31 de outubro de 2007

Zé do Caixão

À Meia-Noite Levarei sua Alma

Dir. José Mojica Marins, Brasil, 1964, 78min


Foi exibida em sessão dupla na Mostra os dois principais filmes do coveiro mais famoso do cinema.

Neste primeiro filme, é apresentada a personagem Zé do Caixão, agente funerário cético ao extremo, que despreza a ignorância causada pela religiosidade do povo e gosta de cometer atos que choquem a moral, como comer carne na sexta-feira santa.

Por não acreditar em ressurreição ou reencarnação, Zé do Caixão acredita piamente que o modo de se tornar imortal é pelo sangue, ou seja, fazendo um filho e perpetuando seus genes. Assim, decide buscar a mulher digna de ter o seu filho.

Apesar de casado, Zé encontra-se infeliz com sua esposa, e cria um desejo pela namorada de seu melhor amigo, surgindo daí a história do filme.

Como podem imaginar pelo ano do filme e pelo característico respeito à memória cinematográfica brasileira, ainda mais se tratando de um filme de terror, a qualidade da imagem é bem baixa, sendo que o filme necessita urgentemente de remasterização.

Nota: 6



Esta Noite Encarnarei no Seu Cadáver

Dir. José Mojica Marins, Brasil, 1966, 100 min


Continuação de À Meia-Noite, a história reinicia onde a primeira tinha acabado.

No filme, Zé do Caixão continua sua busca pela mulher perfeita, digna de ser mãe de seu filho. O que antes era um objetivo, agora se torna uma obsessão. Para isso, Zé seqüestra 6 belas jovens da cidade, disposto a avaliá-las e decidir quem seria sua esposa.

Provavelmente por possuir um maior orçamento, a história conta com produção muito melhor do que a do primeiro filme, tendo até uma seqüência a cores. Há muito mais personagens, mais cenários e mais esmero nos detalhes.

E a crueldade de Zé aumenta neste filme, sendo um frio torturador, justificando seus atos na necessidade de dar continuidade à sua linhagem, numa versão tupiniquim da personagem central do livro Crime e Castigo, Raskólnikov.

Nota: 8

29 de outubro de 2007

O Caminho dos Ingleses

Volte Gato de Botas 


El Camino de Los Ingleses, Dir. Antonio Banderas, Espanha, 2006, 118min


Por curiosidade, este pitaqueiro arriscou-se a ver na Mostra este filme do ator Antonio Banderas, no qual ele não atua, somente dirige.

A história gira em torno de um jovem que decide se tornar poeta após fazer cirurgia de retirada de rim, acontecimento que serviu como divisor de águas em sua vida. A partir daí, é mostrado o cotidiano deste jovem e de seus amigos, narrados, em alguns momentos, por poesia.

Extremamente chato, maçante, e enrolado, o filme só aparece aqui no Pitacos como forma de alertar seus leitores a não desperdiçarem duas horas vendo esse filme horrível.

Antonio Banderas deveria se contentar em dublar o Gato de Botas em Shrek, o que faz muito bem, ao contrário do que faz dirigindo filmes.

Nota: 0

Garçom

Aqui Nessa Mesa de Bar


Ober, Dir. Alex van Warmerdam, Holanda, 2006, 97min


Como os frequentadores da Mostra sabem, muitas vezes a única informação disponível sobre o filme é sua sinopse. Munido dela, interessei-me pelo filme Garçom, em parte por eu já ter exercido essa função e por ser atendido sempre por eles, interessou-me analisar a história, que, segundo a sinopse, retratava um garçom cinqüentão em crise no casamento e que convive com o mau tratamento dos clientes.

Coisa que não estava escrito na sinopse, é que o filme, mais do que retratar o cotidiano do garçom, mostra como se dá o processo de escrita de uma história. À parte do universo retratado, vemos o escritor e sua esposa, com problemas no relacionamento e discutindo como deveria ser a história. Daí por diante, as personagens da história começam a bater em sua porta questionando seus destinos na trama e pedindo para modificá-los.

Por conta dessa utilização de metalinguagem, o filme torna-se chato e foge da narrativa da vida do garçom, ficando muito distante de retratar o cotidiano comum de um garçom, tornando-se uma história fantasiosa.

