28 de abril de 2016

O Homem Duplicado

Espelho, Espelho Meu

Enemy, Dir: Denis Villeneuve, Canadá/Espanha/França, 2013, 1h31min
IMDB                 Trailer                 Roteiro

E se um dia você descobrisse que existe uma outra pessoa exatamente idêntica a você (e que não é seu irmão gêmeo desconhecido)? O Homem Duplicado tenta explicar o que poderia acontecer se algo assim ocorresse.

No filme, conhecemos Adam, um professor de História acanhado e anti-social que vive uma vida bem monótona, resumida a dar aulas, ir pra casa e fazer sexo com sua namorada. Todos os dias. Um dia, um colega querendo puxar conversa lhe recomenda um filme pouco conhecido. Como ele não tinha nada melhor pra fazer, ele o aluga. Eis que neste filme ele se depara com um ator que é exatamente idêntico a ele e então decide ir atrás desse seu outro.

O roteiro baseia-se no livro homônimo do português José Saramago, que gosta de contar estórias estranhas que flertam com o fantasioso, como Ensaio sobre a Cegueira e a Jangada de Pedra. Não li o livro e desconheço seu tom, mas o filme é extremamente perturbador, desde a primeira cena (que traz uma lembrança de De Olhos Bem Fechados do mestre dos mestres Stanley Kubrick). Não é recomendável para quem gosta de tudo explicadinho, pois o filme, assim como o clássico hitchcockiano Os Pássaros, não dá explicação da pergunta mais básica: como? 

Conheci o badalado Denis Villeneuve recentemente com Sicario (clique para ler o pitaco), e posso dizer que ele já está se tornando um dos meus diretores favoritos. Ele sabe como poucos o que é a arte cinematográfica. Não há cenas inúteis, todos os elementos caminham para formar um todo. Mas também não há pressa em contar a estória e muitas vezes vemos cenas que mostram os atores em cena somente refletindo, sem dizer nada. Alguns acham este recurso cansativo, e realmente pode ser quando desnecessário. Mas Villeneuve sabe colocá-lo em razão do objetivo, que é contar sua estória. E faz isso em econômicos 90 minutos, provando que, ao contrário da moda atual, um filme pode ser bom em menos de 2 horas. Como sua filmografia não é extensa, em breve pretendo analisar todos os seus filmes aqui no Pitacos. 

Depois que o Leo DiCaprio ganhou o Oscar e começou a campanha de quem é o próximo que merece ganhar e ainda não ganhou, um dos meus favoritos é o duplo protagonista Jake Gyllenhaal. Ao contrário de DiCaprio, ele às vezes pega uns filmes blockbusters pra engordar a conta bancária, mas quando resolve trabalhar sério tem atuações marcantes. Suas performances em O Segredo de Brokebak Mountain (pelo qual ele recebeu sua única indicação ao prêmio) e Soldado Anônimo são marcantes. Neste filme, ele consegue criar dois personagens que podemos distinguir somente com sua linguagem corporal. Também no elenco Mélanie Laurent (a judia vingadora Shoshanna do tarantinesco Bastardos Inglórios).

Como dito, o filme é perturbador em toda a sua projeção. E para que esse efeito seja produzido no espectador há uma total interação entre roteiro, direção, atuações e trilha sonora. Tudo funciona bem. Não que este filme seja um marco na Sétima Arte, mas é um filme bem pensado em todos os seus aspectos.

O Homem Duplicado, assim, não é um filme agradável. Mas vale à pena para quem quer ver um filme tenso e bem feito.

Nota: 7

12 de abril de 2016

O Ditador

O Pequeno Ditador

The Dictator, Dir: Larry Charles, EUA, 2012, 1h24min
Netflix            IMDB                 Trailer                 Roteiro


Sacha Baron Cohen é famoso por seus personagens exóticos com sotaques estranhos e humor mais que politicamente incorreto. Funcionou na primeira vez com Borat, mas as produções sequentes Brüno e este O Ditador foram uma descida ladeira abaixo, não pelo politicamente incorreto, mas pela absoluta falta de graça com piadas vulgares e escatológicas.

No filme, Cohen interpreta o almirante-general Aladeen, o megalômano ditador de Wadyia, um país norte-africano. A inspiração é claramente no finado Muamar Kadafi, tirano maníaco sexual e playboy que governou a Líbia até a revolução que o derrubou. Na trama Aladeen está sendo pressionado pela ONU e pelas potências mundiais a liberar o acesso de inspetores a seu programa nuclear, e é pressionado a discursar na Assembléia Geral das Nações Unidas para evitar ataques preventivos a seu país. 

