eles deixem de ser amigos. Ainda que tenham de resolver seus problemas no braço, eles não passam a se odiar mortalmente. Isso poderia servir de exemplo para nossos tempos em que qualquer discussão se torna objeto de polarização (especialmente quando é política), em que parece que os que estão em um pólo tem que nutrir ódio dos que estão no outro, e ninguém chega a lugar nenhum.

Novos personagens foram introduzidos neste filme: O Pantera Negra e o Homem-Aranha. O primeiro foi bem inserido, estando plenamente envolvido na trama, ainda que pouco se conte sobre sua origem, que ficará para seu filme solo que chega aos cinemas daqui um ano. Já em relação ao carismático Amigo da Vizinhança fica evidente que sua inserção foi de última hora após o acordo com a Sony (detentora de seus direitos cinematográficos) já com o roteiro escrito e as filmagens em andamento (leia a notícia sobre isso aqui), pois sua apresentação é bem mal feita e quebra a narrativa. Sua participação tampouco é muito relevante. A única coisa interessante, além de seus poderes usados em combate, é o fato de desta vez o personagem não ser um adolescente se tornando um adulto, mas um garoto de uns 15 anos, completamente deslumbrado em estar envolvido com todos aqueles personagens, o que rende algumas boas piadas.

Com tantos personagens relevantes, o elenco precisa ser composto por bons atores. Robert Downey Jr. personifica tanto o Homem de Ferro que já se decidiu que depois que ele deixar o papel terão de esperar alguns anos antes que outro ator assuma o personagem. Chris Evans é canastrão, mas parece ter incorporado bem o Capitão América, especialmente com esta mudança profunda em sua personalidade. Assim como em Vingadores: Era de Ultron, todos os personagens recebem um pouco de atenção e tem seu momento. Destaque para o ótimo ator hispano-alemão Daniel Brühl, que vem buscando seu espaço em Hollywood, e dá maior peso dramático ao filme.

Com relação à parte técnica, a ação utiliza-se de muitos takes rápidos, recurso que sempre torna a ação um pouca confusa para o espectador. Os Irmãos Russo, diretores do filme, foram muito mais competentes em seu filme anterior: Capitão América: O Soldado Invernal. Também a indústria hollywoodiana poderia se readequar como um todo e parar com este novo padrão de 2h30 para qualquer filme. Em duas horas esta estória estaria muito bem contada. Há muito o que poderia ter sido cortado sem prejuízo para a narrativa.

Também, principalmente em razão da proximidade do lançamento deste filme com Batman vs Superman (clique no título para ler o pitaco), é inevitável comparar as experiências cinematográficas da Marvel com a da DC Comics. Apesar de a primeira já estar em seu 13º filme enquanto a outra está iniciando agora sua aventura cinematográfica, algumas lições poderiam ser aprendidas por esta, como criar um roteiro que apesar de ter muitos acontecimentos não é confuso, bem como criar empatia com os personagens. Um pouco de leveza também não faria mal para a DC, que fez de Batman vs Superman um filme de entretenimento excessivamente pesado (e fraco). Para ler mais sobre essa comparação, sugiro esta análise do crítico do UOL, Roberto Sadovski.

Impressionante notar como a Marvel se reposicionou no imaginário popular. Nos anos 80 e 90 o Homem de Ferro e o Capitão América eram quase que ignorados pelas crianças (pelo menos no Brasil), sendo que o Hulk e o Homem-Aranha eram os únicos super-heróis relevantes da Marvel. Hoje eles conseguiram a proeza de ter seus outros personagens competindo em igualdade (se já não superaram) os mitológicos Batman e Superman, graças ao sucesso de seus personagens no cinema e nos videogames. 

E agora, respondendo à pergunta lá do início, este não é o melhor filme de super-heróis de todos os tempos, como alguns estão dizendo. Cito facilmente diversos melhores, como Homem-Aranha 2, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Capitão América: O Soldado Invernal. O ponto principal é ter alguns problemas de roteiro já apontados, como a má-inclusão do Homem-Aranha no time, sua duração excessiva e não ter uma estória tão cativante quanto a destes citados. 

A Marvel encontrou uma fórmula de sucesso, unindo bom desenvolvimento de personagens, amizade entre os heróis, humor e boas cenas de luta. Isso fez com que ela se acomodasse um pouco e ficasse pouco criativa, o que é normal considerando que aos olhos dos executivos o objetivo maior é ganhar bilhões de dólares. Ao menos, a despeito da falta de ousadia, o filme não desrespeita a inteligência do espectador, nem conta uma estória confusa ou chata.

Capitão América: Guerra Civil é um bom filme de entretenimento e sabe conduzir sua estória. Poderia ser um pouco mais enxuto em sua duração e ter deixado suas sequência de ação com takes mais longos. Mas cumpre o principal para este tipo de filme, que é divertir. 

Nota: 6