Mudança Não Só de Hábito
The Danish Girl, Dir: Tom Hooper, Reino Unido/EUA/Bélgica, 2015, 1h59min
IMDB Trailer
Quem somos nós em nosso íntimo? Por meio da trajetória de descoberta de uma transexual A Garota Dinamarquesa busca responder a essa questão. Recebeu 4 indicações no Oscar 2016: ator principal, atriz coadjuvante, figurino e design de produção.
O filme se baseia na história real de
Lili Elbe, uma das primeiras transsexuais conhecidas do mundo. No início da trama a personagem ainda se apresenta como homem, o renomado pintor dinamarquês Einar Wegener. Sua esposa, a também pintora Gerda, um dia precisa finalizar um retrato e solicita que seu marido pose vestido de mulher. A partir daí inicia-se a lenta e delicada identificação de Einar com seu lado feminino.
Como não poderia deixar de ser, o filme ataca as convenções sociais sobre gênero. Einar nunca é mostrado como um degenerado, mas como uma pessoa que quer conhecer a si mesmo e que passa a se sentir profundamente incomodado com o gênero com que nasceu.
O filme está sendo pouco exibido no Brasil e provavelmente por bons motivos. Em um país em que
discussões acaloradas tiveram origem pela má interpretação de um texto dos anos 1960 de Simone de Beauvoir incluído em exame do ENEM - que afirmava,
em sentido figurado, que ninguém nasce mulher - aceitar a discussão sobre a transgenia é visto pelos conservadores reacionários, como
alguns vereadores de Campinas, como ato de depravados, ateus, comunistas e etc.
Há relatos de sessões de cinema em que diversas pessoas começaram a gargalhar enquanto Einar ia aos poucos descobrindo sua feminilidade. As pessoas tem todo o direito de ir ao cinema pra rir, mas certamente na sala ao lado tinha uma comédia pastelão passando feita pra gargalhar mesmo acompanhada de muita pipoca e refrigerante. Agora, se entrou em uma sala com um filme cujo propósito não é humorístico, não custa respeitar os que lá estão para apreciar a obra. Talvez os que gargalharam não sabem, mas esse ódio extravasado em forma de risos apenas serve como defesa contra sua própria psiquê do sexo oposto - que não é gay, como gostam de dizer os heteronormativos. Triste notar tamanha imaturidade na população e prova de que a luta pela igualdade LGBTT ainda se faz muito necessária.
O roteiro do filme, apesar de lidar bem com o conflito do gênero, é um pouco linear demais. Sabe-se desde o início como a estória começa, os desafios que os personagens enfrentarão e como terminará (e o trailer, como tem sido comum atualmente, já entrega tudo). E há algumas explicações simplistas, como o mencionado fato de se vestir de mulher que funciona com gatilho para o processo de descoberta do protagonista.
Mas as limitações do roteiro não são obstáculo para o casal de protagonistas.
Eddie Redmayne interpreta quase que dois personagens, pois as personalidades de seu eu masculino e de seu eu feminino são muito diversas. Ele consegue um desempenho comparável - se não melhor - à atuação que lhe rendeu o Oscar de 2015 na pele de
Stephen Hawking por
A Teoria de Tudo. Só não ganha porque este ano o prêmio já está certo na mão de
Leonardo DiCaprio em
O Regresso.
Alicia Vikander encantou no surpreendente
Ex Machina e aqui novamente se mostra como a maior revelação de 2015. Sua personagem consegue mostrar sua confusão em relação a um marido que repentinamente deixa de ser seu amante mas segue sendo seu melhor amigo (ou amiga). Fato que não é novo no Oscar mas que ainda assim causa estranhamento é sua indicação como coadjuvante, pois ela é em verdade coprotagonista. Ainda assim, é merecedora do prêmio.
O diretor
Tom Hooper depende mais dos bons atores com quem trabalha do que de seu desempenho. Ele não atrapalha a estória mas também não ousa. Um diretor bastante mediano, mas já premiado em 2011 pelo também mediano
O Discurso do Rei, em um ano em que todos os
concorrentes tinham apresentado trabalhos melhores. O figurino do início do século XX é caprichado, mas a indicação a design de produção soa excessiva, pois os cenários são bem feitos mas não exuberantes como se espera de um indicado.
A Garota Dinamarquesa é um bom filme, especialmente pelas atuações da dupla principal. Não é recomendado para preconceituosos que não querem que suas profundas convicções infundadas sejam abaladas.
Nota: 7