No início existe até uma certa graça em retratar os exageros narcisísticos do ditador. Ele chega ao cúmulo de criar a própria Olimpíada para ganhar várias medalhas. E altera o idioma para incluir seu nome como substituo para várias palavras, o que gera uma grande confusão na comunicação. Mas quando ele vai pra Nova York, aí a graça desaparece. Começa a ser uma sucessão de insultos e baixaria sem fim, a maior delas sobre seu par romântico, a esquerdista Zoey. A obsessão com piadas envolvendo sexo e pelos nas axilas da moça não tem fim (e nem graça). O filme acaba se resumindo a essas grosserias, como foi feito em Brüno.

Em Borat, Cohen, apesar das mesmas vulgaridades, criou humor em retratar os preconceitos dos cidadãos comuns dos EUA. Em Brüno e O Ditador sobraram somente as vulgaridades. Lamentável ver um artista que parecia ter um humor característico não conseguir sair do lugar.

O Ditador é um filme extremamente politicamente incorreto, vulgar e grosseiro. Há poucas coisas realmente engraçadas, o que deveria ser o propósito de um filme de humor. Recomendável somente para quem não superou o humor bobo e pesado da adolescência. 

Nota: 2

5 de abril de 2016

Django Livre

A Vingança dos Negros

Django Unchained, Dir: Quentin Tarantino, EUA, 2012, 2h45min
Netflix           IMDB                 Trailer                 Roteiro


Antes do recente Os Oito OdiadosQuentin Tarantino já havia contado uma estória passada no Velho Oeste em Django Livre. E de maneira muito superior ao seu mais novo filme.

No filme, acompanhamos a saga do escravo Django, que é comprado e alforriado pelo caçador de recompensas alemão Dr. Schultz para que o ajude a localizar alguns alvos que antes haviam sido seus feitores. No percurso, Django conta a estória de que foi separado de sua esposa e o assassino profissional decide ajudá-lo a ir buscá-la.

Tarantino aqui está em sua melhor forma tanto como diretor quanto como roteirista (tendo recebido seu segundo Oscar por roteiro original). Seus estilo de diálogos marcantes está muito afiado, com várias frases dignas de citação. A violência escatológica lembra em alguns momentos a de Kill Bill. E o humor é uma constante, especialmente quanto ao estilo culto e refinado do Dr. Schultz. Ao contrário de Os Oito Odiados, Django Livre apresenta uma grande variação de cenários e situações, sendo muito mais dinâmico que aquele. 

Tarantino, o cara esquisito que trabalhava na videolocadora e curtia todo tipo de filme B, sempre mostrou forte influência do subgênero western spaguetti (ou bangue bangue à italiana, como ficou conhecido no Brasil dos anos 70), marcado por produções italianas de baixo orçamento, com atores que tinham que ser dublados por não falar inglês, protagonizadas por anti-heróis, com muitos tiros e forte teor cômico e teatral, servindo como sátira ao heroico gênero americano do Western. Em Kill Bill tal influência já era muito nítida, especialmente dos filmes de Sergio Leone (em especial a "Trilogia do Dólar": Por Um Punhado de Dólares, Por Uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito) que estendia ao máximo a adrenalina que antecedia os conflitos, resolvidos de forma bem rápida. Aqui Tarantino vai pro mesmo cenário de seus mestres do subgênero e consegue parear com eles, se não superá-los.

Tarantino foi muito criticado por usar em seus filmes a palavra "nigger" ("crioulo", mas com muito mais peso e que mal pode ser dita nos EUA dos dias atuais). Curiosamente parece que poucos notam que ele sempre colocou negros em papéis de destaque em seus filmes e que neste a vingança do protagonista contra os brancos representa todo o ódio que séculos de escravidão produziram, claramente sendo favorável ao lado dos negros oprimidos (sem que os transforme em coitadinhos), e não dos brancos opressores do Ku Klux Klan (os quais ele ridiculariza neste filme). Acusar Tarantino de racismo, assim, é coisa de quem precisa compreender melhor o contexto. 

Ainda que quase todos os personagens sejam caricaturais, as atuações são espetaculares. Não é pra menos com o elenco reunido, que conta com a dupla de protagonistas já oscarizados à época, Jamie Foxx e Christoph Waltz (que conquistou sua segunda estatueta com o trabalho), além dos antagonistas, o recém-premiado Leo DiCaprio e o indicado Samuel L. Jackson.  Também no elenco a bela e talentosa Kerry Washington no papel da esposa de Django, e pequenas pontas de atores de renome, como Jonah Hill (que não mereceu mas já contabiliza duas indicações ao Oscar), Bruce Dern, Don Johnson e Franco Nero (protagonista do filme que inspirou o título, Django).

A parte técnica é cheia de caprichos tarantinescos: cenas filmadas por cima, figurinos caricatos, close-ups rápidos e, claro, litros de sangue jorrando pela tela. A fotografia (indicada ao Oscar) é linda, com os belos cenários selvagens da América inexplorada e das plantations de algodão do Sul.

Django Livre é um dos melhores Westerns já produzidos. Violento e divertido sem que por isso seja vulgar. Um prato cheio pra quem gosta de bom cinema e não se incomoda com os exageros tarantinescos.

Nota: 10