A Arte Imita a Vida
Boyhood, Dir: Richard Linklater, EUA, 2014, 165minIMDB: clique aquiTrailer legendado: clique aqui
Um dos favoritos na corrida ao Oscar de melhor filme, Boyhood, recebeu ainda outras 5 indicações: diretor, ator coadjuvante (Ethan Hawke), atriz coadjuvante (Patricia Arquette), roteiro original e edição. Tal como Birdman, se ganhar todos os prêmios, o fará com méritos.
O filme realizou uma proeza única na história do cinema por ser rodado durante 12 anos, retratando o amadurecimento de Mason Jr., sempre representado por Ellar Coltrane. Ele é o protagonista, mas outros três atores também estiveram envoltos no processo de filmagens, os dois mencionados que disputam o prêmio e Lorelei Linklater, filha do diretor.
Sou grande fã do diretor, Richard Linklater. Adoro a trilogia do Antes (Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia Noite) com seus grandes e longos diálogos sobre a vida. Aqui ele usa parte dos recursos já usados nos outros, e, exceto pelo primeiro filme da trilogia, os demais ele rodou durante as filmagens de Boyhood.
O filme inicia-se no longínquo 2002, época em que os celulares ainda serviam somente para fazer ligações. Mason Jr. e sua irmã Samantha reencontram seu pai, um cara um tanto perdido na vida mas muito afetuoso, que havia passado mais de um ano distante deles. Enquanto isso, sua mãe, Olivia, está tentando se qualificar para dar maior conforto a seus filhos, enquanto busca arrumar um companheiro para suprir a função de pai na família.
A partir daí se desenvolve a estória. Uma estória ordinária, que poderia ser vivida por qualquer um. Mason vai pra escola, muda de cidade, sua mãe e seu pai arrumam novos companheiros, e a vida vai seguindo, em meio a muitos conselhos que lhe dão. E muitos questionamentos vão surgindo em cada nova fase. Como ocorre em nossas vidas ordinárias, por mais que nos achemos especiais.
Por mais simples que possa parecer a estória, no final estamos nos sentindo parte da família. Sofremos junto com as personagens. Nos divertimos com suas alegrias. Rimos de certas "lições de vida" que tentam dar em Mason, especialmente seu confuso pai. Sentimos vergonha do comportamento dos adolescentes que buscam se afirmar, especialmente por sabermos que um dia já passamos por aquilo.
O roteiro surpreende por ter se adaptado ao longo do tempo. Não havia como ter criado certos diálogos quando o filme foi idealizado, pois certas coisas que hoje redefiniram os relacionamentos humanos, como os smartphones e redes sociais, não existiam em 2002. Seria impossível ter escrito esta estória completa antes de iniciar as filmagens, assim como também seria escrever o roteiro em 2014 com tudo já filmado. Provavelmente havia um rumo a ser seguido, mas muita coisa foi sendo inserida e levando a estória por outras direções. O que engrandece ainda mais o filme. E se destaca a intenção de se priorizar eventos corriqueiros na narrativa, ao invés de dramatizar pontos de clímax, como o primeiro beijo, primeiro porre e etc.
Os dois "pais", Arquette e Hawke, fazem um belo trabalho. Nunca achei Hawke um ator espetacular, mas admiro sua capacidade de conseguir se mostrar como o cara comum, gente como a gente, fazendo nos sentirmos em sua pele. Arquette faz trabalho similar, sendo a mãe que, em meio a seus erros e acertos, vai conduzindo a vida da família. O protagonista Ellar Coltrane consegue com seu jeito de "cara na dele" nos trazer para seu universo, e relembrarmos o que passamos em nossa infância e adolescência.
O fato das filmagens durarem 12 anos não é algo somente para os críticos ficarem elogiando a qualidade técnica e ressaltando o mérito de superar tal dificuldade. Os 12 anos passam por nossos olhos em 2 horas e 40 minutos. Vemos as 4 personagens centrais envelhecendo sob nossas vistas e o que o tempo causa em nossas feições (Patricia Arquette, favorita ao Oscar, parece ter sentido mais que os outros). O peso do tempo está lá, exposto, mostrando que nossa caminhada por esse planeta é curta.
Já no final do filme, há uma emocionante reflexão de Olivia, quando seu filho está deixando a casa para ir a faculdade. Ela diz que aquele evento fez ela ver que sua vida iria acabar em breve, pois temos certos marcos, como a formatura, o casamento, ter filhos, conseguir o trabalho que queremos, ver os filhos nos deixando. E o próximo marco seria seu funeral. Um tanto quanto antecipada, mas ainda assim, uma dolorida e real conclusão.
Um filme que nos mostra, como nenhum outro, que a arte imita a vida.
Nota: 10