24 de fevereiro de 2014

12 Anos de Escravidão

Lelê Lelê

12 Years a Slave, Dir: Steve McQueen, EUA/Reino Unido, 2013, 134 min
IMDB: clique aqui



Mais forte concorrente ao Oscar de melhor filme, 12 Anos de Escravidão é baseado na história real contada nos diários de Solomon Nothup, um homem livre do Norte dos EUA que é capturado e vendido como escravo para as plantações do sul daquele país.

Ao contrário do Holocausto judeu, a Escravidão moderna foi poucas vezes abordada no cinema. Provavelmente isto se deve ao fato de suas consequências serem marcantes até hoje em qualquer país que tenha um passado escravocrata e, mais ainda, nos Estados Unidos, onde até pouco mais de 50 anos haviam leis de segregação que criminalizavam até mesmo casamentos interraciais. Seria difícil, neste contexto, alguém querer tocar nesta ferida aberta, especialmente se considerarmos que a indústria cinematográfica sempre foi controlada por brancos, muitos deles judeus, o que explica em parte o mencionado interesse pelo Holocausto.

Como já colocado, a história mostra como Solomon (Chiwetel Ejiofor), um violinista do Estado de Nova York, casado e pai de dois filhos, é sequestrado por dois homens que oferecem emprego temporário em um circo e o dopam em um jantar. Quando acorda, ele já se encontra acorrentado em um porão, aguardando para ser enviado para o Sul dos EUA.

Solomon é uma boa personagem na medida em que permite a nós, que nascemos todos livres, nos identificar com sua dor, pois diferente é a situação de escravidão para quem já nasceu escravo e tende a ser conformado com sua condição. Solomon não, ele sabe o valor de não ter de prestar contas a ninguém, e o quanto lhe incomoda ter de ser submisso e não poder tomar praticamente qualquer decisão.

Ao longo do filme, o diretor Steve McQueen (que pode ser o primeiro negro a vencer o Oscar como diretor) nos apresenta vários aspectos da escravidão, como a submissão, a indiferença, a justificação religiosa, a desumanização, dentre outros.

Uma boa cena que mostra como a crueldade pode ser inocente é o da "boa" sinhá, que ao receber uma escrava recém chegada chorando muito por ter se separado dos dois filhos, diz que basta a ela se concentrar em seus afazeres que logo se esquecerá deles. Em um sistema que a todos desumaniza, escravos e patrões, é de se crer que a sinhá não notasse a maldade de sua frase, e realmente achasse que estava sendo gentil com sua serva.

Diversas serão as cenas de violência física ao longo do filme. Pela repercussão, achei que fossem até mais explícitas, mas o diretor, em algumas delas, nos poupa de muitos detalhes, focando diversas vezes na expressão facial dos castigados, e outras vezes deixando a violência em um segundo plano desfocado, demonstrando a banalidade do castigo, que não causava espanto a ninguém.

Também não é deixado de lado a indiferença dos negros livres frente aos escravos, exemplificado no papel de uma ex-escrava que se casa com seu mestre e passa a se comportar como qualquer outra sinhá, exibindo indiferença frente aos cativos, pois considera este um preço baixo a se pagar para viver bem.

Chiwetel Ejiofor tem todos os méritos para ganhar a estatueta de melhor ator. Ao longo do filme notamos a transformação em sua postura física, pois quando livre, andava com altivez e tranquilidade. Logo que é capturado se mostra indignado e furioso. No começo de suas funções com escravo busca mostrar suas aptidões e sua instrução, rivalizando com os rudes agregados de seu mestre (postura pela qual irá se arrepender amargamente). E já no final já apresenta uma postura resignada, andando com os ombros contraídos e falando de forma submissa com os brancos.

Além do protagonista ainda temos excelentes atuações dos outros indicados aos Oscars de coadjuvantes, o ótimo Michael Fassbender (o Magneto de X-Men: Primeira Classe), como o segundo senhor de Solomon, e de Lupita Nyong´o, no papel da escrava eficiente e alvo da luxúria de seu patrão.  Ainda formam o elenco outros atores de renome, como Paul Dano, Paul Giamatti, Benedict Cumberbatch e Brad Pitt, sendo o heroi da história, como de costume (e, sendo ele um dos produtores do filme, não deve ter sido difícil escolher este papel).

12 Anos é um filme extremamente pesado e que leva o público às lágrimas. E como histórias de superação frente as adversidades sempre são apreciadas pela Academia de Cinema, é quase certo que leve a estatueta principal neste ano.

Nota: 9


21 de fevereiro de 2014

Clube de Compras Dallas

Pagando bem, que mal tem

Dallas Buyers Club, Dir: Jean Marc Vallée, EUA, 2013, 117 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0790636/


Candidato aos Oscars de melhor filme, melhor ator (Matthew McConaughey) e melhor ator coadjuvante (Jared Leto), Clube de Compras Dallas retorna à década de 80 e aos primórdios da descoberta da Aids. Ron Woodroof (McConaughey), eletricista por profissão e picareta por diversão, descobre ser HIV positivo e que, segundo o médico que o atende, tem somente 30 dias de vida. Como à época, a Aids ainda estava confinada a grupos de risco, como usuários de drogas injetáveis e homossexuais, o rude e homofóbico Ron reage furiosamente à notícia, como se seu diagnóstico fosse uma afirmação de que ele é gay.

Ao longo do filme, veremos que o prognóstico de 30 dias de vida estava completamente equivocado. Aliás, médicos "videntes" são um fenômeno um tanto quanto recorrente na sociedade. De qualquer forma, Ron, após se informar melhor sobre a doença e aceitar que contraiu o vírus após suas inúmeras relações sexuais desprotegidas com prostitutas e outras mulheres promíscuas, passa a buscar tratamento. À época o AZT ainda era uma droga em fase experimental, de modo que não era possível comprá-la, e seu único caminho legal seria aceitar se submeter aos testes, podendo receber a droga placebo. Como não aceita isso, Ron passa da dar seus pulos.

Trambiqueiro de longa data, o protagonista percebe que pode ganhar dinheiro vendendo o tratamento a diversos infectados, tornando-se sócio da travesti Rayon (Leto), que tem contatos na comunidade infectada. Daí o nome do filme, pois eles obtem enorme sucesso vendendo a associação ao clube de compras que oferece os medicamentos necessários para o tratamento por meio do pagamento de mensalidade. Aliás, os remédios que fornecem são outros que não o AZT, o que provoca a ira da indústria farmacêutica, ansiosa por emplacar a droga mais cara da história como a única viável ao tratamento, apesar de, ao menos em sua fase inicial, ser altamente tóxica.

Os dois atores principais, os galãs Leto e McConaughey (o nomezinho difícil de se soletrar) passaram por incrível transformação física. De homens sarados tornaram-se raquíticos para os papéis. Como essas transformações chamam a atenção da Academia, como nos mostram muitos exemplos, o maior de todos sendo o de Charlize Theron que inacreditavelmente ficou feia para Monster: Desejo Assassino (clique aqui para ver), vieram as indicações aos prêmios. Felizmente as indicações não se devem somente à mudança física, pois ambos estão bem no filme, especialmente o protagonista, que só vinha fazendo papéis bobos em comédias românticas.

Clube trata de um tema ao mesmo tempo pesado e interessante. Como mostra a luta de uma pessoa contra o sistema, tem sido comparado a Erin Brockovich. Mas a direção e roteiro são um tanto quanto quadrados, faltando algo que qualifique Clube como um grande filme.