Nota: 3

26 de outubro de 2007

A Era da Inocência

Crise de valores

A Era da Inocência
L´Âge des Ténèbres, Dir. Denys Arcand, França/Canadá, 2006, 104min


Do mesmo diretor de Declínio do Império Americano Invasões Bárbaras, este novo filme continua a abordagem da crise de valores no mundo moderno, que podem levar à decadência de nosso modelo de sociedade.

Com essas palavras, aparenta até que o filme é um maçante tratado de sociologia. Não é. É um filme em muitos momentos muito divertido.

A história gira em torno de Jean-Marc Leblanc, um funcionário público de Québec que vive um casamento frustrado e tem duas filhas que sequer percebem que ele existe. Vivendo nesse mundo, sua vida é marcada por fantasias, especialmente causadas por sua frustração sexual. Em qualquer momento do dia, o filme nos mostra seus devaneios e seus sonhos por uma realidade na qual ele torna-se um homem mais feliz e realiza seus desejos.

Em um dos melhores desses devaneios, o diretor, mostrando-se antenado com a cultura pop hollywoodiana e não querendo ser só um diretor de arte, faz uma paródia da cena de Kill Bill, vol.1, aquela em que a sino-japonesa sai correndo pela mesa de reunião de seu grupo criminoso e decapita um dos presentes.

A fusão entre esse lado engraçado e as reflexões que o filme levanta é seu ponto alto. É daqueles filmes que convidam o espectador a refletir sobre nossa sociedade e nossos valores, passando pelas relações de amizade, de trabalho e pela família.

Obviamente, esse filme permite diversas interpretações, mas para mim, o que o diretor coloca, em um caráter até moralista, é que nossos valores precisam ser revistos, já que as mudanças em nossas relações nos últimos anos colocaram os antigos paradigmas de pernas para o ar. Interessantíssima é a abordagem feita com relação ao papel da mulher nessa nova família, na qual ela torna-se provedora do lar e o marido um simples enfeite desnecessário.

Além disso, diferentemente do primeiro filme da trilogia, Declínio, este novo filme é recomendado para qualquer um, já que não possui cenas chocantes ou que podem ofender a moralidade comum nacional.

O único problema de se ver um filme desses em uma mostra de cinema é que se percebe, que dificilmente será possível ver um filme tão bom no mesmo evento.

Lançamento no Brasil: sem data, isso se passar nos cinemas, já que nem no Canadá o filme foi lançado ainda. Mas, pela reputação do diretor, com certeza será lançado em DVD. Aguardem.

Nota: 10

A Vida dos Outros

O espião que me amava

Das Leben der Anderen, Dir. Florian Henckel von Donnersmarck, Alemanha, 2006, 137min


Começo nesse pitaco a analisar alguns dos filmes da 31ª Mostra de Cinema de SP.

Vencedor do Oscar de 2007 na categoria Filme Estrangeiro, tendo desbancado o favorito Labirinto da Fauno, na opinião deste pitaqueiro, com todos os méritos, A vida dos Outros trata de um espião que recebe por missão ouvir tudo que se passa na casa de um diretor teatral, durante os últimos anos do regime socialista, na Alemanha Oriental.

O motivo da espionagem, oficialmente, e a suspeita de que o diretor, aclamado tanto no mundo comunista quanto no Ocidente, possa ser um traidor do regime. Mas, por trás da oficialidade, esconde-se os interesses pessoais e mesquinhos. O diretor namora a mais importante atriz de teatro da Alemanha Oriental, por quem o Ministro responsável pelo departamento de espionagem tem uma queda. Querendo afastar seu concorrente do caminho, ele cuida de vasculhar sua vida para descobrir qualquer brecha que permita prendê-lo. A criação de tal personagem é excelente, sendo um dos seres mais repugnantes já vistos no cinema, fazendo de Darth Vader um cidadão simpático se a ele comparado.

No entanto, o oficial incumbindo do comando da missão, condecorado e extremamente respeitado por sua qualidade em investigar os inimigos do regime, percebe que o diretor, apesar de ter seus contatos ilegais no ocidente, não é um sujeito que mereça ser tratado como inimigo do estado, e afeiçoa-se pelo diretor e pela atriz, sendo esse o eixo condutor do filme.

