25 de fevereiro de 2016

A Garota Dinamarquesa

Mudança Não Só de Hábito

The Danish Girl, Dir: Tom Hooper, Reino Unido/EUA/Bélgica, 2015, 1h59min
IMDB                 Trailer           


Quem somos nós em nosso íntimo? Por meio da trajetória de descoberta de uma transexual A Garota Dinamarquesa busca responder a essa questão. Recebeu 4 indicações no Oscar 2016: ator principal, atriz coadjuvante, figurino e design de produção.

O filme se baseia na história real de Lili Elbe, uma das primeiras transsexuais conhecidas do mundo. No início da trama a personagem ainda se apresenta como homem, o renomado pintor dinamarquês Einar Wegener. Sua esposa, a também pintora Gerda, um dia precisa finalizar um retrato e solicita que seu marido pose vestido de mulher. A partir daí inicia-se a lenta e delicada identificação de Einar com seu lado feminino.

Como não poderia deixar de ser, o filme ataca as convenções sociais sobre gênero. Einar nunca é mostrado como um degenerado, mas como uma pessoa que quer conhecer a si mesmo e que passa a se sentir profundamente incomodado com o gênero com que nasceu. 

O filme está sendo pouco exibido no Brasil e provavelmente por bons motivos. Em um país em que discussões acaloradas tiveram origem pela má interpretação de um texto dos anos 1960 de Simone de Beauvoir incluído em exame do ENEM - que afirmava, em sentido figurado, que ninguém nasce mulher - aceitar a discussão sobre a transgenia é visto pelos conservadores reacionários, como alguns vereadores de Campinas, como ato de depravados, ateus, comunistas e etc. 

Há relatos de sessões de cinema em que diversas pessoas começaram a gargalhar enquanto Einar ia aos poucos descobrindo sua feminilidade. As pessoas tem todo o direito de ir ao cinema pra rir, mas certamente na sala ao lado tinha uma comédia pastelão passando feita pra gargalhar mesmo acompanhada de muita pipoca e refrigerante. Agora, se entrou em uma sala com um filme cujo propósito não é humorístico, não custa respeitar os que lá estão para apreciar a obra. Talvez os que gargalharam não sabem, mas esse ódio extravasado em forma de risos apenas serve como defesa contra sua própria psiquê do sexo oposto - que não é gay, como gostam de dizer os heteronormativos. Triste notar tamanha imaturidade na população e prova de que a luta pela igualdade LGBTT ainda se faz muito necessária.

O roteiro do filme, apesar de lidar bem com o conflito do gênero, é um pouco linear demais. Sabe-se desde o início como a estória começa, os desafios que os personagens enfrentarão e como terminará (e o trailer, como tem sido comum atualmente, já entrega tudo). E há algumas explicações simplistas, como o mencionado fato de se vestir de mulher que funciona com gatilho para o processo de descoberta do protagonista.

Mas as limitações do roteiro não são obstáculo para o casal de protagonistas. Eddie Redmayne interpreta quase que dois personagens, pois as personalidades de seu eu masculino e de seu eu feminino são muito diversas. Ele consegue um desempenho comparável - se não melhor - à atuação que lhe rendeu o Oscar de 2015 na pele de Stephen Hawking por A Teoria de Tudo. Só não ganha porque este ano o prêmio já está certo na mão de Leonardo DiCaprio em O Regresso

Alicia Vikander encantou no surpreendente Ex Machina e aqui novamente se mostra como a maior revelação de 2015. Sua personagem consegue mostrar sua confusão em relação a um marido que repentinamente deixa de ser seu amante mas segue sendo seu melhor amigo (ou amiga). Fato que não é novo no Oscar mas que ainda assim causa estranhamento é sua indicação como coadjuvante, pois ela é em verdade coprotagonista. Ainda assim, é merecedora do prêmio.

O diretor Tom Hooper depende mais dos bons atores com quem trabalha do que de seu desempenho. Ele não atrapalha a estória mas também não ousa. Um diretor bastante mediano, mas já premiado em 2011 pelo também mediano O Discurso do Rei, em um ano em que todos os concorrentes tinham apresentado trabalhos melhores. O figurino do início do século XX é caprichado, mas a indicação a design de produção soa excessiva, pois os cenários são bem feitos mas não exuberantes como se espera de um indicado.

A Garota Dinamarquesa é um bom filme, especialmente pelas atuações da dupla principal. Não é recomendado para preconceituosos que não querem que suas profundas convicções infundadas sejam abaladas.

Nota: 7

23 de fevereiro de 2016

Brooklin

Bonitinho, mas Ordinário

Brooklyn, Dir: John Crowley, Reino Unido/Irlanda/Canadá, 2015, 1h51min
IMDB                 Trailer


Um filme bonitinho, mas ordinário. Todo certinho e com boas atuações, esse é Brooklin (em mais um dos mistérios dos títulos em "brasileiro", o distribuidor trocou o "y" do título original pelo "i", vai entender). Indicado em 3 categorias no Oscar 2016 (filme, atriz principal e roteiro adaptado), o filme é o representante da já conhecida "cota britânica" na premiação. Sua indicação a melhor filme é exagerada, mas as demais nomeações são merecidas.