A mensagem que o filme deixa é que mesmo um caipira machista como Ron pode perceber que o preconceito contra o diferente somente existe pela ignorância, fazendo com que possamos acreditar que o entendimento e o carinho entre as pessoas é algo viável.

Nota: 6

20 de fevereiro de 2014

Ela

Amor real?

Her, Dir: Spike Jonze, EUA, 2013, 126 min
IMDB: clique aqui


Mais um concorrente ao Oscar 2014, Ela se passa em um futuro próximo, no qual a no qual o sistema operacional dos smartphones, mais do que simplesmente obedecer comandos por voz, passa a interagir com seus usuários, conversando como se fosse uma pessoa normal, o que inclui contar piadas, ter voz ofegante, querer saber fofocas, dentre outros atributos humanos. 

O protagonista Theodore (Joaquin Phoenix) é um solitário escritor de cartas pessoais que está em processo de divórcio e adquire o novo sistema operacional OS¹ (clara referência ao iOS dos iPhones). Em seu contato inicial com o sistema (na voz de Scarlett Johanson, que merecia estar concorrendo ao Oscar pela vida que injeta na personagem virtual), este pergunta seu nome e ela diz que é Samantha, pois o escolheu entre todos os milhares de nomes possíveis em milésimos de segundo, demonstrando desde logo a assimetria que existirá entre eles quanto ao tempo de aprendizado.

O filme passa a abordar então a maneira como Theodore se relaciona com Samantha, numa metáfora sobre como é que nos relacionarmos uns com os outros. 

Quando eu conto a sinopse do filme, ou seja, um cara que se apaixona pelo sistema operacional, as pessoas riem em tom de deboche e estranhamento. Mas, curiosamente, o filme transforma essa estranha relação em algo bastante concreto em poucos minutos. Afinal, o que são os nosso relacionamentos reais? Amamos o que, afinal? O corpo da pessoa ou sua personalidade? Se é uma questão de personalidade, Samantha não fica devendo nada a ninguém, dada sua capacidade de interagir, evoluir e se adaptar.

Com base nesse relacionamento, o filme vai colocar situações sobre como nos portaríamos frente a esta possibilidade de sermos amigos de nossos computadores. Na estória, em pouco tempo, torna-se muito comum e socialmente aceitável que as pessoas namorem seus sistemas operacionais. Mas persiste o problema de que a relação se dá com um ente incorpóreo, que não compartilha de nossa limitação física de somente poder estar em um local em dado momento, assim como não tem nossa única certeza, de que iremos morrer.

O tema não é fácil de ser trabalhado, poderia facilmente cair num estranhamento de apresentar o protagonista como um doido varrido ou, por outro lado, ir pro sentimentalismo de mostrar uma linda estória de amor entre Theodore e Samantha. Mas o diretor e roteirista Spike Jonze (da comédia cult e maluca Quero Ser John Malkovich) conduz sua obra de maneira magistral, mostrando, enfim, a miséria humana em sua busca por afeto.

Aproveito para traçar um paralelo entre este filme e outro sensacional sobre como se dão nossos relacionamentos em meio a revolução digital, que é Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual. Aos que gostarem de Ela, recomendo este, mais adaptado ao nosso presente e a realidade de metrópoles caóticas.

Ela se insere no renascimento do gênero da ficção científica. Digo renascimento porque a revolução digital foi mais surpreendente do que a ficção, fazendo com que poucos se aventurassem, entre 1990 e 2010, a imaginar o futuro.

Agora, que temos mais claro para onde tal revolução caminha, surgem filmes como Ela e o novo Robocop, nos quais o temor anterior de que os computadores tornariam-se inteligentes e iriam nos matar, como em 2001 - Uma Odisséia no Espaço ou O Exterminador do Futuro, cede lugar a um casamento já consolidado entre seres humanos e máquinas e aos limites éticos nessa relação quase simbiótica.

Finalizando, deixo novamente o link de uma coluna de Contardo Calligaris abordando o assunto do relacionamento com uma máquina: Amor de Máquina.

Nota: 9

18 de fevereiro de 2014

Capitão Phillips

Piratas sem glamour

Captain Phillips, Dir: Paul Greengrass, EUA, 2013, 134 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1535109/



Baseado na história real de um sequestro do cargueiro Maersk Alabama na costa da Somália em 2009, Capitão Phillips reconstrói os momentos de tensão vividos pela tripulação americana e por seu protagonista, interpretado pelo sempre competente Tom Hanks. 

A Somália, terra dos piratas retratados, mal é um país, pois somente 10% de seu território é controlado pelo governo. O restante é controlado por chefes locais. Além disso tudo, o país fica em uma rota estratégica para grande parte da navegação internacional, o chifre da África, sendo portanto, quase que uma consequência lógica que a região seja cenário de ataques de piratas, que em nada lembram um Jack Sparrow.

O filme, como dito, é uma reconstituição da tensão da abordagem pelo grupo de piratas ao cargueiro, aproximando-se bastante de um filme de ação, nesse sentido, com criminosos sempre ameaçando a vida da tripulação.

Mas seu maior mérito, reside, em não colocar os piratas como africanos pobres, sujos e malvados inimigos da América. Sim, eles não deixam de ser africanos pobres e sujos, mas não necessariamente são animais sem coração. Todo o duro contexto em que eles vivem praticamente os impulsiona em direção ao cometimento de crimes. O melhor diálogo do filme se dá entre o Capitão e o chefe dos piratas (ótima atuação do novato somaliano Barkhad Abdi), no qual Phillips argumenta que ele poderia fazer algo além de ser um pescador ou um sequestrador, ao que ele responde "Talvez na América, irlandês, talvez na América", demonstrando a falta de opções causada pela miséria.

No final o filme esbarra numa glorificação do bom serviço das forças especias dos militares americanos, que, obviamente, tiveram seus méritos no sucesso do resgate, mas fica aquela mensagem de "Não mexa com a gente".

Nota: 7

17 de fevereiro de 2014

Trapaça

Te peguei

American Hustle, Dir: David O. Russell, EUA, 2013, 138 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1800241/



Um dos campeões de indicação ao Oscar 2014, Trapaça tem a direção de David O. Russell, que em seus últimos dois trabalhos, O Vencedor e O Lado Bom da Vida, foi indicado por ambos aos prêmios de melhor diretor e de melhor filme. 

Para ampliar essa vitrine de indicações, ele trouxe a esta nova produção 4 atores que estiveram envolvidos nessas duas produções anteriores: os já "oscarizados" Christian Bale (o Batman, no look "esconde a careca") e Jennifer Lawrence (de Jogos Vorazes) além de Bradley Cooper (da série Se Beber não Case) e Amy Adams (a Lois Lane de O Homem de Aço). Com esse elenco estelar conseguiram a façanha de ter 4 atores indicados a todas as categorias, algo que já havia sido feito por Russel no ano passado, com O Lado Bom, o que não ocorria há mais de 30 anos (para ver a lista dos filmes que já conseguiram isso, clique aqui).