Direção competente, boas atuações e um roteiro eficiente garantem um ótimo filme. Além disso, é um excelente retrato dos últimos anos do regime socialista, servindo como reflexão sobre tal regime autoritário.

Nota: 9

23 de outubro de 2007

Tropa de Elite

Osso duro de roer

Tropa de Elite
Dir. José Padilha, Brasil, 2007, 118min


O filme do ano, como vem sendo anunciado pela mídia, dispensa muitos comentários sobre sua história, já que provavelmente todos os leitores desse blog já o viram. Então, posso fazer uma análise do filme sem necessidade de contar a história.

A estrutura narrativa é simples. Apresenta na primeira cena uma situação tensa que, linearmente, ocorre na metade do filme, retorna dois anos ao passado para explicar os fatos que levaram a ela, e prossegue com a história.

Como dito, a primeira metade do filme, mostra como se chegou ao ponto do primeiro clímax. Tal parte tem um andamento mais lento, para permitir ao espectador conhecer as personagens envolvidas. Nessa parte, são apresentados o Bope em ação, a esposa do Capitão Nascimento, a corrupção da PM, os estudantes de direito que participam de uma ONG no morro e os traficantes.

Dificilmente, seria possível retratar tais grupos sem tintas fortes, já que não há tempo suficiente em um filme para mostrar o outro lado. Assim, o Bope é apresentado como a tropa incorruptível, ao passo que o restante da PM é mostrado como um agrupamento do qual só corruptos fazem parte. Da mesma maneira que os estudantes são retratados como um grupo de maconheiros filhinhos de papai que só discutem e pouco fazem. Paciência para quem se sentiu mal retratado, se o filme fosse mostrar que há policiais honestos na PM e corruptos no Bope, e que há estudantes que tem idéias diferentes, o filme não andaria.

A junção de todas essas partes é feita pelo Aspirante André Matias, estudante de direito e melhor amigo do também aspirante Neto, um oficial que sonha em ser um Rambo, mas vê seu sonho distante no dia a dia da PM. Matias é a personagem mais complexa do filme, por ser tanto um ser pensante quanto um ser atuante, servindo assim de olhos da platéia para o que acontece em cena.

Após a primeira parte, Matias e Neto conhecem o Bope, ao serem salvo por este. Em seguida, alistam-se para o treinamento do Bope. Essa é a melhor parte do filme. Apesar de já explorado em diversos filmes do cinema americano, como Nascido para Matar e No Limite da Honra, o filme tem o mérito de apresentar um treinamento militar brasileiro, coisa que filme nenhum jamais havia mostrado, especialmente pelos ideais esquerdistas dos cineastas brasileiros de apresentar a polícia como inimigo. Outro mérito, segundo várias fontes ouvidas por jornais, é que o treinamento é bem fiel a realidade, sendo até mais manso do que é na realidade, já que já foi registrada morte de um homem em treinamento após ficar horas nas águas de uma represa.

O filme, que está dando muito pano para manga nos jornais e nas conversas pelo Brasil, foi considerado fascista por muitos. Isso me lembra o pessoal de esquerda da faculdade, para quem qualquer um que não tenha as mesmas idéias que eles são assim rotulados. Tropa de Elite não toma partido, apenas mostra uma realidade nua e crua. Há quem considere o Capitão Nascimento um herói (51% da população, segundo a Veja). Não se pode culpar um filme pela visão das pessoas, isso só se deve a crise de valores em nossa sociedade, que, assustada pela violência, não se importa com quem use métodos ilegais, como tortura e assassinato, para combater a criminalidade.

Apesar de ser, de fato, o filme do ano, Tropa de Elite não pode ser considerado o melhor filme brasileiro de todos os tempo, longe disso. Considero, inclusive, que foi acertada a decisão de colocar como representante para o Oscar O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, não só por ser mais ao gosto da Academia, mas por ser uma história mais bem contada e rever um período tão retratado no cinema nacional de uma maneira bastante diferente.

Nota: 8