A estória mostra Eilis, uma moça sem perspectivas de futuro na Irlanda que consegue se mudar para Nova York, mais especificamente, é claro, pro Brooklyn. Lá ela irá enfrentar os desafios de se adaptar a um novo local e, acima de tudo, a saudade que sente de sua mãe e de sua irmã que deixou em seu país. O início é duro, mas com o tempo ela se adapta ao emprego, tem a chance de cursar uma faculdade e, principalmente, arruma um namorado, que muda completamente sua relação com o local. Na metade do filme ela tem de voltar a seu país e em sua volta as perspectivas de futuro que antes não existiam, como um bom emprego e um bom pretendente, surgem também na Irlanda. E aí ela terá de decidir o que quer para o futuro. Fica claro que a moça dividida entre dois amores (e dois países) será o tema mais forte aqui.

O filme trabalha um bom tema, a imigração, um dos maiores atos de coragem e desapego que uma pessoa pode ter. Um lugar muito marcante sobre isso é Ilha Ellis, em NY, antigo ponto de desembarque de imigrantes e atualmente um museu sobre imigração dos EUA, presente no clássico O Poderoso Chefão: Parte 2, que mostra o pequeno Vito chegando à América. O filme traz ainda um subtema pouco explorado que é a cansativa e dura viagem de navio, em que as pessoas mal podiam se alimentar para não passarem mal. Mas esses temas são secundários. O mote aqui é o romance.

O roteiro do escritor Nick Hornby (autor do livro Alta Fidelidade) às vezes carrega um pouco no melodrama, mas são em momentos pontuais, e em geral o filme é sóbrio. Seu principal mérito foi de ter criado uma personagem sólida, que foge do estereótipo da mocinha romântica típica. A direção de John Crowley é elegante e suave, pegando as minúcias da dor da personagem central, sem necessitar de muitos exageros dramáticos. Um ponto interessante é a fotografia e o design de produção que acompanham o estado emocional de Eilis, e quando ela está apaixonada todo o cenário fica tomado por cores alegres em tons suaves.

Saoirse Ronan (lê-se Sãrcha, a pronúncia é difícil até pros anglófilos) faz um ótimo trabalho na pele da protagonista, uma moça firme, corajosa, mas sentimental. Já foi previamente indicada ao Oscar ainda adolescente pelo bom Desejo e Reparação e a indicação ao prêmio agora adulta confirma que sua carreira está progredindo, ao contrário de diversos atores mirins que deram errado - não é Macaulay Culkin é Haley Joel Osment? No elenco também está o onipresente Domhnall Gleeson, presente em outros três filmes indicados ao Oscar 2016 (O Regresso, Star Wars: O Despertar da Força e Ex Machina).

Brooklin é um bom filme que certamente encantará as moças e não será tão chato de ver para os rapazes que as acompanham como a maioria das comédias românticas. Mas só está na lista dos indicados a melhor filme pra agradar os britânicos. Se era pra preencher a "cota britânica", melhor seria incluir na lista o ótimo Ex Machina.

Nota: 7

22 de fevereiro de 2016

Oscar 2016: Indicados do Pitacos

Venham a Mim os Esnobados



Todo ano ao sair a lista dos indicados do Oscar os analistas começam a apontar os esnobados da premiação. Fiz a mesma coisa no pitacos com os Indicados ao Oscar. Mas como tinha visto poucos dos filmes, ainda não poderia avaliar completamente os títulos na competição. Após ver quase todos os indicados, posso fazer os INDICADOS DO PITACOS CINEMATOGRÁFICOS.

Não foram feitas alterações nas categorias de curtas, animações ou nas técnicas. As principais estão aqui representadas, algumas com muitas alterações.

Em breve sai a lista das Apostas do Oscar 2016 com os favoritos do Pitacos em cada categoria.

Indicados do Pitacos


Melhor Filme

Ponte dos Espiões só está na lista por ter a grife Spielberg, Perdido em Marte é somente um filme-pipoca acima da média e Brooklin é bonitinho, mas ordinário. Os incluídos são muito superiores a esses.

Melhor Diretor

Melhor Atriz


Não vi ainda as atuações de Rampling e J. Lawrence, mas li muitas pessoas dizerem que a última só está na lista por ser a nova queridinha da Academia. Se se confirmar, em seu lugar incluiria Emily Blunt (Sicario). Menções honrosas para a fantástica estreante Daisy Ridley (Star Wars: O Despertar da Força) e para Charlize Theron (Mad Max - Estrada da Fúria).

Melhor Ator

Matt Damon trabalhou bem, mas outros atores como Jackson foram ainda melhores. Menção honrosa para o menino Abraham Attah (Beasts of No Nation).

Melhor Atriz Coadjuvante

Vikander é a revelação do ano. Preferi o trabalho dela como a androide em Ex Machina, mas sua atuação em A Garota Dinamarquesa é também merecedora de indicação (na verdade ela merecia indicações pelos dois trabalhos, mas as regras atuais impedem dupla indicação na mesma categoria). Rachel McAdams vai bem, mas nem tanto para merecer indicação. Como não vi outras performances melhores, fica sem alterações.

Melhor Ator Coadjuvante

Aqui é onde tem mais mudanças. Tom Hardy não me convence. Fãs de Sly, me perdoem, mas apesar de sua boa atuação em Creed, muitos foram melhores. Bale vai bem, mas precisei de arrumar lugar para os três que considero muito mais merecedores. O prêmio deveria ir para Idris Elba. 

Melhor Roteiro Original

A linguagem das ruas de Straigh Outta Compton não o fazem merecedor da indicação. Ponte dos Espiões peca pelo maniqueísmo, patriotismo e pela necessidade da construção de um herói em um história real. Anomalisa é criativo e profundo. Sicario conta uma estória muito dura e cínica, em permanente estado de tensão e dúvida. Menção honrosa para Quentin Tarantino (Os Oito Odiados).