Mas deixando de lado essa análise curricular, vamos ao filme. Trapaça envolve um pequeno e bem sucedido golpista, Irving Rosenfeld, vivido por Bale. Apesar de seu excelente know-how, Rosenfeld é precavido e não se aventura a grandes golpes e vive enganando gente simples endividada em um cenário de crise econômica do final dos anos 70 nos EUA, prometendo empréstimos que nunca saem. Para melhorar sua "credibilidade", a ele se junta sua amante, Sidney, ou "Lady Edith" (Amy Adams), que se finge de aristocrata britânica para tornar a farsa da linha de crédito com ingleses mais factível.

Suas vidas seguiam seu curso normal de pilantragens quando são pegos pelo agente do FBI Richie di Masio (Bradley Cooper) que os convence a conseguir a liberdade se os ajudar a pegar peixes grandes, como políticos corruptos. 

Mas o destemor de di Masio só é menor que sua ingenuidade. Do alto de sua cabeleira encaracolada moldado com mini bobs, ele acredita ser fácil pegar mafiosos e grandes corruptos com uma armadilha simples e rápida, ignorando que não dá pra cometer erros com gente assim.

Essa será a trama principal da estória, e para isso irão manipular um bem intencionado e ambicioso prefeito de Nova Jersey (Jeremy Renner), a conseguir convencer outros políticos corruptos a permitir investimentos ilícitos para reativar os casinos de Atlantic City.

Trapaça consegue ser, ao mesmo tempo, triste e divertido. Divertido pelas situações inusitadas em que os personagens se colocam. E triste por demonstrar a carência humana e a necessidade de tentar ser o que não se é. Todos criam ilusões para tentar amenizar a dureza de suas vidas, o que se vê em seus onipresentes trajes chamativos.

Como já passei pelos currículos dos atores, vale analisar seus trabalhos. Bale está excelente como o pequeno golpista bonachão que engana as pessoas passando uma credibilidade de "amigão que vai estar lá quando você precisar". Adams conseguiu a maior coleção de decotes já vista no cinema não "adulto" e está excelente no papel de amante ressentida por não ser a titular. Lawrence é a esposa desocupada e manipuladora de Rosenfeld que sempre diz o que não deve. E Cooper, como já mencionado, é o enérgico e não muito esperto agente do FBI.

Trapaça segue a linha dos filmes de golpes, como Um Golpe de Mestre e Nove Rainhas, em que os espectadores sempre têm de ficar atentos para não serem enganados também. Mas só pela trama, porque a qualidade do filme é uma das poucas coisas genuínas.

Nota: 8

11 de fevereiro de 2014

A Caça

Criança não mente

Jagten, Dir: Thomas Vinterberg, Dinamarca/Suécia, 2012, 115 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2106476/?ref_=nm_knf_i1



Concorrente do Oscar de melhor filme estrangeiro, A Caça retrata a estória de um professor do jardim de infância, que, repentinamente, é acusado por uma de suas alunas de ter cometido abuso sexual.

Desde o princípio, sabemos que o protagonista Lucas (o excelente Mads Mikkelsen, que interpretou o vilão LeChifre em Casino Royale) é inocente, que a menina que o acusa, Klara, simplesmente ficou bravinha por ter tomado uma bronca dele por tê-lo beijado na boca. Como tinha visto um filme pornô mostrado pelo amigo de seu irmão adolescente, fingiu ter usado a imagem que vira, de um pênis ereto, como se tivesse sido Lucas que mostrara para ela.

Curioso é que ninguém contesta o testemunho de uma criança, mesmo com todos sabendo que Klara, tem uma imaginação muito fértil. E a partir daí, a suspeita se torna certeza.

Vivesse Lucas em uma metrópole e suas complicações teriam sido mais simples, pois em cidades assim a impessoalidade permite que nos escondamos na multidão. Mas Lucas vive em uma cidadezinha bem pequena, onde todos se conhecem. Uma acusação dessas leva o fim de sua vida social, sendo hostilizado até mesmo para fazer comprar no supermercado. Passamos o filme inteiro comovidos com o drama pessoal de Lucas, com um sentimento de incômodo e de injustiça.

As consequências: um inocente é seriamente punido em meio a isso ou, trazendo a discussão para nosso cotidiano, um rapaz suspeito de assalto é espancado, desnudado e amarrado a um poste.

A Caça vem em boa hora nesses tempos de polarização de posições políticas, em que as pessoas nem precisam saber direito o que aconteceu para decidir seu lado. Ou seja, se uma menina disse que seu professor lhe molestou, é verdade inquestionável!

Qualquer um que acredite minimamente em Justiça deve saber que Justiça, tal qual a figura estampada em tribunais, é uma senhora cega, que somente usará a espada após ter feito a pesagem dos fatos. Só que em nossos tempos, poucos querem se dar o tempo de pesar os fatos, quase todos já querem sair sacando a espada e ir resolvendo as coisas.

A pedofilia é um tema que está na pauta em todo o mundo, especialmente em meio aos casos vergonhosamente encobertos pelo Vaticano. Mas é claro, qualquer caso deve ser cuidadosamente analisado. Não é porque vários padres foram acusados de pedofilia que todos esses são culpados. E pior ainda, achar que todo e qualquer padre é um pedófilo. Generalizações são sempre perigosas, e quase sempre injustas.

Esses tempos de paranoia com relação a segurança são terríveis. Dá até medo de brincar com crianças, pois seus pais podem interpretar qualquer atitude, especialmente um toque, algo praticamente essencial ao brincar, como abuso. E com isso vamos criando um mundo mais frio e assustado.

E acreditar, como as personagens do filme, que criança não mente, é uma enorme bobagem. Pesquisas científicas e a experiência prática demonstram que desde bebês aprendemos a mentir em benefício próprio.

Triste constatar que vivemos em um mundo tão injusto, em que uma acusação absolutamente infundada pode prejudicar uma vida para sempre.

Nota: 9

10 de fevereiro de 2014

O Lobo de Wall Street

Malandro é malandro, mané é mané


The Wolf of Wall Street, Dir: Martin Scorsese, EUA, 2013, 180 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0993846/



Imagine o que um bando de vagabundos iria fazer se ganhasse muito dinheiro. É isso que você imaginou que é retratado em O Lobo de Wall Street, uma sucessão imensa de exageros, com diversões adolescentes, drogas, sexo e palavrões.

Baseado na história real de Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), um corretor da bolsa que percebe que pode ganhar muito dinheiro vendendo ações de companhias minúsculas para gente da classe trabalhadora que acredita na ilusão de que irá ganhar milhões. E com isso ele consegue taxas de corretagem de 50%, enquanto que corretores de ações convencionais ganham muito pouco, cerca de 1%. Para isso ele monta um time com experiência em vendas, só que todos envolvidos com drogas, crimes e picaretagem. Em suma, pequenos mafiosos que vão encontrar um novo nicho no mercado acionário.

Fazia tempos que eu não ria tanto em um filme. Os exageros são hilários, e bem politicamente incorretos, como o arremesso de anões em alvos e o machismo que se faz presente em todo o filme. E coisas absurdas, como os corretores pensando na contratação de anões, e discutindo seriamente que não se pode olhar nos olhos dos baixinhos. Mas nenhuma cena se compara a passagem em que Popeye está passando na TV. Não vou contar pra não estragar a diversão de quem ainda quer ver.

DiCaprio tem em suas mãos um personagem megalomaníaco, que vive tudo com a máxima intensidade. E não decepciona, tem que fazer de tudo um pouco, alguns ataques histéricos, crises de overdose, momentos de convencer trouxas, arroubos de violência e até alguns momentos de seriedade. Não só por esse filme, mas pelo conjunto da obra, acho que ele já merece um Oscar, pois desde Titanic ele sempre está bem em seus papéis.

