O Universo Numa Casca de Noz
Room, Dir: Lenny Abrahamson, Canadá/Irlanda, 2015, 1h58minIMDB Trailer Roteiro
[ALERTA DE SPOILERS. Sem muitos detalhes sobre a trama, mas com algumas descrições das situações e aspectos comportamentais dos personagens.]
Você não gosta de filmes que fazem chorar? Então passe longe de O Quarto de Jack, já que esse é um dos filmes mais tristes já feitos na história da sétima arte. Foi indicado a 4 prêmios no Oscar 2016: filme, direção, roteiro adaptado e atriz principal. Certamente vai levar este último, o que será comentado abaixo.
O filme conta a estória de Jack e sua mãe, Joy, que vivem em um pequeno quarto. Como o menino nunca saiu de lá, a mãe o ensinou que o Quarto é o mundo e tudo mais que ele vê pela TV é o espaço e os aliens. Nos primeiros minutos não se explica o porquê eles estão lá, apenas é mostrada a rotina de um dia na vida de ambos. Mas em pouco tempo descobrimos que Joy foi sequestrada e que Jack nasceu no cativeiro.
Há uma clara divisão em duas metades iguais. Na primeira, a trama toda ocorre no quarto e na segunda fora de lá. No quarto, vemos a relação particular que Jack estabeleceu com o local e o desafio da mãe em criar um filho em um ambiente tão singular. Especialmente nesta parte, há ecos de filmes como A Vida É Bela e O Menino do Pijama Listrado, em que um cenário adverso é mostrado sob a perspectiva de uma criança.
Na segunda parte é retratada a dificuldade de Jack em viver o mundo real, tendo em vista que em muitos aspectos ele é um bebê, pois teve experiência limitada com os objetos da realidade e a única relação pessoal que havia desenvolvido até então havia sido com sua mãe. Isso funciona como uma metáfora de toda a adaptação das pessoas ao mundo. Os pais verão desafios que enfrentam no dia a dia ao ensinar seus pequenos a lidar com os problemas cotidianos, como subir uma escada, e a ter de desapegar de suas crias (isso vale principalmente para as mães).
Para Joy, assim como para qualquer um que tenha sido sequestrado, a experiência do sequestro é dolorosa e inesquecível. Mas um adulto consegue ao menos tentar evitar pensar no infortúnio. Já para Jack o Quarto não era somente seu cativeiro, mas seu mundo. Ele não vê problemas em contar aos outros o que viveu lá e até mesmo dizer que sente saudades do local. Lá ele aprendeu tudo o que sabe e desenvolveu laços de afeto com aquele ambiente e aquelas circunstâncias, especialmente o fato de ter sua mãe sempre ao seu lado em todos os segundos de sua existência.
O roteiro de Emma Donoghue, baseado no livro de sua autoria, poderia se perder, e criar um drama exagerado. Mas ela escapa dessas armadilhas pois exageros são desnecessários, as circunstâncias dos personagens é dura o suficiente e dispensa truques baratos. A direção de Lenny Abrahamson respeita o texto e não recorre a elementos do melodrama, como câmeras lentas, músicas emocionantes e discursos grandiosos. Nenhum deles deve ser premiado com o Oscar, mas as indicações foram merecidas (e o roteiro até mereceria o prêmio).
Brie Larson interpreta a Mãe com uma inspiração assustadora, sem deixar sua personagem assumir qualquer estereótipo, como a compreensiva, a amorosa, a corajosa, a inabalável etc. A confusão de sentimentos da personagem em sua relação com o filho é demonstrada de maneira magistral. A Mãe é uma personagem real, pessoa que vive alegrias e tristezas, sem idealizações. Com todos os méritos ela está limpando as premiações e a não ser que um meteoro caia na Terra até o dia 28 irá ganhar o Oscar de melhor atriz por uma das maiores interpretações dos últimos anos.
O pequeno Jacob Tremblay encanta no papel de Jack, com sua ternura e inocência. Poucos atores mirins conseguem ser convincentes. Ele é um deles. Merecia a indicação ao Oscar mais do que muita gente (incluindo o favorito Sylvester Stallone). No elenco também estão Joan Allen e William H. Macy, no papel dos pais de Joy.
O Quarto de Jack é um filme muito doloroso e quem for vê-lo tem de estar disposto a vivenciar a dureza retratada. Mas levanta diversos questionamentos e é feito com muita humanidade, ainda que deixe o espectador com lágrimas nos olhos durante toda sua duração.
Nota: 8