Melhor Roteiro Adaptado

Perdido em Marte não tem nada demais em seu roteiro, que é até exageradamente didático e com muitas "bombas-relógio". Steve Jobs tem bons diálogos, bons personagens e uma excelente narrativa e surpreendeu ao mundo do cinema por não ter sido indicado.

Melhor Canção Original

Não estou por dentro das canções originais, mas a de Spectre é horrível! E venceu o Globo de Ouro! Merece é o Framboesa de Ouro!

Melhor Longa Estrangeiro

  • Theeb - Jordânia
  • A War - Dinamarca
  • Cinco Graças - França
  • O Filho de Saul - Hungria
  • O Abraço da Serpente - Colômbia
  • Que Horas Ela Volta - Brasil
Não vi nenhum dos concorrentes ainda, mas o excelente Que Horas Ela Volta merecia estar na premiação. Não foi indicado possivelmente por tratar de um tema extremamente peculiar nas relações sociais brasileiras, que por mais que saibamos ser real, parece fictício a olhos estrangeiros. Mas está no top 5 dos melhores filmes de 2015.

19 de fevereiro de 2016

O Menino e o Mundo

O Mundo da Ilusão

Dir: Alê Abreu, Brasil, 2013, 1h20min
IMDB                 Trailer             


- O Brasil tem filme disputando o Oscar 2016? 
- Tem!
- Em qual categoria?
- Longa de animação! Disputando com filme da Pixar! Acredita?
- E o filme é bom?
- Huuuuum, então...

O Menino e o Mundo é o representante brasileiro no Oscar 2016 na categoria longa de animação, disputando o prêmio, dentre outros, com o peso-pesado da Disney/Pixar Divertida Mente e com o ótimo Anomalisa. Sua indicação ao prêmio pegou a todos de surpresa, inclusive seu diretor, que teve que interromper suas férias para fazer a campanha.

O filme narra a jornada de um menino qualquer, que vivia na zona rural de maneira simples mas feliz, e que parte em busca de seu pai que havia deixado o local. Em seu caminho o menino irá conhecer a opressora vida na cidade.

Pois é, de cara o filme já estabelece essa distinção binária, de idealizar a felicidade da vida de subsistência no interior enquanto a cidade atua somente no sentido de oprimir a todos, sobretudo aos mais pobres. Um eco das ideias de Rousseau, que imaginava que a vida antes da existência da sociedade era feliz. O filme inteiro será construído em torno desse maniqueísmo ideologizado. 

Como disse um amigo em sua ótima análise, o filme é como um manual do pequeno marxista. Para não deixar dúvida, o roteiro explica os conceitos econômicos - como a forma de produção, a apropriação do lucro gerado pelo trabalhador (a célebre mais valia) e a divisão internacional do trabalho - por meio do ciclo de produção do algodão, o produto da Revolução Industrial, época em que Marx escreveu sua obra. 

Nada contra Marx e sua teoria, mas a maneira simplificada e falaciosa como o filme a apresenta são um insulto à inteligência dos que sabem que o mundo é bem mais complexo que o simples binômio da luta de classes entre opressores x oprimidos. Essa postura maniqueísta, preto no branco, é nociva tanto quando proveniente dos antigos soviéticos que queriam impor o conceito do "homem novo" quanto conforme a ideia que os americanos insistem impor de que as guerras que promovem pelo mundo são justas e que seus personagens são heróis - coisa que Spielberg fez no fraco Ponte dos Espiões.

Assim, de início, o filme já se mostra incômodo por essa posição política simplista característica de estudantes de humanas ou de políticos que simplificam os conflitos sociais a um bordão do tipo "contra burguês, vote dezesseis". Tomar uma posição polarizada assim é burrice ou má fé, tanto neste sentido como no sentido oposto, dos que acham que a solução para acabar com a violência é sair matar os bandidos ou que basta que um só partido deixe o poder para que a corrupção, como que por mágica, desapareça. O mundo é um lugar bem mais complexo e com diferentes tons, e não são essas posições polarizadas que melhoram o convívio entre as pessoas.

O filme tem uma maneira peculiar de narrativa. Seus traços lembram os de desenhos infantis feitos com lápis de cor ou giz de cera. Essa linguagem infantil e a bela trilha sonora são muito bonitas e saem da mesmice das animações tridimensionais atuais. Também não há limites claros no filme.  Fora os elementos minimalista que nos permitem notar que o menino está no interior, como galinhas, enxada e riacho, não dá pra dizer em que lugar do mundo está esta zona rural. Também não há qualquer diálogo compreensível, apenas umas poucas frases em linguagem inexistente. A cronologia tampouco é precisa, com vais e vens oníricos, em que o menino por vezes parece voar de um ponto a outro, de forma surrealista. E a estrutura lógica também é entrecortada, pois durante sua jornada o menino subitamente está convivendo com diferentes personagens adultos. Só ao final ficará claro que estes personagens eram o próprio menino em diferentes fases de sua vida. Esse tom metafórico faz com que o filme não seja fácil de entender, tanto para adultos quanto para crianças. 