E no fim, fica aquela sensação de que um estelionatário engana aos outros porque sempre tem algum bobo de boca aberta pronto pra acreditar em qualquer coisa.

Nota: 8

3 de fevereiro de 2014

Azul é a Cor Mais Quente

E eu gosto de meninos e meninas


La vie d`Adèle, Dir: Abdellatif Kechiche, França/Bélgica/Espanha, 2013, 179 min
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Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2013, Azul é a Cor Mais Quente causou muita polêmica por, alem de envolver um amor lésbico, ter cenas de sexo muito pesadas, bem mais fortes que o "polêmico" beijo gay da novela das nove. Obviamente, como sempre, quem é homofóbico e está feliz sendo assim, melhor passar longe, pois vai dizer que é só uma sem-vergonhice, apologia à homossexualidade, "o que vão ser de nossas crianças" e outros argumentos ultraconservadores. Agora, quem acha que tudo isso é besteira, que o desejo é inato e que não será um filme que vai fazer alguém preferir A ou B, pode gostar do que verá.

O filme, em suas 3 horas, vai num ritmo lento, mas não o achei arrastado ou enrolado. Não se vê, contudo, pressa em contar a estória. Muitas cenas são do cotidiano banal de Adele, com a câmera muitas vezes focada em seu rosto, mostrando a sutileza de seu estado de humor enquanto tenta se descobrir no mundo.

A trama acompanha Adele (a naturalmente bela Adele Exarchopoulos) bem de perto, como muitos closes em situações bem íntimas dela, como babando ao dormir, numa busca do diretor em torná-la uma pessoa qualquer, sem nada de especial. A primeira parte do filme mostra Adele na escola descobrindo a vida sexual, com um ficante que não combina nada com ela, mas a trata bem. Após sua primeira relação sexual ela diz que "foi demais", enquanto sua expressão facial mostra um tédio total. Tanto que não demora para encerrar este caso.

Aí surge em sua vida Emma (Léa Seydoux, a assassina de Missão Impossível 4 e a moça do antiquário em Meia Noite em Paris), a garota do cabelo azul, com a qual ela se encanta no primeiro olhar. Ao contrário da tímida e simples colegial Adele, Emma é uma pintora e estudante de artes, intelectualizada, engajada politicamente e já experiente sexualmente. Mas percebe que para conquistar Adele terá de ir aos poucos, pois existe a barreira da homossexualidade, e Adele vive em um ambiente bem conservador, tanto quanto a sua família quanto a seus amigos, bem diferente de Emma, habituada ao mundo de intelectuais e artistas.

A segunda parte do filme já mostra a fase adulta de Adele, após passar a viver junto com Emma e a dificuldade do relacionamento, como qualquer outro, acrescido da dificuldade em ter convívio social normal tentando esconder sua homossexualidade.

O filme não pretende ser uma bandeira para o movimento gay. Adele não está interessada em defender nenhuma causa, como mostra seu desinteresse em uma parada gay e seu esforço para se divertir neste ambiente. Adele somente quer amar.

Não que o filme não trate do preconceito. Uma das melhores cenas é com as "amigas" de escola de Adele, que, ao verem ela caminhando junto a Emma na saída da aula, fazem um interrogatório no dia seguinte, e uma das integrantes da patota questiona se ela não tinha outra intenção quando foi dormir em sua casa. Como se a orientação sexual de alguém impedisse de ter amigos do gênero pelo qual tem desejo.

Muitas coisas não são ditas no filme, o que faz com que seja necessário que se leia as expressões faciais das atrizes, e que se compare situações distintas em diferentes momentos, como a comparação da intensidade de Adele em sua relação sexual com seu ficante da escola e com Emma, ou como se dá a aproximação entre esses e a protagonista.

Azul é a Cor Mais Quente é uma demonstração daquilo que já diziam os Titãs, "todo mundo quer amor".


Nota: 9


20 de janeiro de 2014

Blue Jasmine

Meu mundo caiu


Idem, Dir: Woody Allen, EUA, 2013, 98 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2334873/



Woody Allen lança um filme por ano há mais de quarenta anos. Em 2013 não foi diferente, e este é seu produto, filme que disputa o Oscar de roteiro original, atriz principal e atriz coadjuvante

>Blue Jasmine, ótimo título, brincando com a ambiguidade entre a flor jasmim azul e a protagonista do filme, a triste Jasmine (Cate Blanchett), traz a história de uma mulher que era milionária e frequentadora da high society de Nova York que perde tudo e vai morar com a irmã pobre, Ginger (Sally Hawkings), em São Francisco.

Jasmine perdeu tudo, o dinheiro, os imóveis, o prestígio social, o marido que se matou após ser preso por golpes financeiros milionários, e o enteado que fugiu de tudo isso, mas não perdeu a pose. Já na abertura do filme está voando em primeira classe, usando roupas de grife e dando alta gorjeta para o taxista carregar suas bolsas Louis Vuitton. E confrontada pela irmã a aceitar um padrão de vida bem inferior ela é resistente, tentando retomar o caminho de pessoa bem sucedida que tinha traçado antes de se casar, de estudar e conseguir destaque profissional, algo que não fez por ter aceitado o papel de bem sucedida esposa dondoca.

O filme passa a ser então uma narrativa construída no contraste entre o presente difícil e o passado glorioso de Jasmine, por meio de diversas cenas de flashback. Jasmine encontra muita dificuldade em descer do salto alto, ter de aceitar que deve trabalhar em um emprego de baixas qualificação e remuneração, pois não teve estudo ou experiência para coisa melhor

É interessante notar que Jasmine, que perdeu tudo em razão do patrimônio de seu marido ter sido construído em cima de trapaças, repete o padrão ao tentar falsear seu passado. Exemplo disso é que ela decidiu mudar seu nome, que era Jeanette, ainda na adolescência. E irá criar todo um passado suavizado sobre sua vida de rica, omitindo toda a sujeira da fortuna do marido ao conhecer um pretendente "adequado", ao contrário dos homens rudes e grosseiros que sua irmã tenta lhe apresentar e que ela considera perdedores, como o ex e como o futuro marido de Ginger.

Cate Blanchett está excelente no papel de Jasmine, personagem que, além de toda a carga pelo trauma que carrega, é descontrolada e começa a reclamar da vida até mesmo andando sozinha na cidade. Das concorrentes ao Oscar só vi a atuação de Sandra Bullock, e diria que é difícil escolher entre as duas, pois esta tem de carregar Gravidade praticamente sozinha.

Blue Jasmine é um filme que trata sobre a dificuldade das pessoas em virem seu mundo cair, e como construímos nossas certezas em cima de coisas precárias, ou, como colocado no filme, a tentativa de não querer ver as coisas como são, olhar para o outro lado, como faz Jasmine em relação a suspeita fortuna de seu marido.

Como mencionei Gravidade, interessante até fazer um paralelo com este, no qual a protagonista também viu seu mundo cair com a morte da filha, e teve de acreditar que não se deveria deixar abater por esse fato e seguir em frente. Esse é o dilema, ou deixar o passado para trás e encarar a vida, ou cair e não se levantar mais.

