Vida Vazia
Dir: Duke Johnson/Charlie Kaufman, EUA, 2015, 1h30minIMDB Trailer
Indicado ao Oscar de Melhor Animação Anomalisa, ao contrário do que muitos imaginam quando pensam em animações, não é uma obra para crianças. Nada remete à infância, nem a forma nem o tema.
Na trama, um homem em viagem de trabalho, Michael Stone, passa pelos pequenas irritações que todos enfrentamos no dia a dia do mundo urbano contemporâneo: a conversa com o taxista chato que fica tentando convencer o passageiro a fazer passeios que não quer, o mensageiro falsamente simpático que apresenta um quarto comum de hotel como se este fosse especial, a falta de assunto com a esposa, a lembrança de uma amor do passado que acabou etc. O filme é construído sobretudo a partir dessas pequenas coisas que mostram o vazio existencial da vida em meio à interminável repetição do cotidiano.
A primeira parte do filme se passa de forma mais lenta para criar esse vazio. Na segunda parte entra em cena Lisa, uma mulher absolutamente comum, que nas palavras da própria não é bonita e nem inteligente, mas que mexe profundamente com Michael e faz renascer nele a esperança da vida. Aliás, aqui há uma linda e melancólica interpretação à capela do hit Girls Just Want to Have Fun de Cyndi Lauper que dá uma nova dimensão à letra.
Um dos pontos mais interessantes do filme e o que justifica a escolha da forma da animação em detrimento do uso de pessoas é o fato de todos os personagens, exceção feita à Michael e Lisa, terem a mesma cara e a mesma voz, sejam homens ou mulheres, adultos ou crianças. Uma bela metáfora da mesmice.
Esse roteiro cheio de questões existenciais é bem escrito e dirigido. Há muitos momentos de silêncio e de "atuação" do personagem, com suas reflexões e seu desgosto com o mundo, à espera de algo que o salve dessa rotina vazia e enfadonha. Há situações inusitadas, como o mencionado fato de todos os demais personagens serem iguais, além de outros momentos de encontros insólitos. Mas nada surpreendente em se tratando do roteirista Charlie Kauffman, conhecido por filmes que lidam com o surreal e o absurdo, como Quero Ser John Malkovich e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (premiado com o Oscar de melhor roteiro original). Foi esnobado ao não receber a indicação de melhor roteiro original nesta edição do prêmio da Academia.
A parte técnica foi feita com um trabalho exaustivo de animação stop-motion, na qual os animadores tem que mudar os bonecos quadro a quadro, o que resulta em mais de 100 mil fotografias diferentes feitas para produzir a animação (veja um pequeno trecho do making of). A fotografia é bem pensada e as tomadas são feitas como se estivessem lidando com atores reais. Os bonecos são bem desenhados e realistas que conseguem passar mais emoção que vários atores reais campeões de bilheterias.
O filme é digno do prêmio a que concorre, mas não deve vencer a força do lobby e da tradição da Disney/Pixar com Divertida Mente, que é um filme com boas ideias, mas com o mesmo roteiro de sempre com personagens em uma jornada de aventuras. Aqui, ao contrário, sobra originalidade, o que rejuvenesce as animações que atualmente só são premiadas quando apresentadas em desenhos 3D e que não devem servir somente como um "Oscar para crianças". Mas como não só de Oscar vive o mundo das premiações, o filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no badalado Festival de Veneza e concorre no respeitado Independent Spirit Award não como animação, mas como melhor filme, e também por roteiro, direção e atriz coadjuvante (Jennifer Jason Leigh, indicada ao Oscar 2016 na mesma categoria por Os Oito Odiados).
Anomalisa é um ótimo filme, com um roteiro triste, mas belo e tocante, que nos faz refletir sobre o vazio da vida pós-moderna.
Nota: 8