Há críticas pertinentes a problemas relevantes do mundo contemporâneo, como a alienação promovida pela mídia e pelo consumismo, a repressão a movimentos sociais, a desestruturação familiar, a exploração do trabalho, o desemprego, a degradação do espaço urbano e a questão ambiental. Mas a mão pesada do diretor, em vez de somente identificar o problema, quer rapidamente apontar o dedo na direção dos culpados: os ricos e poderosos. A comparação é até um pouco injusta por envolver um dos maiores gênios do cinema, mas Chaplin sempre lidou com a questão social em seus filmes de forma bem mais sutil, com a mensagem de que mesmo em meio a todos às adversidades do mundo moderno a vida é bela e as pessoas devem lutar pela felicidade.

O Menino e o Mundo poderia ser uma bela obra, por sua poética linguagem. Mas a pesada ideologia explícita, infelizmente, contamina todo o filme. Aponta problemas relevantes, mas seu maniqueísmo esconde a complexidade da realidade. Não vai levar o Oscar, e também não merece.

Nota: 5

18 de fevereiro de 2016

Carol

Amor Proibido 

Dir: Todd Haynes, EUA/Reino Unido, 2015, 1h58min
IMDB                 Trailer                 Roteiro


Como explicar a atração que sentimos por outra pessoa? Essa é a questão que Carol mais busca responder. O filme recebeu 6 indicações ao Oscar 2016: atriz principal, roteiro adaptado, trilha sonora, fotografia, figurino e atriz coadjuvante. Tem alguma chance de ganhar nestas duas últimas, mas é mais provável que não receba nenhum prêmio.

Na trama vemos o amor entre duas mulheres no início dos anos 50 nos EUA: a dondoca Carol, rica, segura e experiente, com histórico de romances homoafetivos anteriores e a vendedora Therese, seu extremo oposto. O lento desenvolvimento da relação entre estas duas personagens, com a busca pelos pequenos gestos que faz com que uma pessoa sinta atração - tanto física quanto afetiva - por outra, é o ponto alto da produção.

A segunda parte envolve a batalha judicial de Carol para mostrar que é uma mãe digna e que sua conduta pessoal não irá prejudicar o desenvolvimento de sua filha. Para tanto, ela se vê obrigada a se afastar de Therese. Nessa parte, ao contrário da primeira, verifica-se um ativismo em prol da causa GLBTT que gera anacronismo e reduz o impacto da obra. Em parte isso se explica pelo engajamento do diretor Todd Haynes à causa gay - ele é considerado um dos maiores expoentes do new queer cinema. Prova do anacronismo é um discurso engajado de Carol assumindo sua homossexualidade em um encontro com seu marido e seus advogados e dizendo que isso é problema dela e que não afeta ninguém, e os homens ficam surpresos, mas reflexivos. Bonito mas artificial, já que é anacrônico. Conforme a mentalidade da época, os homens iriam é ter nojo de tal declaração. Há produções com o tema que não sofrem com esse problema como O Segredo de Brokebak Mountain (que deveria ter ganhado o Oscar em 2006) e Azul é a Cor Mais Quente.

Apesar dessa artificialidade, o filme tem grandes méritos. O melhor é a sutileza com que conduz a relação das duas. Carol nunca coloca Therese contra a parede. Apenas vai lentamente se aproximando, sem ser também uma estrategista maquiavélica. Apenas se aproxima pela atração que se estabelece desde o primeiro encontro entre elas. 

Essa sutileza também se revela na fotografia do filme, indicada ao Oscar. Há muitos closes em pequenos detalhes do cenários, algumas cenas através de vidros e foi utilizado o antigo filme de 16mm para dar uma aspecto que a obra teria se tivesse sido rodada na época retratada.

As atrizes são e estão ótimas. Cate Blanchett confirma ser uma das melhores atrizes do cinema atual após sua premiação na cerimônia retrasada por Blue Jasmine. Rooney Mara é uma estrela em ascensão e passa toda a delicadeza de sua personagem. Dificilmente irão levar o prêmio por conta das fortes concorrentes [o pitaco com as apostas ao Oscar será publicado às vésperas da premiação], mas merecem aplausos.

Carol é um filme delicado e sutil. Só erra um pouco por conta do anacronismo de querer levar aos anos 50 a luta pela causa gay. Mas é um fato menor, que não tira a beleza da obra.

Nota: 7

16 de fevereiro de 2016

O Quarto de Jack

O Universo Numa Casca de Noz

Room, Dir: Lenny Abrahamson, Canadá/Irlanda, 2015, 1h58min
IMDB                 Trailer                 Roteiro


[ALERTA DE SPOILERS. Sem muitos detalhes sobre a trama, mas com algumas descrições das situações e aspectos comportamentais dos personagens.]

Você não gosta de filmes que fazem chorar? Então passe longe de O Quarto de Jack, já que esse é um dos filmes mais tristes já feitos na história da sétima arte. Foi indicado a 4 prêmios no Oscar 2016: filme, direção, roteiro adaptado e atriz principal. Certamente vai levar este último, o que será comentado abaixo.

O filme conta a estória de Jack e sua mãe, Joy, que vivem em um pequeno quarto. Como o menino nunca saiu de lá, a mãe o ensinou que o Quarto é o mundo e tudo mais que ele vê pela TV é o espaço e os aliens. Nos primeiros minutos não se explica o porquê eles estão lá, apenas é mostrada a rotina de um dia na vida de ambos. Mas em pouco tempo descobrimos que Joy foi sequestrada e que Jack nasceu no cativeiro.