Nota: 8

16 de janeiro de 2014

Pais e Filhos

A difícil arte de ser pai

Soshite chichi ni naru, Dir: Hirokazu Kore-eda, Japão, 2013, 121 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2331143/


Vencedor do último Prêmio do Juri do Festival de Cannes, Pais e Filhos, trata, em tese, do raro e complicado tema da troca de bebês. As famílias de Ryota e Midori Nonomiya e de Yukari e Yudai Saiki descobrem que seus filhos, com 6 anos de idade, Keita e Ryusei, foram trocados na maternidade. 

Disse que esse é o assunto "em tese" porque a história, apesar de tratar bem da questão dos meninos trocados, gira em torno da dificuldade de Ryota em ser um bom pai, pois, acima de tudo, quer que seu filho seja forte e independente, como ele, um arquiteto workaholic bem sucedido. Por isso, acho que mais adequado seria se o título adotasse uma tradução literal do título em inglês, "Tal Pai, Tal Filho".

Desde o começo nota-se toda a pressão que Ryota impõe a Keita, e não compreende como seu filho pode ser tão diferente de si, um fruto que caiu longe da árvore. Tanto que a primeira coisa que diz ao descobrir a troca é a abominável frase "Isso explica muita coisa", demonstrando que, de cara, já preferiria que seu filho fosse diferente e melhor saber que Keita não é seu filho. A família que ficou com Ryusei, o filho biológico de Ryota, corresponde ao oposto de sua maneira de se portar e viver a vida. Pobres (para um padrão japonês, obviamente), ele é dono de uma pequena loja de produtos elétricos e ela garçonete, são afetuosos e desleixados na criação de seus três filhos. 

Nem é preciso muitos diálogos para se estabelecer tal padrão, pois no primeiro encontro entre os casais Kiudari já chega despenteado e com o terno mal ajustado, ao contrário de Ryota, sempre impecavelmente vestido, além da linguagem corporal diversa, pois um é atrapalhado, sendo o outro marcado por gestos milimetricamente planejados. Tal contraste acentua as diferenças entre os núcleos familiares e torna ainda mais marcante a frieza de Ryota. 

O filme é muito bom desde a primeira cena. O talento do diretor e roteirista Kore-Eda é notável, exemplificado pelo fato de não haver cenas ou diálogos desnecessários. A sensibilidade com que trata de um tema tão complicado também é admirável. Fico pensando que se tal tema fosse tratado por uma Glória Perez da vida, que sempre trata de tema complexos de maneira patética. Seria uma novela inteira com a Deborah Secco chorando rios por isso. Kore-Eda coloca somente os choros necessários, e nos faz chorar com a dureza da situação. 

Pais e Filhos lida com o problema contemporâneo dos pais que não tem tempo para os filhos, e que cobram desempenho destes, nos levando a pensar em como devemos agir como pais para ter filhos felizes. 

Nota: 10

15 de outubro de 2013

Gravidade

Perdidos no Espaço

Gravity, Dir: Alfono Cuáron, EUA/Reino Unido, 2013, 91 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1454468/




Filme sensação do momento, após ter sido ovacionado no Festival de Cannes e elogiadíssimo pela crítica, Gravidade, tem uma trama relativamente simples: uma dupla de astronautas vividos por George Clooney e Sandra Bullock têm de se salvar após uma colisão de detritos espaciais com o ônibus espacial no qual estão. Pouco depois, descobrimos que a personagem de Sandra Bullock tem dúvidas sobre se quer lutar por sua vida, pois ainda vive o luto pela morte de sua única filha de 4 anos de idade.

Dito assim, o filme pode parecer sem graça. Talvez quem goste somente de filmes-cabeça, com tramas complexas ou filosóficas, veja Gravidade somente como um filme de ação. Mas nem só dessas tramas "mais complexas" vive o cinema. Assim, o filme se encaixa na linha dos primeiros tempos de Spielberg, como Encurralado (Duel), no qual um sujeito normal sai de casa e de repente se vê perseguido por um caminhão, ou o ultrapopular Tubarão. Nessa linha de tramas simples mais recentes destaco ainda o excepcional Drive. Assim, não há qualquer demérito na simplicidade do roteiro. Especialmente por manter a crueza dos desafios reais no ambiente hostil, sem se render a câmeras lentas, músicas dramáticas ou outros recursos emotivos.

O ponto alto de Gravidade com certeza é seu espetáculo visual. Nenhum filme anterior que teve o espaço como cenário nos fez sentir tanto neste ambiente. Este definitivamente é um filme para se ver em 3D e se sentir imerso na imensidão celestial. Aposto que o Oscar de efeitos especiais já tem dono. E só pelo esforço físico Sandra Bullock já merece disputar o de melhor atriz.

Depois de ver o filme, acho que as pessoas terão de rever aquele velho sonho de ser astronauta.

Nota: 8

8 de outubro de 2013

Idiocracia

Dãããããã


Idiocracy, Dir: Mike Judge, EUA, 2006, 84 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0387808/






Após várias gerações nas quais as pessoas mais inteligentes demoravam para se reproduzir, gerando, quando muito, um só descendente, e os "menos favorecidos intelectualmente" iam povoando o mundo, a Terra se vê coberta por uma humanidade completamente idiota em 2505. Esse é o futurismo proposto em Idiocracia.

Joe Bauers, ou Not Sure (Luke Wilson) é o protagonista da estória. Colocado em hibernação em 2005, é esquecido dentro de seu sarcófago após o projeto ser cancelado pelo exército dos EUA. Ele havia sido escolhido devido à sua incrível mediocridade, pois era um "homem médio" em todos os quesitos.

Quando acorda, em 2505, encontra um planeta imundo, povoado por quase débeis mentais, que vivem de repetir bordões de comerciais da TV, gírias e palavrões, quando conseguem exprimir mais do que 3 palavras. Num ambiente como esse, é fácil ser o sujeito mais inteligente, o que acontece com Joe. Aliás, por conseguir articular minimamente suas frases, sem falar gírias nem grunhir, todos o veem como efeminado.

Bem, a partir daí a estória segue um ritmo de ação no qual Joe é preso, considerado a pessoa mais inteligente do mundo após testes estúpidos de QI, nomeado ministro, condenado à execução pública dentre outras desventuras.

O diretor do filme é Mike Judge, mais conhecido por ser o criador da dupla de idiotas Beavis e Butt-Head. Não acompanhei muito o seriado, mas a impressão que se tem é que ele quis imaginar um mundo povoado por idiotas como seus famosos personagens, que ficam rindo, grunhindo e só pensam em sexo.

O filme é cheio de boas tiradas. Um julgamento em que o juiz é um showman e no qual o advogado de defesa passa a acusar seu cliente, em meio a argumentações vazias, um presidente que é ex campeão de luta livre (lembram de algum ex governador da Califórnia?), uma arena mistura de coliseu com estádio de futebol com a torcida vibrando pra ver destruição e um cinema com as pessoas rindo de uma bunda que fica em cena ao longo de toda a projeção (que me lembram os frequentadores do Cinemark que gargalham a cada ironia sutil de filmes dramáticos) são alguns dos bons momentos.

O pior de tudo no filme é perceber que na brincadeira, há um belo fundo de verdade. Tenho a sensação de que o mundo está emburrecendo, por mais contraditório que pareça em um ambiente no qual transborda informação. Mas, tal contradição é aparente, pois a informação cada vez tem menos qualidade. Basta ver na página do UOL quais são as notícias mais lidas. Quase sempre são sobre fofocas de celebridades. Com tanta informação disponível as pessoas ficam com preguiça de pensar. Um mundo de alienados, como no livro clássico Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

Duvido que quem assistir não vai pensar que talvez este seja nosso destino.

