Um Novo Mundo
Arrival, Dir: Denis Villeneuve, EUA, 2016, 1h56minIMDB Trailer
Como nos últimos dois anos a Maratona do Oscar deste blog foi uma corrida insana com pitacos sendo publicados às vezes diariamente, desta vez a análise dos filmes começará mais cedo. Os indicados ao prêmio só serão divulgados no final de janeiro e a cerimônia de premiação é no final de fevereiro (em meio ao nosso Carnaval). Mas alguns filmes já estão se destacando com indicações em premiações que antecedem o prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A Chegada é um deles.
O filme, como entrega o título e a divulgação, tem em seu tema o primeiro encontro da humanidade com seres alienígenas, que apareceram com 12 naves aleatoriamente pela Terra. Mas aqui o foco não será o impacto que isso causará na humanidade, cenas de destruição, combate ou qualquer coisa do gênero. Contrariando tudo isso, o filme foca na jornada pessoal da renomada linguista Louise Banks, escalada para estabelecer a comunicação com os alienígenas que pousaram nos EUA, sempre envolta às lembranças de sua filha que morreu na adolescência.
Acreditem ou não, num filme de extraterrestres os temas principais do roteiro de Eric Heisserer baseado no conto História da Sua Vida de Ted Chiang serão as escolhas que fazemos em nossas vidas, a dor da perda e como podemos nos conectar uns aos outros. Os extraterrestres funcionam somente como um catalisador para essas mudanças.
Pode parecer que os alienígenas não tenham nada a ver com isso. Mas às vezes precisamos de um fato extraordinário para fazermos coisas simples. Exemplo: no último domingo pela primeira vez vimos as quatro torcidas organizadas dos grandes times do Estado de São Paulo fazendo um confraternização conjunta após a tragédia com o time da Chapecoense. A pergunta que fica é: eles não poderiam ter feito isso antes? É óbvio que sim, mas nosso cotidiano raso de paixões mesquinhas nos impede de buscar este contato. Nos definimos mais pelas nossas diferenças do que por nossas semelhanças. Às vezes só este fato novo para quebrar um padrão que repetimos por inércia.
Todo o impacto da chegada dos aliens ao nosso planeta é apresentado indiretamente, da mesma forma que a protagonista acompanha a estória. As consequências para a população mundial, como o caos que se segue ao encontro, sempre são mostradas pela televisão, assim como as decisões políticas das nações. Tal recurso narrativo faz a trama centrar-se ainda mais na jornada interna da protagonista.
O filme a princípio tem um ritmo muito lento, que para alguns espectadores mais acostumados ao ritmo de ação constante dos filmes de estúdios atuais pode soar enfadonho. É bastante lento o desenvolvimento do progresso das comunicações com os alienígenas, como acontece em quase tudo no mundo real. Mas no terceiro ato há uma mudança brusca no filme que nos faz repensar tudo que havia sido mostrado até então. Uma espécie de efeito semelhante ao da revelação final de O Sexto Sentido. E aí as fronteiras se expandem vertiginosamente. Nosso conceito de cronologia linear é completamente posto em questão. Não é mais o passado e o presente que dirão o que será o futuro, mas todos estes tempos andam juntos, tal qual a linguagem não-linear dos ETs. Estas frases podem parecer um completo delírio, mas no contexto do filme farão todo o sentido.
O diretor canadense Denis Villeneuve é um craque, provavelmente o melhor diretor a aparecer no mainstream na última década. Aqui no Pitacos já foram analisados dois de seus filmes, os ótimos O Homem Duplicado e Sicario. Seus filmes são inquietantes, mantendo o espectador confuso junto ao protagonista. Um de seus recursos visuais favoritos é o uso de muitas tomadas a partir da visão dos personagens. Com esse trabalho, consegue caminhar magistralmente na tênue linha que separa os filmes de arte das produções de grande orçamento. A Chegada pode ser considerado tanto um filme de arte pelo foco inusitado da trama, por seu ritmo lento e pelas escolhas técnicas pouco convencionais, como um filme grande de estúdio, por conta de sua grande divulgação e sua boa bilheteria, bem como o fato do diretor procurar tornar a obra acessível ao grande público.
O trio de atores principal vai bem. Jeremy Renner e Forest Whitaker fazem um bom trabalho mas a trama não lhes permite maior destaque. O holofote fica mesmo sob a ótima Amy Adams, excelente em uma atuação muito contida. Sua indicação ao prêmio de melhor atriz é quase certa, ao lado de concorrentes fortíssimas como Isabelle Huppert e Natalie Portman.
Como já dito, o clima de tensão e de incerteza é constante. Para criá-lo, na parte técnica há um bom uso dos elementos cinematográficos. A fotografia minimalista de Bradford Young, característica de outros de seus filmes como Selma e O Ano Mais Violento, é bonita. Há uma alternância inteligente entre planos abertos e fechados e bom uso de contraluzes. Sua paleta é bem cinzenta, subexposta (escura) com cores pouco saturadas, conduzindo o espectador para a zona de penumbra e de melancolia da estória. Os cenários são extremamente econômicos, com quase nada de deslumbre visual que costuma caracterizar obras de ficção científica. Da mesma forma, os efeitos visuais são bem cuidados e criam bem o ambiente mas não se sobressaem. A trilha sonora do islandês Jóhann Jóhannsson também segue nessa linha discreta, como em seus trabalhos anteriores indicados ao Oscar nos últimos dois anos, A Teoria de Tudo e Sicario. O filme deve receber indicações em algumas destas categorias técnicas assim como de melhor filme, roteiro adaptado, direção e atriz principal, o que pode colocá-lo na liderança no número de indicações.
A Chegada é um filme que fica na linha tênue que divide cinema de arte de cinema pipoca. Não é para todos os públicos, pois é um filme que exige um comprometimento do espectador. Mas também não é um filme hermético feito para pseudo-intelectuais e supostos entendidos em arte se fingirem superiores. É um grande obra, certamente o melhor da safra Hollywood 2016 até o momento.
Nota: 9
P.S: Domingo ocorre a primeira grande premiação que antecede o Oscar, o Critic´s Choice Movie Awards, o prêmio dado pelos críticos. Segunda-feira sai um pitaco com algumas breves análises sobre a premiação.