Há uma clara divisão em duas metades iguais. Na primeira, a trama toda ocorre no quarto e na segunda fora de lá. No quarto, vemos a relação particular que Jack estabeleceu com o local e o desafio da mãe em criar um filho em um ambiente tão singular. Especialmente nesta parte, há ecos de filmes como A Vida É Bela e O Menino do Pijama Listrado, em que um cenário adverso é mostrado sob a perspectiva de uma criança.

Na segunda parte é retratada a dificuldade de Jack em viver o mundo real, tendo em vista que em muitos aspectos ele é um bebê, pois teve experiência limitada com os objetos da realidade e a única relação pessoal que havia desenvolvido até então havia sido com sua mãe. Isso funciona como uma metáfora de toda a adaptação das pessoas ao mundo. Os pais verão desafios que enfrentam no dia a dia ao ensinar seus pequenos a lidar com os problemas cotidianos, como subir uma escada, e a ter de desapegar de suas crias (isso vale principalmente para as mães).

Para Joy, assim como para qualquer um que tenha sido sequestrado, a experiência do sequestro é dolorosa e inesquecível. Mas um adulto consegue ao menos tentar evitar pensar no infortúnio. Já para Jack o Quarto não era somente seu cativeiro, mas seu mundo. Ele não vê problemas em contar aos outros o que viveu lá e até mesmo dizer que sente saudades do local. Lá ele aprendeu tudo o que sabe e desenvolveu laços de afeto com aquele ambiente e aquelas circunstâncias, especialmente o fato de ter sua mãe sempre ao seu lado em todos os segundos de sua existência.

O roteiro de Emma Donoghue, baseado no livro de sua autoria, poderia se perder, e criar um drama exagerado. Mas ela escapa dessas armadilhas pois exageros são desnecessários, as circunstâncias dos personagens é dura o suficiente e dispensa truques baratos. A direção de Lenny Abrahamson respeita o texto e não recorre a elementos do melodrama, como câmeras lentas, músicas emocionantes e discursos grandiosos. Nenhum deles deve ser premiado com o Oscar, mas as indicações foram merecidas (e o roteiro até mereceria o prêmio).

Brie Larson interpreta a Mãe com uma inspiração assustadora, sem deixar sua personagem assumir qualquer estereótipo, como a compreensiva, a amorosa, a corajosa, a inabalável etc. A confusão de sentimentos da personagem em sua relação com o filho é demonstrada de maneira magistral. A Mãe é uma personagem real, pessoa que vive alegrias e tristezas, sem idealizações. Com todos os méritos ela está limpando as premiações e a não ser que um meteoro caia na Terra até o dia 28 irá ganhar o Oscar de melhor atriz por uma das maiores interpretações dos últimos anos.

O pequeno Jacob Tremblay encanta no papel de Jack, com sua ternura e inocência. Poucos atores mirins conseguem ser convincentes. Ele é um deles. Merecia a indicação ao Oscar mais do que muita gente (incluindo o favorito Sylvester Stallone). No elenco também estão Joan Allen e William H. Macy, no papel dos pais de Joy.

O Quarto de Jack é um filme muito doloroso e quem for vê-lo tem de estar disposto a vivenciar a dureza retratada. Mas levanta diversos questionamentos e é feito com muita humanidade, ainda que deixe o espectador com lágrimas nos olhos durante toda sua duração.

Nota: 8

12 de fevereiro de 2016

Anomalisa

Vida Vazia

Dir: Duke Johnson/Charlie Kaufman, EUA, 2015, 1h30min
IMDB                 Trailer


Indicado ao Oscar de Melhor Animação Anomalisa, ao contrário do que muitos imaginam quando pensam em animações, não é uma obra para crianças. Nada remete à infância, nem a forma nem o tema. 

Na trama, um homem em viagem de trabalho, Michael Stone, passa pelos pequenas irritações que todos enfrentamos no dia a dia do mundo urbano contemporâneo: a conversa com o taxista chato que fica tentando convencer o passageiro a fazer passeios que não quer, o mensageiro falsamente simpático que apresenta um quarto comum de hotel como se este fosse especial, a falta de assunto com a esposa, a lembrança de uma amor do passado que acabou etc. O filme é construído sobretudo a partir dessas pequenas coisas que mostram o vazio existencial da vida em meio à interminável repetição do cotidiano. 

A primeira parte do filme se passa de forma mais lenta para criar esse vazio. Na segunda parte entra em cena Lisa, uma mulher absolutamente comum, que nas palavras da própria não é bonita e nem inteligente, mas que mexe profundamente com Michael e faz renascer nele a esperança da vida. Aliás, aqui há uma linda e melancólica interpretação à capela do hit Girls Just Want to Have Fun de Cyndi Lauper que dá uma nova dimensão à letra.

Um dos pontos mais interessantes do filme e o que justifica a escolha da forma da animação em detrimento do uso de pessoas é o fato de todos os personagens, exceção feita à Michael e Lisa, terem a mesma cara e a mesma voz, sejam homens ou mulheres, adultos ou crianças. Uma bela metáfora da mesmice.

Esse roteiro cheio de questões existenciais é bem escrito e dirigido. Há muitos momentos de silêncio e de "atuação" do personagem, com suas reflexões e seu desgosto com o mundo, à espera de algo que o salve dessa rotina vazia e enfadonha. Há situações inusitadas, como o mencionado fato de todos os demais personagens serem iguais, além de outros momentos de encontros insólitos. Mas nada surpreendente em se tratando do roteirista Charlie Kauffman, conhecido por filmes que lidam com o surreal e o absurdo, como Quero Ser John Malkovich e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (premiado com o Oscar de melhor roteiro original). Foi esnobado ao não receber a indicação de melhor roteiro original nesta edição do prêmio da Academia.