Nota: 7

23 de agosto de 2013

Hannah Arendt

Banalidade do Mal

Idem, Dir: Margarethe von Trotta, Alemanha/França/Luxemburgo, 2012, 113 min
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1674773/?ref_=sr_1


Hannah Arendt é considerada uma das maiores filósofas do século XX, sendo seu livro mais conhecido Origens do Totalitarismo, no qual causou grande polêmica ao comparar o nazismo ao stalinismo, vistos como duas faces da mesma moeda do totalitarismo.
O filme trata de um período posterior a este livro, quando ela vai, a serviço da revista The New Yorker, fazer a cobertura do julgamento do líder nazista Adolf Eichmann pelos israelenses. Eichmann era responsável pela logística de embarcar prisioneiros nos trens que seguiam para os campos de concentração, sendo que a morte destes prisioneiros, em sua maioria judeus, era quase uma certeza. Após a guerra, Eichmann conseguiu escapar da Alemanha e, anos depois, foi capturado pelo Mossad, o serviço secreto israelense em Buenos Aires, e levado a Jerusalém.

Todos esperavam então ver um monstro no tribunal, um nazista cruel sem o menor respeito à vida. Alguns viram o que esperavam, até porque o ódio despertado pelo genocídio ainda era muito recente. Mas Hannah Arendt tentou ver o homem, sem preconceitos, e ficou chocada ao perceber que ele não era nenhum monstro, mas um homem comum, um simples burocrata, que tinha a convicção de que apenas seguia ordens e que não tinha responsabilidade alguma pelas mortes das pessoas, pois, afinal, "somente as colocava dentro do trem".

Com isso, Arendt notou que diferentemente do que diz o senso comum, o Mal não é algo inato, um defeito de caráter ou algo do gênero. O Mal pode ser banal, como ela entendeu ao criar o conceito de "banalidade do mal". Eichmann era uma pessoa medíocre, não era nenhum gênio do mal ou um pervertido. Apenas abidicara de sua capacidade de discernir entre o que é certo e o que é errado, o que, para Arendt, é a característica masi marcante no pensamento humano.
Como toda ideia que fere o senso comum, esta causou polêmica, da mesma maneira que há poucos anos causou o excelente filme A Queda: As Últimas Horas de Hitler ao humanizar a figura do fuhrer. É muito mais fácil para o senso comum entender que Hitler era simplesmente um monstro sádico do que entender que ele era um homem comum que cometeu uma série de atrocidades, e que nós também podemos fazer o mesmo, pois, afinal, o "monstro" reside em nós.

Mas a maior revolta foi causada pela sua coragem em querer analisar o papel de alguns líderes judeus que colaboraram com os nazistas na organização do sistema. Esse foi o fator para que muitos até jurassem Arendt de morte e a considerassem uma traidora, pois ela era judia e até mesmo passara por um campo de concentração. Há muito de interesse político aí, pois a própria existência do Estado de Israel se deve em grande parte ao genocídio nazista e a ideia de martirização do povo judeu. Se se ataca tal martirização fica difícil justificar o sionismo, ou seja, a necessidade da existência de um Estado próprio em que o povo judeu possa viver sob suas leis.

O filme é um pouco "quadrado". Há uma certa repetição de "cenas reflexivas" de Arendt, com ela pensando com expressão séria ao lado de seus inseparáveis cigarros enquanto ouvimos uma música dramática tocada bem alto. Tecnicamente o que há de mais interessante é o fato de que Eichmann é interpretado por ele mesmo, ou seja, são usadas imagens reais de seu julgamento e de suas frases, o que nos permite julgar diretamente sobre o réu.

Mas o que sustenta o filme são as ideias de Arendt e sua coragem em expor suas polêmicas ideias. Como certeza muita conversa será gerada após a sessão.
 
Aliás, seguem duas ótimas colunas sobre Eichmann e Arendt, dos psicanalistas Contardo Calligaris e Francisco Daudt: 

Nota: 7

20 de agosto de 2013

Flores Raras

Amor e ciúmes


Idem, Dir: Bruno Barreto, Brasil, 2013, 118 min





Flores Raras pode causar polêmica por tratar de um tema ainda tabu que é o relacionamento homossexual. Já adianto que o filme não tem nenhuma cena muito explícita, apenas tem o tão temido "beijo gay", que a TV teme em mostrar.

Feita essa introdução, o filme baseia-se na história real do relacionamento amoroso entre a arquiteta Lota de Macedo Soares, criadora do Parque do Aterro do Flamengo e a poeta Elizabeth Bishop, ganhadora do Prêmio Pulitzer. Completando e complicando o relacionamento está Mary Morse, companheira de Lota.

Elizabeth deixa Nova York para fazer uma viagem pelo mundo e espairecer. Sua primeira escala é no Rio de Janeiro, de onde não sairá mais. Como era antiga colega de faculdade de Mary, esta a convida a ficar em sua casa. Lota fica irritada e cheia de ciúmes, temendo que esta antiga colega "roube" sua companheira. Mas o que ocorre é o contrário disso, sendo Lota quem se apaixona por Elizabeth.

A diferença comportamental entre as personagens centrais é marcante. Lota é firme, decidida e expansiva, com uma imagem masculinizada. Elizabeth é tímida, insegura, introvertida e delicada, tendo até mesmo certa fobia social.

O filme é muito sutil ao abordar o relacionamento. Se o expectador se despir de seus possíveis pudores contra a homossexualidade irá ver tão-somente um filme sobre idas e vindas do amor, ciúmes e outros temas relacionados. Além disso, as atuações são excelentes, com destaque para a sempre ótima (exceto em besteiras do tipo Se Eu Fosse Você), Glória Pires.

E a partir deste pitaco irei indicar outros textos sobre o filme tratado. Começando com um dos meus colunistas favoritos, Contardo Calligaris: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2013/08/1326590-flores-raras.shtml.

Nota: 7

12 de agosto de 2013

Antes da Meia Noite

Discutindo a relação

Before Midnight, Dir: Richard Linklater, EUA, 2013, 109 min


Continuação dos filmes Antes do Amanhecer (1995) e Antes do Pôr-do-Sol (2004). Para quem não os conhece, um breve resumo dessa ótima trilogia.

No primeiro filme os protagonistas são dois jovens, Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy), ele americano e ela francesa, viajando em um trem pela Europa que, após uma troca de olhares, ele a convida a descer em Viena e passarem um tempo juntos. Se apaixonam perdidamente e prometem um encontro para depois de seis meses no mesmo local.

No segundo filme descobrimos que Jesse atravessou o Atlântico para encontrá-la, mas Celine não apareceu. Para tentar remediar sua dor, Jesse escreveu um livro sobre o encontro e o lança nove anos depois. Quando está lançando o livro em Paris ela aparece e eles retomam o diálogo, deixando em aberto a possibilidade de ficarem juntos.

Pois bem, em Antes da Meia Noite Jesse e Celine estão juntos nove anos após o reencontro em Paris, cidade em que moram, têm duas filhas gêmeas e estão encerrando um período de férias na Grécia. E Jesse se esforça para manter o contato com seu filho do relacionamento anterior, que mora nos EUA, de quem se despede após as férias em seu retorno à América.<

Como nos outros filmes, o filme é recheado de diálogos sobre relacionamentos, o sentido da vida, como lidar com o cotidiano, as diferenças entre os sexos, dentre outros, em um período curto de tempo. E, ao contrários dos anteriores, neste há diálogos com outros personagens. Neste ponto destaco o diálogo do almoço com os gregos, no qual estão na mesa um casal bem jovem, outro casal maduro como Jesse e Celine, e dois velhos viúvos, cada um com sua visão sobre como é se relacionar.

Tentando fazer uma síntese sobre o conteúdo do conjunto dos 3 filmes, no primeiro encontramos um amor à primeira vista, com dois jovens à la Romeu e Julieta, como toda a vida para viver e com o sonho de que poderão ser felizes para sempre. No segundo encontramos duas pessoas que passaram por muitas coisas no mundo real, mas que ainda acreditam que aquele amor do passado pode dar certo. Neste último vemos o casal real que se tornaram, afogado pelos problemas do cotidiano e envolto em uma crise de relacionamento.

É improvável que qualquer casal que vive junto não consiga se ver espelhado na tela. O relacionamento real é cheio de problemas e muito distante daquele ideal de contos de fada. Aquela última frase desses livros, "e viveram felizes para sempre", é uma das maiores mentiras já inventadas. O cotidiano é duro conosco.

Assim como no último filme que comentei, O Grande Gatsby, neste também há o problema do passado que não volta. Jesse e Celine tem que aceitar que muita coisa aconteceu nos nove anos que passaram entre quando se conheceram e quando finalmente ficaram juntos. Jesse teve um filho nesse período, e isso será um dos maiores focos de problemas entre eles, apesar de Celine gostar muito do menino. Não há como apagar esse tempo, é necessário que ambos tenham responsabilidade para arcar com as consequências de ficarem juntos. Pra cada caminho que escolhemos seguir há inúmeros que indiretamente decidimos não seguir. Saber viver com essas recusas é essencial em nossas vidas.

Aconselho que quem queira ver o filme não leia este parágrafo para não estragar a surpresa. Um dos momentos mais interessantes é quando Celine, em meio à discussão, subitamente diz que não ama mais Jesse e que esse é o fim do relacionamento. Se analisarmos bem é estranho vivermos à base desse amor romântico, muito ligado em nossas paixões e nossos impulsos. Dificilmente (pra não dizer impossível) um relacionamento pode se basear somente nesse impulso da paixão. Pra suportar o terrível cotidiano, com agendas lotadas, tarefas domésticas, contas a pagar, filhos e outros problemas é necessário haver algo mais, e não  somente o sonho de um amor perfeito. Jesse se encarrega de lembrar isso à Celine na última cena.

Enfim, gostei muito desse último filme, que manteve a qualidade dos demais. Jesse e Celine são um símbolo para os casais, senão de todos, pelo menos daqueles na faixa dos 30 aos 50 anos.<

Nota: 9

21 de junho de 2013

O Grande Gatsby

O passado não volta

The Great Gatsby, Dir: Baz Luhrmann, EUA, 2013, 142 min


Nova adaptação do clássico literário dos EUA, o Grande Gatsby traz um elenco de qualidade, liderado por Leonardo DiCaprio, para interpretar uma estória excelente. 

Ocorre que a trama do livro, para chegar à tela, precisa ser adaptada, e em alguns momentos o filme se perde em querer fugir do eixo central, produzindo um espetáculo visual, na tentativa de mostrar toda a opulência construída pelo excêntrico e misterioso milionário Jay Gatsby no intuito de chamar à atenção de seu antigo amor, Daisy. 

Algo que me irritou desde o começo do filme foi o excesso de tomadas nas cenas, ou seja, os cortes da câmera. Tentei contar e não me lembro de uma tomada sequer que durasse mais de 10 segundos. Em qualquer diálogo a câmera incessantemente cortava do close de um ator para o de outro. Há também um certo excesso de ação no início do filme, mas há o mérito de reconstruir digitalmente Nova York na próspera era dos anos 1920. Mas, pra quem viu outros filmes do mesmo diretor, como Moulin Rouge e Romeu + Julieta, sabe que ele tem uma queda por esse ritmo acelerado e cenários exagerados.

Mas, apesar desses detalhes, o filme não é ruim. A partir da metade a estória fica mais densa e flui melhor, apesar de as tomadas curtas não pararem. E assitimos, com pena, toda a obsessão de Gatsby para retornar a um tempo que já se foi, quando ele conheceu Daisy e sonhava em ter uma grande vida ao seu lado.

Detalhe final: Vi em 2D. 3D pra mim só se justifica em filmes de ação, o que, pelo menos não deveria ser um com a trama de Gatsby.

Nota: 7

27 de maio de 2013

Homem de Ferro 3

O Homem da Roupa de Ferro

Iron Man 3, Dir. Shane Black, EUA, 2013, 130 min



Tony Stark está de volta após sua aventura coletiva em Os Vingadores, filme do qual não gostei por incluir dois super-heróis que já tinha achado sem graça, Thor e Capitão América, outros quase inexpressivos, Gavião Arqueiro e Viúva Negra (mesmo sendo essa interpretada pela Scarlett Johansson) e que me pareceu uma reunião de heróis com um roteiro qualquer lotado de cenas de ação e efeitos especiais só pra vender ingressos. Bem, feito essa observação, vamos falar do Homem de Ferro 3, que é o que interessa.

Nessa nova aventura Tony Stark (Robert Downey Jr, que continua muito bem no papel de herói fanfarrão) está atormentado com sua experiência junto aos Vingadores. Tem pesadelos recorrentes envolvendo o encontro com o monstro do filme anterior. E é confrontado por um terrorista poderoso, o Mandarim (Ben Kingsley), que está secretamente alinhado a um dono de um conglomerado tecnológico rival das Stark Industries, Aldrich Killian (Guy Pearce), ressentido com Tony Stark, que ignorou sua proposta tecnológica 13 anos antes. Também estão de volta a seus papéis Pepper Potts (Gwyneth Paltrow) e Coronel Rhodes (Don Cheadle), agora convertido de Máquina de Guerra em Patriota de Ferro, a mesma armadura com uma pintura que mais lembra o uniforme ufanista do Capitão América, e é debochado por Stark todo o tempo.

A maior ameaça no filme é o clã de ex-soldados contratados por Killian que tem a incrível capacidade de gerar altíssimas temperaturas corporais e se regenerarem. A não ser que percam o controle, quando explodem causando uma grande área de danos. A grande novidade em relação ao equipamento do Homem de Ferro é que agora ele controla sua armadura à distância por movimentos de seu corpo, e as peças vem voando em direção a ele. Esses efeitos são responsáveis por diversos bons momentos do filme, incluindo aqueles no qual Stark passa a armadura para Pepper.

Aliás, a relação entre Stark e Pepper é enfatizada nesse episódio, pois o primeiro é obrigado a se questionar se vale à pena arriscar a vida dela para ser o herói do dia.

O momento negativo no filme é a luta final, na qual tem umas 40 armaduras de Homem de Ferro voando por todos os lados e enfrentando os capanguinhas e Stark, ao perder uma delas, luta desarmado em parte do tempo contra o vilão. Ora, não bastava vestir uma armadura??? Risos!

Quem ainda não viu não perca a cena "escondida" que passa no final do filme, na qual será revelado que a narração em off de Stark não era dirigida a plateia. 