A parte técnica foi feita com um trabalho exaustivo de animação stop-motion, na qual os animadores tem que mudar os bonecos quadro a quadro, o que resulta em mais de 100 mil fotografias diferentes feitas para produzir a animação (veja um pequeno trecho do making of). A fotografia é bem pensada e as tomadas são feitas como se estivessem lidando com atores reais. Os bonecos são bem desenhados e realistas que conseguem passar mais emoção que vários atores reais campeões de bilheterias.

O filme é digno do prêmio a que concorre, mas não deve vencer a força do lobby e da tradição da Disney/Pixar com Divertida Mente, que é um filme com boas ideias, mas com o mesmo roteiro de sempre com personagens em uma jornada de aventuras. Aqui, ao contrário, sobra originalidade, o que rejuvenesce as animações que atualmente só são premiadas quando apresentadas em desenhos 3D e que não devem servir somente como um "Oscar para crianças". Mas como não só de Oscar vive o mundo das premiações, o filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no badalado Festival de Veneza e concorre no respeitado Independent Spirit Award não como animação, mas como melhor filme, e também por roteiro, direção e atriz coadjuvante (Jennifer Jason Leigh, indicada ao Oscar 2016 na mesma categoria por Os Oito Odiados).

Anomalisa é um ótimo filme, com um roteiro triste, mas belo e tocante, que nos faz refletir sobre o vazio da vida pós-moderna.

Nota: 8

11 de fevereiro de 2016

Steve Jobs

iFilm

Dir: Danny Boyle, EUA, 2015, 2h02min
IMDB                Trailer                Roteiro

Indicado no Oscar 2016 aos prêmios de ator principal e atriz coadjuvante, Steve Jobs conta a estória do personagem título de uma maneira bem peculiar, fugindo daquele maçante padrão de cinebiografias em que o personagem é apresentado do nascimento à morte, mostrando todos seus momentos marcantes e com créditos ao final explicando seu legado. Aqui vemos pequenos recortes da vida de Jobs com poucos personagens, cada um com a função de destacar algum traço de sua personalidade.

O roteiro seleciona somente três momentos da vida de Jobs, que antecederam três lançamentos de produtos notáveis: o Macintosh (1984), o NeXT (1988) e o iMac (1998). Esses momentos são mostrados em tempo real, sem nenhuma quebra cronológica, ou seja, se faltava meia hora para iniciar a apresentação veremos essa meia hora da vida de Jobs. 

Um dos pontos interessantes é colocar os mesmos personagens nestes três momentos distintos: sua braço-direito Joanna, a menina que ele não quer reconhecer como filha, Lisa, seu parceiro de fundação da Apple Steve Wozniak, o CEO da empresa John Sculley e um dos desenvolvedores de seu time, Andy. Cada um destes tem importantes questões pessoais com Jobs e foram cuidadosamente escritos para demonstrar traços de sua peculiar personalidadeJobs é mostrado em sua complexidade com sua personalidade megalomaníaca, arrogante, narcisística, inquieta e perfeccionista. Apesar de parecer tão seguro de si e confiante em sua genialidade, a necessidade de reconhecimento parece ser o grande objetivo de sua vida.

O filme anterior sobre o dono da Apple, Jobs, foi desprezado pela crítica e não muito querido pelo público. Além disso, o ator principal daquele, Ashton Kutcher, ainda que elogiado por sua performance e muito semelhante fisicamente ao personagem real, é muito inferior ao protagonista desta obra.

O filme praticamente não tem momentos de silêncio, com os ágeis diálogos de Aaron Sorkin (um dos esnobados pelo Oscar) ocupando toda a projeção. As atuações são muito boas e as indicações de Michael Fassbender e Kate Winslet ao Oscar foram merecidas. Ele é um ótimo ator, que merecia ter levado o prêmio de coadjuvante por 12 Anos de Escravidão (mas foi preterido por Jared Leto sobretudo por sua transformação física em O Clube de Compras Dallas) e ainda vai levar o Oscar, mas não desta vez, já que o prêmio será do Leonardo di Caprio. Ela sempre é uma atriz muito competente, e após ser premiada no Globo de Ouro tem chances na disputa pelo Oscar. Seth Rogen e Jeff Daniels também estão no elenco.

A direção de Danny Boyle (conhecido por Trainspotting e por Quem Quer Ser um Milionário) é ágil como o roteiro, no melhor estilo câmera na mão para acompanhar o vai e vem de Jobs pelos bastidores das apresentações. Também é interessante a distinção dos três momentos pelo visual apresentado em função da técnica de captação utilizada, 16mm em 1984, 35mm em 1988 e digital em 1998.

Steve Jobs é um bom filme, que se destaca pelo roteiro biográfico enxuto e pelas boas atuações. Recomendado para os que tem disposição para filmes verborrágicos mas com diálogos interessantes.

Nota: 7

9 de fevereiro de 2016

O Regresso

Sobrevivência e Vingança

The Revenant, Dir:  Alejandro González Iñárritu, EUA, 2015, 2h36min
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O Regresso é o filme com o maior número de indicações ao Oscar 2016, concorrendo em 12 categorias. É favorito em categorias fortes, como direção, ator e fotografia, e também é um dos favoritos ao prêmio principal, junto a Spotlight e A Grande Aposta.

O filme está baseado na história real de um explorador de peles americano no início do século XIX, Hugh Glass, que é atacado por uma ursa. Após ser ferido gravemente, Glass tem que ser carregado pelos seus companheiros, que estão ameaçados pelo ambiente selvagem, pela aproximação do inverno e pelos índios nativos Arikara que os consideram inimigos. Ao carregar um homem quase morto, o grupo abandona Glass à própria sorte e vê seu filho mestiço sendo morto por um dos seus companheiros, Fitzgerald.

Ainda sem condições físicas, Glass passará por uma série de provações para deixar a área selvagem e regressar a um acampamento americano. E sempre obstinado em vingar o assassinato de seu filho. Assim, o filme combina filmes de superação frente a um ambiente hostil, como Gravidade e Náufrago, com filmes de vingança, como Kill Bill e Rastros de Ódio

O roteiro tem mais ação do que diálogos. Mas não o tipo de ação com atores malhados e explosões. A ação aqui foca no homem lutando para sobreviver em um ambiente hostil, com muitas cenas viscerais. Há também muita violência nos embates humanos, especialmente nos provocados pelo sempre tenso convívio entre indígenas e ocidentais. Apesar de ser um filme sobre a sobrevivência, aqui não se recorre ao recurso barato de discursos eloquentes carregados de lições de moral. O filme tem grande preocupação com o realismo.

Leonardo DiCaprio certamente leva o Oscar desta vez. Apesar das piadas, ele nunca foi favorito nos prêmios anteriores. E como a Academia ADORA filmes em que os atores tem de passar por sacrifícios e transformações físicas, o prêmio é certo. E com méritos, apesar de ele ter se mostrado um ator mais completo em filmes anteriores, como Diamante de Sangue e Os Infiltrados.

Tom Hardy é o antagonista e foi indicado a coadjuvante. Ele é um ator muito forçado e duro, cujo constante balançar de cabeça indicando concordância é incômodo, tanto aqui quanto em Mad Max: Estrada da Fúria. E sua voz rouca é reprise da entonação que utilizou como Bane em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Outros atores mereciam bem mais a indicação, como Idris Elba (Beasts of No Nation) e Oscar Isaac (Ex Machina) (em breve sairá um pitaco sobre quem deveria ter sido indicado). No elenco também está Domhnall Gleeson, em boa interpretação, ator presente em outros três dos filmes que disputam os prêmios (Ex Machina, Star Wars: O Despertar da Força e Brooklin).
  
A direção do mexicano Alejandro G. Iñárritu é espetacular. Como o maior dos mestres do cinema, Stanley Kubrick, em Barry Lyndon, o diretor utiliza somente luz natural neste filme. Poucas também são as cenas em ambientes fechados e o diretor nos leva à natureza selvagem do oeste americano pré-colonização. Como todo diretor competente, consegue fazer com que o público sinta o que ele quer e, no caso, coloca o espectador no corpo ferido de Glass. Iñárritu é um nome em destaque na Hollywood atual, que após ganhar 3 prêmios em 2015 (filme, roteiro e direção) pelo espetacular Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), segue em alta rumo ao bicampeonato como diretor e forte concorrente à dobradinha de melhor filme.

Também notável é a fotografia de seu compatriota Emmanuel Lubezki. Com seu foco em paisagens, ele utiliza-se de imagens subexpostas (escuras), com pouca saturação e com uma paleta predominantemente azul. Também utiliza-se de movimentos de câmera muito interessantes, ótimos planos-sequência e tomadas que levam o espectador a ter a mesma visão que os personagens. Ganhou os dois últimos prêmios de fotografia pelos mencionados Gravidade e Birdman, e caminha para o tricampeonato.

O filme também se destaca nas demais categorias técnicas a que concorre (edição, design de produção, maquiagem, figurino, edição de som, mixagem de som e efeitos visuais), mas não deve ganhar em nenhuma dessas, pois boa parte destes prêmios ficará com Mad Max: Estrada da Fúria.

O Regresso é um filme forte e violento, que conta uma boa história de superação e vingança. Apesar de exigir estômago em algumas cenas mais pesadas, é uma ótima experiência cinematográfica. 

Nota: 9

5 de fevereiro de 2016

Trumbo

Renegado

Dir: Jay Roach, EUA, 2015, 2h04min
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Trumbo baseia-se em fatos reais da vida do roteirista Dalton Trumbo que por conta de sua filiação ao partido comunista foi incluído na lista negra de Hollywood, acordo entre os grandes estúdios para não empregar os "vermelhos", subproduto da era de caça às bruxas do macartismo. No Oscar 2016 recebeu indicação de melhor ator.

O recorte histórico é feito desde o momento em que Trumbo está no ápice de sua carreira e entra na lista negra e vai até sua redenção, com o prêmio da associação dos roteiristas. Isso já demonstra que o roteiro é um tanto quanto previsível, típico de filmes biográficos hollywoodianas. Muitos desafios serão colocados para o escritor neste ínterim, como o massacre de sua reputação na imprensa com reflexos na sociedade, a prisão por não colaborar com o Congresso, a tarefa de ter de trabalhar sem poder assinar roteiros e o impacto de tudo isso em sua família.

Apesar de haver um discurso ao final em que o protagonista diz que no período de perseguição aos comunistas não houveram nem heróis e nem vilões, apenas vítimas, o roteiro do filme não trata exatamente assim a situação. Trumbo é mostrado com um certo heroísmo, enquanto os que o perseguiram, como o presidente do aliança dos atores, o renomado John Wayne, são os vilões.