Concluindo, quem gosta do Homem de Ferro, verá uma aventura interessante.

Nota: 7

27 de março de 2013

Trainspotting - Sem Limites

Quem quer ser um junkie?


Trainspotting, Dir. Danny Boyle, Reino Unido, 1996, 94min





Revi recentemente este filme que incluo entre aqueles que mais me marcaram, pois foi um dos primeiros contatos que tive, em minha adolescência, com filmes não-hollywoodianos. Escrevo assim porque detesto o rótulo de "alternativo", como se somente os grandes estúdios dos EUA produzissem filmes importantes, além do que existe essa cultura besta de querer se "diferenciar".


Trainspotting traz a história de um grupo de amigos escoceses, a maioria deles usuários de heroína, uma das drogas mais pesadas. São eles o protagonista que tenta deixar o vício, Renton (o pouco conhecido à época Ewan McGregor), o cara que tenta sempre se mostrar bem sucedido, Sick Boy, o bonzinho e fraco Spud, o esportista Tommy e o machão beberrão falso-moralista Begbie.



A estória gira em torno da tentativa de Renton de deixar a vida focada no uso de heroína e viver uma vida normal. Esse é o eixo condutor do filme, pois, desde o início, se questiona o que é a vida normal. Ser bem sucedido no trabalho, ter família, filhos, carro, viagens de férias? Talvez o objetivo de todos nós seja buscar o prazer, e o uso de drogas seria apenas uma outra forma. Aliás, nesse ponto, o filme também lembra o ótimo Clube da Luta, pois mostra a tentativa de fugir da vida certinha por uma via considerada socialmente inadequada.



Algumas cenas surreais são inesquecíveis, como a do bebê engatinhando no teto, ou a do "mergulho" dentro da privada do "banheiro mais sujo da Escócia". Algumas são divertidíssimas, como aquela que dois amigos estão falando sobre sexo em uma balada, enquanto suas namoradas fazem o mesmo no banheiro. Quando se encontram as garotas perguntam sobre o que eles falavam, ao que eles cravam "futebol" e devolvem a pergunta, tendo como resposta "compras". 



Uma personagem muito marcante é Begbie. Ele é o cara que não usa drogas, mas fuma e bebe o tempo inteiro, enquanto dá lições de moral nos amigos mesmo sendo campeão em arrumar confusões em bares. 



Há muitas outras cenas fantásticas no filme, além de uma trilha sonora rockeira muito boa. A edição é um destaque à parte, pois o ritmo do filme se alterna bastante, às vezes (poucas) sendo lento, e por outras vezes se tornando um vídeo clipe. 



A excelente direção é de Danny Boyle, que posteriormente foi merecidamente premiado com o Oscar de melhor diretor por Quem Quer Ser um Milionário?.



Trainspotting é um filme bem pesado, mostrando as pessoas se drogando de maneira muito realista, tendo sido por alguns considerado apologista ao uso de drogas. Não vejo assim, pois ao mesmo tempo em que mostra que a droga dá um imenso prazer imediato (se assim não fosse, ninguém usaria), mostra a destruição que ela pode causar, especialmente na estória sobre Tommy. Talvez seja até moralista, ao mostrar que o caminho pra quem fica nas drogas é, quase sempre, o da ruína. Assim, tem um paralelo também com Réquiem para um Sonho, que trata da dependência de maneira mais genérica.



Como o filme é a adaptação de um livro de mesmo nome, há discussões sobre Danny Boyle dirigir a adaptação da sequência, Porno, contando o destino das personagens alguns anos depois.



Nota: 10

12 de março de 2013

O Som ao Redor

Casa-Grande & Senzala


Idem, Dir. Kleber Mendonça Filho, Brasil, 2012, 131min


Filme que tem recebido excelentes críticas e esteve envolvido em uma polêmica após um comentário maldoso de um diretor da Globo Filmes, O Som ao Redor retrata o cotidiano de pessoas que vivem ou trabalham numa rua em Recife, a poucos metros da praia.

O filme traz diversas tramas paralelas sem interrelação. Estão lá a dona de casa entendiada que não consegue dormir com os latidos do cachorro do vizinho, o velho patriarca de uma família que era dona de terras do passado, os moradores de um edifício de luxo que querem demitir o porteiro que dorme no serviço, os seguranças da rua que chegam para "garantir o sono dos moradores, dentre outros.

O filme tem vários defeitos e poucas qualidades. O primeiro defeito é a duração. O diretor não precisava gastar duas horas para que se entendesse a mensagem que ele quer passar, de que a relação casa-grande e senzala persiste em existir no Brasil contemporâneo, apesar da nova roupagem. Aliás, tal sentido é explicitado logo na primeira cena, em que há a exibição de uma sequência de fotos antigas de grandes propriedades rurais, os senhores e seus dependentes.

Também incomoda a lentidão com que se desenvolve a história. Várias coisas vão acontecendo sem muita conexão. A dona de casa tenta envenenar o cachorro, um menino chuta a bola no prédio de luxo e não consegue pegá-la de volta, um corretor de imóveis vai tomar café da manhã com a empregada após dormir com uma moça que conhecera na noite anterior, etc. Apenas a proximidade física, por tudo acontecer na mesma rua, estabelece um elo entre as cenas.

Além disso, algumas cenas nem se desenvolvem. Ao menos duas cenas mostram um casal de adolescentes em uniformes escolares se beijando em um cantinho. Cenas totalmente perdidas e sem nenhuma ligação com os demais eventos. 

Como qualidade, há cenas interessantes, como a em que os seguranças vão pedir "benção" ao velho patriarca para atuar na área em que ele vive, e este começa a caçoar do mulato caolho, mostrando seu tratamento humilhante para os, no seu ponto de vista, "inferiores". Também há uma interessante cena sobre a reunião de condomínio para discutir a demissão do porteiro que há muitos anos lá trabalha mas só dorme em serviço.

Também se destaca a preocupação do diretor de tratar as personagens como pessoas com defeitos e qualidades, não elegendo heróis e vilões de forma maniqueísta. 

Em síntese, o filme tem bons momentos, mas são muito poucos, sendo na maior parte do tempo, extremamente cansativo. Havia maneiras muito melhores de se mostrar a persistência das formas de tratamento coloniais.

Nota: 4

De volta em um novo canal

Pitacos cinematográficos, que andava morto-vivo no endereço do UOL, voltou, agora em casa nova, no Blogger.

Na primeira vez tinha parado de escrever por falta de público. Agora, com o Facebook e o Twitter, como recomendaram alguns amigos, talvez consiga mais visibilidade, por isso a volta.

Resgatei os posts antigos, colocando a data da postagem original. 

Não revisei nada. Posso até ter mudado de ideia ou notado algum erro de português, mas deixei como originalmente publicado.

Os comentários antigos podem ser acessados clicando no link abaixo da nota.

Basicamente a ideia básica é a mesma do primeiro pitaco:
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Apresentação do Pitacos
Sejam bem vindos ao Pitacos Cinematográficos (que pretensão, será que alguém vai mesmo ler isso aqui)!
Este blog foi criado para análise de filmes. Este blog não é um diário pessoal, no entanto, qualquer crítica reflete as idéias e a visão do autor. Ao final de cada avaliação atribuirei aos filmes uma nota de 0 a 10.
Comentários, sugestões e discussões serão bem vindos!
Aguardo seus pitacos!
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É isso. Aguardo seus novos pitacos!