Interessante notar que no Brasil os comunistas tiveram tratamento ainda pior, pois aqui não havia só manchas na reputação, mas mortes dos membros do partido pela ditadura militar. As piores foram de cidadãos influentes que somente tinham ligações políticas com o movimento sem nunca terem cometido qualquer crime, como do jornalista Vladimir Herzog e do ex-deputado Rubens Paiva, que até hoje não foram bem explicadas.

O elenco é muito bom. Bryan Cranston nunca deixará de ser Walter White para os fãs de Breaking Bad, mas neste filme ele mostra que é ator de mais de um papel, sendo merecida sua indicação ao Oscar. Diane Lane interpreta sua esposa de forma carinhosa e corajosa e a sempre competente Helen Mirren é a influente jornalista de fofocas engajada na luta anticomunista disposta a acabar com Trumbo.

O diretor Jay Roach fez seu nome nas séries de comédias Austin Powers e Entrando numa Fria. Aqui faz um drama razoável, mas sem grande destaque na condução, especialmente pelo roteiro previsível.

Trumbo é uma cinebiografia bem quadrada. No entanto, os bons diálogos e o bom elenco, capitaneado por Cranston, fazem com que uma trama previsível seja bem contada.

Nota: 6

4 de fevereiro de 2016

Creed

De Volta ao Ringue

Dir: Ryan Coogler, EUA, 2015, 2h13min
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Já fiz muitas críticas à indústria de continuações, remakes, reboots e spin-offs que se tornou Hollywood. Esse era mais um filme que quando soube que estava em produção eu disse "De novo?". Mas as boas críticas, o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante para Sylvester Stallone e um par de ingressos grátis que ganhei em promoção (e de graça é muito mais barato!) me fizeram ir ver o longa. Na corrida do Oscar o filme concorre somente a melhor coadjuvante, sendo Sly o favorito ao prêmio, mas poderia ter sido indicado também a melhor ator principal e melhor diretor.

O filme nos apresenta Adonis "Donnie" Johnson, filho bastardo do ex-campeão Apollo Creed, nascido após a morte do pai e que ficou órfão de mãe ainda criança, tendo uma dura infância passada entre famílias adotivas e reformatórios. Na primeira cena a viúva de Apollo encontra-o adolescente e o adota. Passados alguns anos, Donnie, por conta de sua privilegiada criação, tornou-se um jovem bem educado e com um bom emprego, mas ainda sente uma necessidade inata em boxear, o que faz em bares de Tijuana. Em busca de seu sonho de lutar ele deixa para trás sua vida de privilégios na ensolarada Los Angeles e parte para a cinzenta Filadélfia, onde irá buscar a ajuda do antigo rival e melhor amigo de seu pai, Rocky Balboa.

Há um interessante paralelo geracional entre as trajetórias de Rocky e Donnie. Ambos querem vencer, mas Rocky sempre teve uma vida dura e lutou pela sobrevivência. Donnie, apesar da infância conturbada, estava com a vida ganha. Isto reflete um pouco de sua geração, crescida em um período de prosperidade que busca a autorrealização. Não vou me alongar no tema porque quem estabeleceu o paralelo foi uma amigo que escreveu um ótimo texto sobre isso (clique aqui para ler).

Como em todos os filmes da série Rocky, a estória envolve superação. No entanto, se em alguns filmes da série as dificuldades caíram para o melodrama e a pieguice, neste o roteiro e a direção deixam as emoções mais contidas. Também há as conhecidas lições de vida do simplório Rocky, mas dessa vez os discursos não são monólogos grandiloquentes, são conselhos dados ao pé do ouvido.

Grande destaque tem de ser dado à competente e criativa direção do jovem Ryan Coogler, ainda em seu segundo filme. Há ótimos planos sequências e a câmera sempre acompanha Donnie de perto, inclusive nas lutas. Os socos nunca pareceram tão doloridos na série. Seu bom trabalho lhe rendeu a escalação para a direção de um blockbuster da Marvel, Pantera Negra.

Os atores vão bem. Michael B. Jordan (Donnie) pode ter um futuro promissor pela frente. E Stallone, mostrando um Rocky cansado e solitário, em fim de carreira, consegue uma atuação dramática digna,  o que só havia feito nos filme de estréia das séries Rocky e Rambo. Não acho merecedora da indicação ao Oscar e menos ainda do Globo de Ouro onde bateu Idris Elba, que está fantástico em Beasts of No Nation e foi o maior esnobado do Oscar 2016. Stallone apresenta o melhor trabalho de sua carreira, mas, apesar do favoritismo pro Oscar, apoia-se mais no seu carisma e por ser bem quisto entre os colegas do que por seu talento.

O filme obviamente tem seus clichês que se repetem ao longo da série, como as montagens de treinamento, as lições de vida tendendo pra autoajuda e as lutas de boxe irreais, nas quais os lutadores acertam quase todos os golpes, apanham muito mais do que o normal, levantam no último segundo e ainda chegam firmes para o último round. Mas isso tem de ser relativizado, pois é um filme com uma tendência para contos de fada.

Creed é um bom spin-off da série Rocky, muito melhor que qualquer uma de suas muitas (e sofríveis) continuações e deve, como é regra pro que faz sucesso atualmente, gerar sequências.

Nota: 7